Matheus Tancredo Toledo1

Passado o primeiro turno das eleições gerais de 2022, uma dúvida pairou no ar: por que os resultados de pesquisas de muitos dos mais diversos institutos de pesquisa foram tão discrepantes do resultado eleitoral, tanto nos pleitos estaduais, quanto no pleito presidencial? Para tentar responder essa pergunta, o NOPPE (Núcleo de Opinião Pública, Pesquisas e Estudos da Fundação Perseu Abramo) iniciou um estudo cujos resultados preliminares trazemos neste artigo. As hipóteses e considerações preliminares trazidas aqui são fruto tanto dos dados compilados no estudo que fizemos, quanto por discussões e debates que o núcleo faz semanalmente há mais de dois anos, com intenso acompanhamento das pesquisas e eleições nesses dois períodos.

Após a apuração total das urnas, o resultado final do primeiro turno das eleições presidenciais de 2022 foi o seguinte: com aproximadamente 57 milhões e 259 mil dos votos, Lula alcançou o primeiro lugar com 48,43% dos votos válidos; o atual presidente, Jair Bolsonaro, obteve por volta de 51 milhões e 70 mil votos, 43,20% dos votos válidos. Em terceiro lugar, Simone Tebet alcançou 4 milhões 915 mil votos (4,16% dos válidos) e Ciro Gomes, o quarto colocado, teve 3 milhões e 599 mil votos (3,04% dos válidos). Outros candidatos somaram 1,17% dos válidos, com cerca de 1 milhão e 383 mil votos.

Resultado Nacional

Lula

Bolsonaro

Tebet

Ciro

Outros

Nominal

57.259.504

51.072.345

4.915.423

3.599.287

1.383.160

Porcentagem Válidos

48,43%

43,20%

4,16%

3,04%

1,17%

Comparando com as pesquisas de opinião pública realizadas na véspera e nos dias que antecederam a votação, há uma aparente subestimação do voto em Jair Bolsonaro por parte de institutos tradicionais: no IPEC, teria 37% dos válidos, enquanto no Datafolha teria 36%. Em outros institutos, como o Quaest e o Atlas, Bolsonaro teria 38% e 41%. Considerando a margem de erro, todos acertaram os votos válidos em Lula, mas erraram a de Bolsonaro. Bolsonaro foi subestimado em 7,2 pontos percentuais (p.p.) no Datafolha, 6,2 p.p. no IPEC, 5,2 p.p. na Quaest e 2,1 p.p. na Atlas. Nessa última, somente 0,1 p.p. fora do limite da margem de erro, que é de 1 p.p. nos levantamentos do instituto.

O debate que se sucedeu a essa questão foi o de qual o limite metodológico que os institutos, exceto a Atlas, encontraram para dimensionar o bolsonarismo na opinião pública. Hipóteses como o voto envergonhado, dificuldade de realizar entrevistas com parcela deste eleitorado, e até erros amostrais (motivados pela falta de um Censo atualizado ou da insuficiência da PNAD-C, duas das fontes de dados utilizadas pelos institutos para desenhar suas amostras) foram aventadas. Ainda, analistas mencionaram a possibilidade de que uma movimentação de última hora no eleitorado, com transferência de votos, que também teria influenciado na discrepância entre pesquisas e resultados. Fizemos tal debate, e com base em nosso estudo propomos somar ao debate uma abordagem complementar.

Se considerarmos os votos totais nas eleições presidenciais, e comparar tal medida com o que os próprios institutos mediram em suas últimas pesquisas antes do pleito, novas questões surgem. Para isso, incluímos o número de brancos, nulos, a abstenção eleitoral, considerando o eleitorado como um todo. Nessa conta, Lula teve 36,6% dos votos, enquanto Bolsonaro teve 32,64%, Tebet 3,14% e Ciro 2,3%.

Resultado Nacional

Lula

Bolsonaro

Tebet

Ciro

Outros

Branco/Nulo

Abstenção

Nominal

57.259.504

51.072.345

4.915.423

3.599.287

1.383.160

5.452.653

32.770.982

Porcentagem Votos Totais

36,60%

32,64%

3,14%

2,30%

0,88%

3,49%

20,95%

Nessa comparação, o cenário se inverte. Os institutos já mencionados trouxeram Lula com um patamar de votos totais que variava de no mínimo 44% (na Quaest) até 49,8% (na Atlas). Já os votos totais em Bolsonaro foram estimados pelos institutos como ficando nos patamares entre 34% (Quaest, IPEC e Datafolha) e 40,7%. Em termos práticos, os institutos mensuraram que Lula teria entre 68 e 77 milhões dos votos, enquanto Bolsonaro teria 53 milhões segundo os três institutos que realizaram coleta presencial, e 63 milhões segundo o Atlas.

