Atual governo golpista tem se valido dos desdobramentos da Operação Lava Jato para fazer a opinião pública crer que o combate à corrupção deve ser feito pelo desmanche da Petrobras

Ano 1 – nº 08- Outubro 2016

A reação liberal-conservadora contra a Petrobras

O investimento da Petrobras saltou de US$ 9 bilhões em 2004 para quase US$ 55 bilhões em 2013; os efeitos multiplicadores significaram a geração de 50 mil empregos na indústria naval e milhares de postos de trabalho na indústria metal-mecânica1. Em suma, os efeitos diretos e indiretos da Petrobras favoreceram tanto a criação de emprego e renda quanto a garantia de direitos.

No entanto, de forma oportunista, o atual governo golpista tem se valido dos desdobramentos da Operação Lava Jato para fazer a opinião pública crer que o combate à corrupção deve ser feito por meio não do saneamento e do aperfeiçoamento dos instrumentos de governança da empresa estatal, mas sim do desmanche da Petrobras.

Uma vez mais, por trás dos argumentos de combate à corrupção escondem-se interesses que atentam contra a soberania nacional e em favor de ganhos exorbitantes para o capital privado internacional e de ganhos de curto prazo para alguns setores do capital privado nacional.

É evidente que a Petrobras enfrenta gigantescos desafios de médio e longo prazos. No entanto, as medidas anunciadas pela atual gestão da estatal não dialogam com tais desafios e, ao que tudo indica, priorizam os interesses de outros atores do tabuleiro da geopolítica do petróleo.

No campo econômico, o principal desafio da companhia é a geração de caixa para honrar a dívida existente, cuja maior parcela do montante se concentra no longo prazo. No cenário internacional, cabe ressaltar que o preço de petróleo ainda se encontra em patamares relativamente baixos em função da crise internacional dos últimos anos e de disputas internacionais na geopolítica do setor de energia. Na esfera tecnológica, o processo de produção do pré-sal começou recentemente, o que significa que ainda existem grandes possibilidades de expansão da produção e da produtividade da camada do pré-sal. Uma série de estudos aponta como “sair na frente” nesse desenvolvimento pode se traduzir em ganhos de escala e expertise gigantescos no futuro. Mas por que a estratégia da nova gestão não dialoga com esses aspectos?
A atual estratégia apresenta um olhar fortemente concentrado no curto prazo, quando os grandes desafios da empresa e do setor estão orientados para o longo prazo.

No plano de negócios2 para os próximos cinco anos anunciado no último mês pelo presidente da Petrobras, merecem destaque as metas de (i) redução de 25% nos investimentos, que devem ser cortados de US$ 98,8 bilhões para US$ 74,1 bilhões; (ii) redução dos ativos da empresa, que deve sair integralmente de setores como os de gás liquefeito (GLP), biocombustíveis, petroquímico e fertilizantes; (iii) realização de estudos para a venda da Liquigás e da BR Distribuidora; (iv) venda dos 47% de capital votante que a petroleira mantém na Braskem; (v) implementação de uma nova política mantendo os preços de derivados do petróleo em paridade com o mercado internacional.

O objetivo para o próximo biênio é levantar US$ 19,5 bilhões e reduzir a dívida líquida da Petrobras de 4,5 para 2,5 vezes do seu Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização).

A grande questão, no entanto, é que a Petrobras precisa encontrar alternativas para a geração de caixa no médio e longo prazos. Segundo o Relatório Financeiro da Petrobras3, cerca de 68% do endividamento da companhia estão concentrados após 2019 e, deste percentual, por volta de dois terços após 2021. Além disso, de acordo com o mesmo Plano de Negócios, o preço do barril do petróleo tem perspectivas de uma consistente expansão até 2021, saindo dos atuais 45 para 71 dólares. Por fim, cabe ressaltar que, para o mesmo período, há uma forte perspectiva de redução do custo de extração da companhia (cerca de 30% em cinco anos) justamente por conta da maior participação relativa das áreas de exploração do pré-sal.

Portanto, parece mais lógico que a Petrobras fortaleça sua capacidade de exploração e produção, principalmente do pré-sal, a fim de se aproveitar de um cenário mais vantajoso no médio e longo prazos, em termos de preço e custo. Ainda mais porque os maiores desafios da companhia para honrar seus compromissos financeiros se encontram nesse período. Ou seja, as possibilidades de ampliação da sua receita e lucro estão direcionadas para o médio prazo em função do maior volume de produção do pré-sal, das perspectivas de ampliação do preço do barril, bem como da diminuição do custo de produção atrelada ao próprio incremento da produção do pré-sal. Além disso, torna-se importante ressaltar que o controle nacional da exploração do pré-sal garante um controle soberano sobre o ritmo das explorações e permite preservar conhecimentos estratégicos do setor num mercado de empresas gigantescas com caráter competitivo fortemente global.

Alguns especialistas apontam que os riscos e custos de extração no pré-sal vêm caindo significativamente, de modo que não se justifica mudar a legislação para atrair empresas estrangeiras. A permanência da Petrobras como operadora em todos os consórcios para a exploração do pré-sal contribui decisivamente para o sistema de controle brasileiro do processo de exploração feito por estrangeiros. Por isso, a ausência da Petrobras não permitiria ao governo aferir eficientemente se a exploração realizada por transnacionais estrangeiras estaria em volumes corretos ou seria subnotificada ao governo brasileiro.

Além do próprio equívoco estratégico da companhia, essas medidas trazem impactos deletérios para o atual padrão de desenvolvimento econômico brasileiro. Com esse plano, como afirmou recentemente José Sergio Gabrielli (ex-presidente da empresa), “a Petrobras deixa de ser o centro do desenvolvimento industrial do país”4. Dessa forma, além de o Estado perder autonomia relativa sobre parte de um recurso estratégico, diminui-se o efeito multiplicador da empresa na geração de emprego e renda e no estímulo ao desenvolvimento de tecnologia nacional.

