Economia do Brasil é prisioneira da ortodoxia liberal
Na semana passada, o infeliz comentário “O pior inimigo do meio ambiente é a pobreza”, dito pelo ministro Paulo Guedes durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, obteve grande repercussão. Não contente, justificou: “Destroem porque estão com fome”.
Semanas antes, na mesma linha, o ministro declarou que o determinante da pobreza é a falta de capacidade de poupar dos pobres. Nas palavras de Paulo Guedes: “Um menino, desde cedo, sabe que ele é um ser de responsabilidade quando tem de poupar. Os ricos capitalizam seus recursos. Os pobres consomem tudo”.
Faltou o ministro explicar como economizar em um país no qual os 50% mais pobres da população, quase 104 milhões de brasileiros, em 2018 viviam em média com apenas 413 reais per capita, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). No mesmo ano, 5% da população, ou 10,4 milhões de pessoas no Brasil, sobreviviam com 51 reais mensais.
Ainda de acordo com o IBGE, famílias que ganham o equivalente a dois mínimos gastam 61% de seus rendimentos apenas com alimentação e transporte.
Mais adiante, ao dizer que Israel se desenvolveu a partir da tecnologia, mas não tem escala, o ministro afirmou: “Nós temos escala, agora precisamos investir em educação”. Bem contraditório para um governo que cortou 16% do orçamento da Educação em relação a 2019, caindo de 122,9 bilhões de reais para 103,1 bilhões, em 2020.
Em entrevista dentro do evento em Davos, ao explicar os entraves da economia brasileira ao crescimento, Paulo Guedes a comparou a uma baleia presa por arpões, que seriam os gastos públicos e as regulamentações. Identificou a ampliação dos gastos públicos como freio às altas taxas de crescimento do país entre as décadas de 30 a 70.
O pensamento não apenas simplifica os problemas estruturais de uma economia em desenvolvimento, como ignora que o Brasil cresceu sem montar o mínimo de um sistema de seguridade social, sem incorporar a maioria dos brasileiros, sem acesso à educação, à saúde, e o mínimo para subsistência, o que se expressa em altas taxas de analfabetismo, de mortalidade infantil e miséria.
A redemocratização significou maior pressão e, por consequência, a elevação dos gastos sociais. A universalização do ensino, a criação do Sistema Único de Saúde, de fontes de financiamento para o Sistema Público de Trabalho (intermediação, qualificação e o Seguro Desemprego) e no decorrer do tempo a estruturação de diversas políticas públicas sociais, inclusive do SUAS – no campo da Assistência Social.
Apesar de manter uma das maiores desigualdades econômicas do mundo, sem alterações significativas na distribuição da renda, graças à ampliação dos investimentos em saúde e educação e à estruturação de várias políticas públicas de promoção social, o Brasil conseguiu avançar na diminuição das taxas de analfabetismo, de mortalidade infantil, de pobreza e miséria, na cobertura a população idosa, no acesso à educação básica e à saúde como direito universal.
Em um Mundo cada vez mais preocupado com as questões ambientais e a ampliação desenfreada das desigualdades econômicas, o ministro da Economia continua preso a uma ortodoxia liberal, na qual os gastos públicos, independente de sua natureza, são entraves ao crescimento econômico.
Essa ortodoxia prega que os agentes econômicos, livres de toda regulação do Estado, seja ela ambiental ou das relações do capital e do trabalho, são capazes de promover o desenvolvimento econômico, independentemente de seus custos ambientais e do bem-estar da maioria das pessoas.