Dia Internacional dos Povos Indígenas
A população da Amazônia é de mais de 25 milhões de pessoas, distribuídas em 761 municípios, com 70% da população habitando áreas urbanas, com diversidade humana própria, na qual se integram cerca de 170 povos indígenas, 357 comunidades remanescentes de quilombolas, além de comunidades de seringueiros, castanheiros, ribeirinhos, quebradores de cocos e sementes e assentados da reforma agrária entre outras tradicionais.
Pensar a Amazônia é abrir a possibilidade de liderar a criação de alternativas capazes de enfrentar os desafios da crise ambiental – a degradação dos solos, a escassez de água, a perda de biodiversidade, as mudanças climáticas e a crise econômica e humanitária que nos ameaça. Do ponto de vista ecológico a Região concentra cerca de um quinto da fauna e da flora conhecidos no mundo e tem papel central na estabilidade ambiental do Planeta. Sua vegetação é ainda responsável pelos chamados rios voadores, fenômeno que dispersam umidade no continente sul-americano e nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, evitando os efeitos devastadores da desertificação.
Graças ao modo de vida tradicional e ao manejo eficaz dos solos, as terras indígenas e as áreas de proteção ambiental nos oito países amazônicos, são reconhecidas como “soluções climáticas naturais”. Porém, as ameaças de degradação a esse fantástico ecossistema são permanentes, entre elas enfatizamos o desmatamento, as atividades madeireiras e queimadas, a expansão da pecuária e da monocultura da soja, a concentração fundiária, a implantação de grandes projetos minerais, energéticos e viários e outros que implicam em graves consequências para a territorialidade, a cultura e a sobrevivência dos povos amazônidas efeitos esses com grave impacto em todo o território nacional. Vários informes científicos indicam que estamos próximos de atingir o ponto de irreversibilidade nos danos infligidos à floresta amazônica.
É urgente que a sociedade civil brasileira e suas instituições democráticas defendam os direitos dos povos indígenas, principalmente, neste momento em que eles se tornaram ainda mais vulneráveis, em razão do desprezo – pelo governo federal – às suas vidas e da pandemia do novo coronavírus.
A subtração às suas conquistas, por meio da negligência ao cumprimento da lei e pelo incentivo à invasão e destruição das suas terras, é explicitada a todo momento, ora pelo presidente Bolsonaro, ora por seu ministro do Meio Ambiente, o Sr. Ricardo Salles.
Determina o caput do artigo 231 da Constituição que: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
É preciso lembrar que a Constituição de 1988 foi elaborada com ampla participação popular e, por isso, representa os anseios do conjunto dos brasileiros, entre esses, os índios, os negros e quilombolas, os mais injustiçados historicamente. Observamos e denunciamos que a Carta Magna de 1988, denominada pelo presidente da Constituinte, o saudoso Ulisses Guimarães, de Constituição Cidadão, porque se trata de um conjunto de leis que, aplicado, corrige desigualdades sociais e instala, de fato e de direito, o estado plural, interétnico, democrático e republicano.
Mas, ao invés disso, está sendo rasgada nos pontos que contrariam os interesses do governo autoritário que assaltou o país graças ao espalhamento orquestrado de falsas notícias. O governo, entre tantos outros atropelos à Constituição, não garante a proteção aos povos indígenas, porque não os reconhece como cidadã (as)os brasileiro(a)s e porque, em sua grande maioria, habitam terras ricas em minerais (ouro, manganês, cassiterita, madeiras etc.) cobiçadas pelo capital de terra arrasada.
Esse governo se escora no arcaico pensamento de que os índios – sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e donos originários das terras que ocupam – ameaçam ao velho-novo neoliberalismo, cujo princípio é se desvencilhar das políticas de estado que assegurem a vida dos desiguais com dignidade em uma sociedade de diferentes.
Em vez de protegê-los, melhor mesmo seria passar a boiada sobre eles enquanto dura a pandemia do novo coronavírus, como sugeriu o ministro Ricardo Salles, que, ao arrepio da lei, protege garimpeiros, grileiros e todo tipo de negócio que destrói as florestas brasileiras, como as da Amazônia e da Mata Atlântica.
Está claro, também, que o passar a boiada se efetiva, ao mesmo tempo, em deixar correr solta a Covid-19 sobre os povos indígenas. Enquanto escreviamos esta nota, 549 haviam morrido em consequência da Covid-19, e mais 16. 161 estiveram e/ou estavam infectados pelo novo coronavírus.
Entre esses mortos, estão líderes como Aritana Yawalapiti e Paulinho Paiakan, todos com atuações históricas na defesa dos direitos de bem viver dos povos indígenas.
As autoridades sanitárias do País sabem que os indígenas são suscetíveis a doenças estranhas ao seu ambiente, principalmente as viroses que se disseminam no meio urbano.
Porém, o presidente Bolsonaro vetou 16 artigos da lei 14.021/07/2020, aprovada pelo Congresso Nacional, que define medidas preventivas à Covid-19 nas terras indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais durante a pandemia. Esses vetos não devem e não podem ser interpretadas de outra maneira senão como autorização da prática de genocídio. Isso porque a falta ou a precariedade da assistência à saúde dos povos indígenas corresponde à bomba biológica comumente usada para permitir o avanço da colonização, desde o século 16.
Então, vemos que não dá para esperar uma correção de rumo desse governo na direção dos princípios democráticos e republicanos. A olhos vistos esse governo se verga para o autoritarismo, para o desrespeito às leis que protegem as minorias políticas e para retrocessos em todos os segmentos da vida social.
Isso é feio, ilegal, imoral e desumano!
A sociedade não pode tolerar a negação à boa convivência entre diferentes sob pena de ser cúmplice de todos os seus efeitos nefastos, entre os quais está o mais hediondo de todos, o genocídio.
Por fim, nossa solidariedade aos povos indígenas do Brasil a todas as suas entidades representativas.
Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas Ambiental da Fundação Perseu Abramo e Secretaria Nacional de Meio Ambiente do PT