Discurso lido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da Cúpula Brasil – Caribe, em Brasília, no dia 13 de junho de 2025

Fortalecer a nossa conexão entre nossos países é uma tarefa inadiável. Não podemos mais abrir mão das oportunidades que serão geradas pela integração. Eu pretendo que a gente tenha um dia de muito trabalho para que quando regressarmos aos nossos países, todo mundo sinta-se satisfeito de ter participado de uma reunião produtivo. Portanto, bem-vindos ao Brasil, senhores ministros e ministras, chefes de governo e amigos do Brasil.

Esta semana, Brasília é palco de duas atividades dedicadas ao Caribe.

Ontem, encerramos a 55ª Assembleia de Governadores do Banco de Desenvolvimento do Caribe.

Hoje, teremos a oportunidade de aprofundar nosso diálogo.  O lema desta reunião – “aproximar para unir” – vem da frase final do discurso que proferi na Cúpula Brasil-CARICOM de 2010.

Passados 15 anos, ele traduz um desafio inacabado.

Ao longo desse período, nossa relação oscilou entre momentos de avanço, estagnação e retrocesso. Nosso intercâmbio comercial diminuiu 30% desde então. Tínhamos um fluxo de mais de US$ 6 bilhões, que agora gravita em torno de US$ 4 bilhões.

Ao final do meu segundo mandato, contávamos com embaixadas residentes em todo o Caribe. Cinco delas foram fechadas por meus antecessores. Estamos trabalhando para reverter esse quadro e já reabrimos a representação em São Vicente e Granadinas.

No ano passado, minha participação na Cúpula de Georgetown, a convite do presidente Irfaan Ali [presidente da Guiana], inaugurou uma etapa de reflexão para o Brasil.

A partir daquele encontro, nos dedicamos a escutar atentamente a região e a estudar maneiras de contribuir com suas prioridades. 

Esta Cúpula é um primeiro passo.

Identificamos cinco áreas nas quais a colaboração entre o Brasil e o Caribe tem potencial de render resultados concretos.

A primeira delas é o da mudança do clima.

Precisamos chegar unidos à COP30 em Belém. Nossa medida de sucesso será o grau de ambição das novas NDCs a serem apresentadas. A nova meta do Brasil, que prevê redução de emissões entre 59 e 67%, foi produto de um intenso exercício interno.

Sabemos que, para países em desenvolvimento, a elaboração de uma NDC é um esforço árduo. Por isso, este ano, o Brasil se uniu à Dinamarca para copresidir a Parceria para as NDCs, iniciativa que oferece apoio técnico a países caribenhos na formulação e implementação de suas metas.

Avançar na adaptação à mudança do clima e na compensação por perdas e danos é uma questão existencial para os Pequenos Países Insulares em Desenvolvimento.

Acabo de voltar da Conferência de Nice, onde enfatizei a centralidade do oceano na agenda climática. Nosso Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais está pronto para colaborar no monitoramento dos efeitos da elevação do nível do mar. Vamos compartilhar imagens de satélites sino-brasileiros com todos os países da América Latina e Caribe.

Existem importantes sinergias entre a Iniciativa de Bridgetown, lançada por Barbados, e o mapa do caminho Baku-Belém para atingir US$ 1,3 trilhão em financiamentos [climáticos]. Cabe aos países ricos fazer frente a suas responsabilidades, para que o Sul Global possa avançar em ritmo compatível com suas circunstâncias.

A segunda área é a da transição energética.

Uma transição justa significa não penalizar, mais uma, vez os países em desenvolvimento. Dispor de diferentes fontes de energia faz parte dessa estratégia. A opção brasileira pelos biocombustíveis permitiu que a cana-de-açúcar passasse de símbolo do passado colonial a passaporte para um futuro sustentável. O Caribe, que divide esse passado com o Brasil, também pode fazer parte desse futuro.   

A região tem imenso potencial para a produção de energia eólica e solar. O planejamento energético é a chave para atrair os investimentos de longo prazo. Isso requer o desenvolvimento de capacidades institucionais.

Vamos, em breve, organizar missão do Ministério de Minas e Energia e da Empresa de Pesquisa Energética para explorar oportunidades de cooperação.

A terceira área é a da segurança alimentar.

Segundo a FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura], a fome ainda assombra mais de 12 milhões de caribenhos. Esse desafio só será superado conciliando boas políticas públicas com financiamento adequado. Esse é o propósito da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que hoje passa a contar com Santa Lúcia, Cuba e o Banco de Desenvolvimento do Caribe.  

Agora, integram a iniciativa sete países da região. Espero que os demais se juntem a nós, nessa aliança, em breve. Na cesta de políticas da Aliança estão iniciativas que o Brasil pode compartilhar. Entre elas, destacam-se o Garantia Safra, que protege produtores rurais de catástrofes naturais, e o Programa de Cisternas, que ajuda a combater a escassez de recursos hídricos.

