Ganhou muita repercussão a história da aluna que teria sido “vítima de doutrinação ideológica” por ter discordado que “o capitalismo fundamenta a lógica imoral da exclusão”. A situação apareceu em uma prova, e a estudante iniciou a resposta afirmando não concordar com a lógica. Numa democracia, seu direito de discordar da afirmação deve ser absolutamente resguardado. Numa escola, junto com esse direito vem o dever de justificar corretamente os motivos da discordância.

Eis a resposta na íntegra: “Não concordo que o capitalismo fundamenta a lógica imoral da exclusão. Muito pelo contrário. O capitalismo amplia empresas, gerando assim, empregos. O capitalismo dá oportunidades a todos, diferente do comunismo e socialismo que não deu certo em nenhum país. A exclusão não está relacionada ao capitalismo, porque ele não gera pobreza. Fica pobre quem quer, pois ele gera oportunidades. E também tem a meritocracia, que deve ser vista como um plus na sociedade, pois quando se recebe uma oportunidade é possível alcançá-la com mérito e dedicação”.

Resguardar o direito ao contraditório no processo educacional deveria ser um dos pilares da democracia. O que não se pode aceitar, no entanto, é o lugar comum do contraditório, sem nenhuma dialética ou debate minimamente qualificado. Isso não é educação, é retórica tosca. Vamos analisar trechos da resposta:

Afirmação 1: “O capitalismo amplia empresas, gerando assim, empregos

O que amplia empresas é investimento, que pela lei de Say, é igual à poupança. Uma lógica liberal clássica. O capitalismo é um sistema econômico, não um jeito de ampliar empresas.

Afirmação 2: “Muito pelo contrário.

A expressão não tem sujeito, não tem verbo, e não tem predicado. Portanto, não deveria estar entre pontos finais. Trata-se de uma locução adverbial. Temos aqui um erro formal de português.

Afirmação 3: O capitalismo dá oportunidades a todos, diferente do comunismo e socialismo que não deu certo em nenhum país.”

O que o comunismo e o socialismo têm a ver com a pergunta da prova? Qual o sentido dessa afirmação para discordar de que o capitalismo fundamenta a exclusão?

Afirmação 4: “A exclusão não está relacionada ao capitalismo, porque ele não gera pobreza. Fica pobre quem quer, pois ele gera oportunidades”.

Afirmar que o capitalismo não gera pobreza e dizer depois que “fica pobre quem quer” é uma tautologia, não uma justificativa. Percebam que a aluna não justifica porque o capitalismo não se relaciona à exclusão. Num primeiro ato falho, ela relaciona exclusão, pobreza e capitalismo, nega a relação entre eles, mas não consegue dizer por que.

Afirmação 5. E também tem a meritocracia, que deve ser vista como um plus na sociedade

A meritocracia é um sistema de gestão que define lógicas sociais, não “um plus” à sociedade. O uso do termo plus já devia ser questionado. Carece de significado no contexto e é o típico “enrolation”, tática muito utilizada em provas quando não se sabe definir algo.

Afirmação 6. Pois quando se recebe uma oportunidade é possível alcançá-la com mérito e dedicação.

Temos aqui uma pérola de retórica e um super ato falho. Se você já recebeu a oportunidade, porque você ainda precisa alcancá-la? Não tem sentido a frase, a não ser uma vontade enorme de vomitar clichês que possivelmente ela deve ouvir no seu dia a dia, sem nunca ter tido sequer a oportunidade de refletir sobre a fundamentação deles, haja vista sua total incapacidade de articular os jargões entre si.

Em resumo: ela não definiu meritocracia, errou na definição de capitalismo, confundiu com o conceito de investimento, cometeu erros graves de português, foi retórica e suas frases foram vazias de sentido.

Um liberal sério daria zero pra essa resposta. A escola reverter a nota do professor mostra medo e nenhum talento didático. A mãe acha que a filha deve ser liberal e capitalista e deve reproduzir esses discursos, “contra tudo o que está aí.” Mas não se preocupa nem um pouco com a formação intelectual de sua filha ao corroborar com uma resposta sem nenhum fundamento, justificativa, acerto linguístico. Isso não tem nada a ver com escola sem partido. Isso tem a ver com o direito das pessoas não estudarem, serem alienadas. Vamos ser mais honestos!

Eu aqui, de esquerda sim, socialista sim, e preocupado com a aprendizagem dessa aluna, quero dedicar humildemente meu esforço de dar o gabarito alternativo que poderia, esse sim, ter a nota máxima dada pela escola em instância de histeria:

Não há possibilidade de concordar com o fato de que o capitalismo fundamenta a lógica imoral da exclusão. Mesmo porque o trecho apontado pela questão vai exatamente em sentido contrário. Ao tratar das regras de mercado como elemento de estabilidade social e econômica no contexto da globalização, o trecho ressalta as características históricas do liberalismo. Em condições de livre mercado, com possibilidades plenas de poupança e investimento, o mercado de trabalho agirá naturalmente no sentido de ampliar as oportunidades em nível de pleno emprego. Ainda, ao se valer tão somente da meritocracia como instrumento de gestão, o capitalismo é capaz de proporcionar inclusive ascensão social e melhores condições de vida para as pessoas”

Tudo pode ser retórica. Pouca coisa pode transformar. Nada substitui a reflexão.

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