Na data em que completou 300 dias no comando do país, o capitão e seu superministro da Economia foram ao Congresso Nacional para protocolar um pacote de reformas econômicas que deve produzir danos profundos e irreparáveis à vida daquela enorme maioria de famílias brasileiras que está na base da pirâmide e que, ao menos em alguma medida, contavam até outro dia com o apoio das políticas públicas arquitetadas a duras penas pela Constituição Federal de 1988.

Para início de conversa, antes de entrar na análise dos impactos das medidas em si, me parece inadiável denunciar as mentiras explícitas que foram “vendidas” à sociedade brasileira para justificar os descalabros que, em última instância, lá no Caririda Paraíba, no Jardim Ângela ou no centro de São Paulo, irão produzir apagões nos hospitais, nas escolas e nos sistemas de transportes e que culminarão com desesperança e mortes.

Guedes mentiu e tem mentido sistematicamente, seja falsificando os números da Previdência para angariar apoio à sua reforma, seja superestimando o estrangulamento das contas federais para esticar os contingenciamentos, seja agora para dar esse tiro de cartucheira na cara dos brasileiros. Neste caso, no próprio powerpoint que distribuiu à imprensa apresentando o seu “Plano Mais Brasil”, foram diversas e bastante graves as falsificações estrategicamente organizadas pelo time de Guedes para ludibriar a sociedade brasileira. Limito-me aqui a falar de duas:

Mentira 1 – a marosca dos gráficos: depois de meter o terror alardeando um suposto “descontrole das contas públicas”, na página 8 do documento é apresentada uma ilustração informando que de cada cem reais arrecadados pelo governo, 93 reais estariam comprometidos com “despesas obrigatórias” e que, portanto, só restariam 7 reais para as denominadas “despesas discricionárias”. Logo em seguida, na página 10, um outro gráfico induz a audiência a acreditar que por conta daquela rigidez das despesas, estaríamos caminhando para um colapso dos investimentos públicos, motivo pelo qual seria necessário acabar com as leis que estabelecem destinação obrigatória para uma grande parte das despesas governamentais. Só que não.

Como qualquer leitor poderá observar, na página 34 do insinuante powerpoint do Paulo Guedes, ficamos sabendo que em 2018 foram gastos 379 bilhões de reais com juros da dívida pública, o que corresponde a 11% do total das despesas do setor público brasileiro naquele ano (essa última informação não está lá, claro). Ora, e de onde teria saído esse caminhão de bilhões que carrega quase a metade do que dizem será arrecadado em 10 anos de sacrifício imposto pela reforma da Previdência?

Pois é, o macete utilizado pelo Guedes foi excluir essa vultosa grana daquela imagem alarmante da página 10, na qual por razões evidentes não apresentava os números em “bilhões de reais”, mas sim como partes de um fajuto bolo de 100 reais que, fosse representativo das contas públicas, deveria ter apenas 89 pedaços, uma vez que os tais 11 despendidos com o pagamento de juros (R$ 379 bi), de tão obrigatórios e rígidos, nem entraram na conta do precavido ministro.

Mentira 2 – uma prenda para estados e municípios: no roteiro estrategicamente trilhado no powerpoint, depois do falso diagnóstico, elencam-se supostas soluções. Umas pouco críveis, outras deletérias e algumas simplesmente falaciosas. Dentre as últimas, vale destacar a sorrateira montagem visual que está apresentada na página 37. Sob o revigorante título “Mais investimento, menos dívida” uma imagem com notas de dinheiro em uma mão generosa é acompanhada da mensagem “R$ 400 bi para estados e municípios (em 15 anos)”. Forte, não? Mas, logo abaixo, ainda na mesma página, o leitor se depara com a conta de padaria do ministro: 50 bi de reais virão em dez anos com o chamado Plano Emergencial (ou seja, emergências estão no horizonte!) e outros 220 bi de reais virão da redução da taxa de juros que resultará da quitação de parte da dívida pública utilizando recursos que hoje estão alocados nos fundos setoriais para atender necessidades governamentais específicas (ciência e tecnologia, qualificação profissional, etc.) E antes que você me acuse de ter errado no cálculo, aviso que o culpado é o ministro. 50 com 220 não dá 400, mas é que na ânsia de bravateiro que lhe é característica, ele apresenta as partes projetando dez anos e anuncia a meta final considerando um prazo de quinze anos.

Créditos: Fábio Rodrigues Pozzebom/EBC

Medidas causarão desesperança e mortes

Além disso, o mais curioso nessa segunda grande lorota é que na prática aqueles 220 bilhões de reais jamais chegarão aos cofres dos entes subnacionais. Na real, a mensagem do ministro é a seguinte: com os juros mais baixos, governadores e prefeitos gastarão menos do que gastariam se os juros permanecessem elevados. Isto posto, decorrem algumas considerações: em primeiro lugar, é o caso de perguntar em qual tábua sagrada está escrito que o tamanho da dívida pública em relação ao PIB é o fator determinante da taxa de juros de um país? As dívidas do Japão, dos EUA, da Espanha e de muitos outros países é proporcionalmente maior do que a brasileira e a despeito disso suas taxas de juros são sistematicamente mais baixas – aliás, a esse respeito, o que o Paulo Guedes esconde é que a ortodoxia econômica para a qual ele diz acender vela está recebendo uma enxurrada de críticas de seus mais laureados representantes por acreditar e praticar um padrão de política monetária que vem se mostrando ineficaz há já bastante tempo e cuja principal consequência tem sido esfolar excessivamente as contas públicas; em segundo e último lugar, a estratégia do Guedes nos remete àquela carcomida anedota que conta a história de um sujeito que, depois de perder o ônibus, saiu correndo em seu encalço até que chegou em casa, contando então ao filho a façanha que lhe permitiu economizar o valor da passagem e ouviu como resposta que deveria ter corrido atrás do taxi. No chiste do Guedes, entretanto, não há graça nem humor. Apenas um arrazoado de mentiras e oportunismo que, provavelmente, representam o maior ataque aos interesses da nação já praticado por um cidadão nativo.

`