Reforçamos o chamado para que os países presentes se somem à Rede de Sistemas Públicos de Abastecimento da América Latina e Caribe, da qual já fazem parte Cuba, São Vicente e Granadinas. Por meio da Rede, o Brasil pode compartilhar sua experiência na formação de estoques públicos de alimentos, ferramenta eficaz para manter preços estáveis.

Sei do interesse do Caribe de diversificar seus fornecedores de alimentos. Não faz sentido que o Brasil, celeiro do mundo, não esteja presente na mesa do consumidor caribenho. Hoje, produtos agropecuários compõem uma parcela ínfima da pauta exportadora brasileira para a CARICOM.

Mercadorias só circulam quando há caminhos abertos.

Esse é o objetivo da quarta área, que trata da conectividade aérea, viária e marítima.

A escassez de conexões explica porque o Caribe importa mais dos Estados Unidos, da China e da Alemanha do que do Brasil. Os itens que abastecem a região vêm de lugares distantes, mesmo que os portos de Santana, no Amapá, e o de Pecém, no Ceará, sejam vizinhos.  

O programa brasileiro Rotas da Integração Sul-Americana visa a criar e aprimorar a infraestrutura que nos liga ao entorno regional. O Brasil acordou com o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] que US$ 3 bilhões de sua carteira fossem destinados a projetos em países sul-americanos. Parte desses recursos está sendo empregada em iniciativas na Guiana e no Suriname, que são nossas portas naturais para o Caribe. 

Temos acordos de serviços aéreos vigentes com apenas três países caribenhos, mas queremos – e precisamos – ir além.  

Firmaremos hoje instrumentos com Barbados e Suriname.    

Ainda este ano, organizaremos com apoio da CAF [Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe] o Fórum “O Brasil abre as portas para o Caribe”, que vai discutir como ampliar a conectividade entre nós e promover novos negócios. 

O Banco de Desenvolvimento do Caribe também é um parceiro fundamental nesse esforço. Hoje, tenho a satisfação de anunciar que o Brasil fará aporte de US$ 5 milhões ao Fundo Especial de Desenvolvimento do CDB.

Esses recursos atenderão os países mais vulneráveis da região.

A quinta área diz respeito ao Haiti.

O Brasil esteve à frente do componente militar da MINUSTAH por 14 anos. Após o terremoto de 2010, fomos o primeiro país a contribuir, com US$ 55 milhões, ao Fundo de Reconstrução do Haiti. Enquanto as portas para os haitianos se fecharam em várias partes do mundo, o Brasil concedeu mais de 90 mil vistos humanitários desde 2012.

Em minha recente visita à França, afirmei em diferentes ocasiões que o Haiti não pode ser punido eternamente por ter sido o primeiro país das Américas a se tornar independente. Se ontem a punição veio sob a forma de indenizações injustas e ingerência externa, hoje se reflete em postura de abandono e indiferença.

É preciso que a comunidade internacional se engaje em prol de um plano nacional de desenvolvimento do país. O Brasil apoia que a ONU assuma parte do financiamento da missão multinacional de segurança ou a converta em uma operação de paz. 

A Polícia Federal brasileira vai iniciar, nos próximos meses, o treinamento que oferecerá a 400 membros da polícia nacional haitiana. Estabilizar a situação de segurança é fundamental para que se possa dar o próximo passo do processo político e realizar eleições presidenciais. Estamos à disposição para cooperar na organização do pleito.

Junto com a República Dominicana, o Haiti foi um dos países selecionados para receber os primeiros projetos da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Com recursos do BID, vamos estruturar programa de transferência de renda que certamente vai melhorar a vida dos haitianos. Há poucos meses, inauguramos o centro de treinamento profissional de Les Cayes, que recebeu o nome do professor brasileiro Paulo Freire.

Em um cenário de acirramento de disputas geopolíticas, a aproximação entre o Brasil e o Caribe reafirma nossa busca por autonomia frente a velhas e novas hegemonias.

A eleição de Albert Ramdin ao cargo de Secretário-Geral da OEA é um exemplo do que podemos conquistar ao unir forças. Sem o Caribe, nunca teremos uma CELAC forte.

Nosso sentido de solidariedade é mais necessário do que nunca.

Devemos seguir condenando com veemência o embargo contra Cuba e sua descabida inclusão em listas de países que apoiam o terrorismo. O mundo está carente de vozes que falem em nome do que é certo, justo e sensato. O Brasil sempre viu no Caribe essa vocação.

Garantir que caminharemos lado a lado e com o olhar no futuro será a tarefa mais urgente do Fórum Ministerial Brasil-Caribe que criamos hoje.

Muito obrigado.