Portanto, qual seria o interesse por trás de tais medidas da companhia, bem como do PL 4567/16 que flexibiliza a obrigatoriedade de exploração da Petrobras no pré-sal? Evidentemente, tratam-se de interesses relacionados a fatores políticos internos e geopolíticos.

O PL proposto pelo atual ministro das Relações Exteriores, José Serra, foi aprovado pelo Senado em fevereiro e pela Câmara dos Deputados agora em outubro e aguarda apenas a sanção do presidente postiço Michel Temer. Com isso abre-se a permissão para que outras empresas, além da Petrobras, possam realizar a exploração da camada do pré-sal. Sabe-se que esse projeto tem um grande apoio de empresas multinacionais do setor, bem como de uma fração da classe política contrária ao papel de indutora no desenvolvimento nacional exercido pela Petrobras nos últimos anos.

A descoberta do pré-sal em 2007 foi considerada uma das ações estratégicas mais importantes do setor petrolífero, apenas uma das reservas, a de Libra, anunciada em 2010, tinha volume superior à de todas as reservas brasileiras de petróleo à época. O pré-sal foi recebido pelo governo Lula como um elemento fundamental para a soberania do país, e a lei que regulamentou sua exploração determinava que os royalties (compensação financeira paga pelos produtores em troca do direito à extração do petróleo) deveriam ser investidos em educação e saúde.

De acordo com a regra vigente até hoje todos os poços do pré-sal devem ser explorados obrigatoriamente sob a liderança da Petrobras, que deve atuar como operadora única. A estatal tem o direito de se consorciar a outras empresas, nacionais ou estrangeiras, desde que ela seja a líder da operação e tenha no mínimo 30% do consórcio.

Com as mudanças em curso, a Petrobras terá o direito de participar da exploração, mas não terá mais a exclusividade, pois os poços poderão ser explorados sob o comando de outras empresas, sejam elas nacionais ou estrangeiras.

Além do atual governo, o projeto está sendo defendido pelo IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo), que representa as empresas privadas interessadas em lucrar com o negócio e também em incorporar a tecnologia de exploração em águas profundas desenvolvida pela Petrobras, além de contar com o apoio dos governadores do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, ambos do PMDB, pois os dois estados são os grandes beneficiados pelos royalties e por isso desejam intensificar a atividade de empresas estrangeiras no setor a fim de que sejam estimuladas as economias locais. Um dos principais argumentos mobilizados por tais atores é o de que, por conta da corrupção e do endividamento, a Petrobras tem perdido sua capacidade de explorar a camada do pré-sal. Mas, como apontado anteriormente, é justamente a exploração do pré-sal que deve garantir, ou pelo menos, dar uma imensa contribuição, para a geração de receitas futuras visando garantir o equilíbrio econômico-financeiro da empresa.

O que uma visada de olhos mais cuidadosa evidencia é mais um dos exemplos em que, com a cumplicidade do Estado, por meio do plano de negócios da empresa e da mudança regulatória, a iniciativa privada se apropria de tecnologias nas quais não investiu para intensificar seus ganhos de curto prazo.

As entidades que reúnem os sindicatos da categoria, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) e a Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) atuaram contra as mudanças iminentes nas regras de exploração do pré-sal e argumentam que a pressa para a realização de novos leilões no momento em que o preço do barril do petróleo está em baixa interessa principalmente aos EUA, pois sua produção tende a entrar em declínio no médio prazo. Sendo assim, a aceleração da exploração nesse momento atende muito mais a interesses da economia estadunidense do que à soberania da economia brasileira.

A entrada de novas empresas nesse setor deve significar uma ameaça contra a política de conteúdo tecnológico nacional, uma vez que tais empresas devem importar sondas, equipamentos e outros serviços, dessa forma, em última instância, se diminui a geração de emprego e renda no país; além disso, segundo Ildo Sauer5 (ex-diretor de gás e energia da Petrobrás) o governo brasileiro pode deixar de arrecadar cerca de R$ 331,3 bilhões em 35 anos com o leilão do pré-sal; por fim, o país deve sofrer a redução no volume de recursos destinados ao fundo social, encolhendo o potencial de financiamento da educação e da saúde.

Sob o pretexto de solucionar um problema de curto prazo, o endividamento da Petrobras, a reação liberal-conservadora afronta as possibilidades de construirmos, no médio e no longo prazo, um projeto baseado em um Estado soberano e em um desenvolvimento industrial e tecnológico nacional.

1. Os dados referidos estão disponíveis em nota técnica do Dieese: http://www.dieese.org.br/notatecnica/2013/notaTec129LeilaoCampoLibra.pdf
2. O Plano de Negócios e Gestão (2017-2021) pode ser encontrado em: http://www.petrobras.com.br/pt/quem-somos/estrategia/plano-de-negocios-e-gestao
3. As Demonstrações Financeiras e Contábeis podem ser consultadas em: http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/divulgamos-nossas-demonstracoes-contabeis-auditadas.htm

4. A declaração de Gabrielli pode ser encontrada na entrevista disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2016/10/06/sergio-gabrielli-petrobras-deixa-de-ser-o-centro-do-desenvolvimento-industrial/>
5. A declaração de Ildo Sauer está disponível em: http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2013/10/18/governo-perde-ate-r331-bi-com-leilao-do-pre-sal-diz-ex-chefe-da-petrobras.htm

 
Boletim de Análise de Conjuntura - Golpe contra o Estado 8

 
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