*Por Luana Forlini

As duas principais economias da América do Sul e os atores com maior peso dentro do Mercosul, Brasil e Argentina possuem governos com posicionamentos distintos em relação ao combate ao coronavírus. Enquanto no primeiro o presidente Jair Bolsonaro não acata as recomendações feitas pela Organização Mundial da Saúde e seguidas por líderes mundiais, criando situação de embate com governadores estaduais e com o ministério da Saúde, nosso vizinho, Alberto Fernández, agiu rápido para impor medidas de isolamento social, obteve o apoio da população, conseguiu o chamado “achatamento da curva” e hoje já discute a abertura gradual de comércio em algumas localidades do país.

Bolsonaro é caracterizado por diversos jornais e portais de notícias ao redor do mundo como um dos únicos líderes que ainda são negacionistas em relação ao vírus, isolando-se internacionalmente e arriscando a vida da população brasileira, conforme editorial publicado pelo americano Washington Post. Ele prefere dar ênfase à manutenção do funcionamento econômico, que já não estava dando resultados positivos (o PIB em 2019 cresceu somente 1,1%), em detrimento da segurança de vidas de milhares de pessoas. A cloroquina, remédio defendido por ele como uma cura para o coronavírus, não é consenso e não tem se mostrado eficiente em pesquisas clínicas.

Se por um lado o negacionismo pode ser uma estratégia para concentrar ainda mais a base de apoio bolsonarista inundada com fake news, por outro tem seus custos políticos. A maioria dos governadores e o Congresso Nacional entraram em rota de colisão com Bolsonaro, criticando sua maneira de gerir a crise. O mais emblemático desses embates foi com o ex-ministro da Saúde, o médico Luiz Henrique Mandetta, demitido em 16 de abril após criticar o presidente publicamente em diversos momentos.

Esses custos podem ser medidos com as pesquisas de opinião pública que têm mostrado a estagnação dos números de ótimo/bom ou sua diminuição em relação ao governo Bolsonaro, enquanto em outros países os líderes têm se tornado mais populares, como aconteceu na França, com Emmanuel Macron, e o próprio Fernández. O aumento da popularidade dos chefes de Estado é uma tendência em conjunturas de “guerra”, quando demonstram pulso firme.

Fernández, que agiu rápido para conter o espalhamento do coronavírus, obteve quase 90% de aprovação da população em pesquisa realizada pela empresa Analogías no final de março. Sua imagem foi considerada positiva por 94% das pessoas. O presidente argentino escolheu fazer ações preventivas, bem antes que a doença chegasse aos mil infectados no país.

A quarentena obrigatória e rígida foi implementada ainda no dia 20 de março e prorrogada duas vezes. Hoje, dia 17 de abril, a Argentina, que possui uma população total parecida com a da Espanha, tem 2.669 casos e 122 mortes e o governo já se prepara para retomar algumas atividades econômicas em regiões do país a partir do dia 20.

Vale lembrar que não é só sobre a gestão do coronavírus que os governos divergem. Fernández foi eleito com uma plataforma progressista, tendo como vice-presidente a ex-presidenta Cristina Kirchner, um dos símbolos dos governos de esquerda da região latino-americana do começo dos anos 2000. Durante a campanha eleitoral argentina, Bolsonaro se posicionou a favor do neoliberal Mauricio Macri, o qual estava concorrendo à reeleição depois de ter feito um governo desastroso em termos econômicos para a Argentina, que amargou, por exemplo, a segunda maior inflação da América Latina em 2018. Em uma de suas falas à época, o brasileiro disse que o nosso vizinho se tornaria uma nova “Venezuela” se Fernández ganhasse e, quando ele de fato ganhou, não o parabenizou, como é de praxe na diplomacia mundial.

Na América do Sul há líderes que se comportam como estadistas e alguns que não. Enquanto no Brasil tornaram-se comuns os panelaços contra Bolsonaro, em bairros de Buenos Aires escutam-se os gritos de “Alberto, Alberto!”.

* Luana Forlini é consultora do Grupo de Análise da Conjuntura da Fundação Perseu Abramo. O texto não reflete necessariamente a posição da instituição.

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