Por conta disso, é possível levantar a hipótese que não houve subestimação do voto bolsonarista nas eleições presidenciais, e entre os quatro institutos houve, inclusive, superestimação por parte do instituto Atlas – que, por outro lado, praticamente cravou os votos válidos. Reconhecemos que há limitações metodológicas em tal comparação, mas por meio dela é possível fazer a seguinte pergunta: por que grandes institutos cravaram que Bolsonaro teria cerca de 51 milhões de votos, mas erraram a votação de Lula, Ciro e Tebet?

Se partirmos do pressuposto que as pesquisas acertaram a quantidade de votos totais que Bolsonaro teria, mas não as de Lula, Ciro e Tebet, podemos formular a seguinte hipótese para entender o porquê: As intenções de voto em Bolsonaro teriam sido de fato realizadas pelos seus eleitores, em quase toda sua totalidade. A maior parte dos eleitores que tinham a intenção de votar no atual presidente, o fizeram no domingo, dia 2 de outubro. Entre os eleitores de Lula, Ciro e Tebet, esse contingente foi significativamente menor, gerando notória discrepância.

Considerando que Bolsonaro não teve mais votos do que o previsto, e candidatos de menor expressão também não, uma possível explicação, para nós, é que as pesquisas tiveram dificuldade em captar os votos totais de forma realista por conta de um Viés de Abstenção – eleitores de Lula, Ciro e Tebet que tinham a intenção de votar nos três candidatos, compareceram em menor volume do que os eleitores de Bolsonaro. Mesmo que tenha havido um fenômeno de transferência de voto para Bolsonaro, não parece ter sido suficiente para alterar o previsto pelos institutos de pesquisa. O modelo que compara votos válidos nas urnas e previsão das pesquisas na mesma métrica, pode subestimar o efeito da abstenção – em especial se esta for assimétrica no eleitorado.

Enquanto elaboramos tais avaliações e discutimos internamente os resultados preliminares deste estudo, o cientista político Antonio Lavareda, presidente do instituto Ipespe, publicou em seu twitter avaliação que também considera que um viés de abstenção esvaziou o número de votos totais em Lula e em candidatos da terceira via – e demonstrou que o fenômeno não é inédito, mas observável em pleitos anteriores. Lavareda atribui ao viés de abstenção as seguintes hipóteses explicativas: o eleitor lulista, vulnerável socialmente (votar tem, muitas vezes um custo, como o de transporte) e o eleitor de outros candidatos não-competitivos não tiveram a mesma ‘taxa de entusiasmo’ (nos termos de Lavareda) que os eleitores bolsonaristas – corroborando com nossa hipótese de assimetria na abstenção. Utilizamos, no entanto, uma chave explicativa diferente: ao invés de ‘taxa de entusiasmo’, preferimos utilizar ‘realização da intenção’ de votar no candidato. Compreendemos que não somente disposição e engajamento podem impactar no comparecimento, mas também coerção, medo da violência política, assim como os fatores sociais mencionados por Lavareda.

Tais hipóteses podem ser aprofundadas: seja por um olhar regionalizado para entender onde houve maior abstenção eleitoral, e as diferenças entre resultados e as pesquisas por região, ou pelos resultados de eleições anteriores – para verificar se o fenômeno é inédito ou não. Não temos as pretensões de que tal exercício invalide outras hipóteses aventadas por outros analistas, já mencionadas acima. Pelo contrário, pretendemos contribuir com o debate público e complementar discussões francas e propositivas sobre pesquisas eleitorais no Brasil, sem apelar para o conspiracionismo propalado por políticos bolsonaristas.

Tal discussão, com todas as hipóteses já mencionadas e as outras que com certeza virão, coloca questões na ordem do dia: se a abstenção realmente foi maior entre lulistas, eleitores de Ciro e Tebet, como ampliar o comparecimento deste eleitorado, cujos candidatos agora estão unidos no segundo turno contra o bolsonarismo? Como superar a limitação das pesquisas em relação à quantidade de abstenções? Ou então, se houve subestimação do bolsonarismo, como captá-lo de forma realista?

1 Matheus Tancredo Toledo é cientista político com mestrado na PUC-SP e analista do Núcleo de Opinião Pública, Pesquisas e Estudos (NOPPE/FPA).

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