O título deste texto tem um tom de guerra. Infelizmente, foi esse mesmo o clima que apoiadores do governo tentaram impor na noite de 12 de julho em Parati, durante a Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei), que acontece em paralelo à Flip, maior feira literária do país.

Os debates da Flipei acontecem em um barco, atracado na margem esquerda do curso do rio Perequê-Açú rumo ao mar. Um grupo de pessoas se postou na margem contrária e durante mais de uma hora tentou impedir que fosse realizado debate com a presença do jornalista Glenn Greenwald –- o principal alvo deles.

Com o uso de um sistema de som mais potente do que aquele da Flipei e disparando rojões em direção ao barco, a tática era abafar o debate e inviabilizá-lo. Não conseguiram. O debate começou pontualmente às 19h, a hora marcada.

Embora a primeira parte tenha sido bastante prejudicada pelo barulho promovido pelos bolsonaristas, Glenn Greenwald, o ator Gregório Duvivier, o professor Sérgio Amadeu, a socióloga Sabrina Fernandes e o jornalista Alceu Castilho iniciaram a conversa com o público de milhares de pessoas que se posicionaram como foi possível em frente ao barco da Flipei, servindo-se das marquises, dos aparelhos de ginástica, dos bancos, da grama, das paredes de pedra. A orientação dos organizadores para o público, transmitida por Sabrina aos presentes, era não cair em provocações e fazer valer a não-violência.

Após mais de meia hora de debate, policiais dirigiram-se ao local onde estavam os bolsonaristas e os calaram temporariamente. Porém, após uma pausa de aproximadamente quinze minutos, os fascistas voltaram a fazer barulho, sem interferência policial.

O termo “fascista” aqui não é empregado aleatoriamente. Além dos rojões disparados contra o barco e os debatedores que lá estavam – alguns dos artifícios chegavam muito próximo do alvo –, o grupo executava quase ininterruptamente uma versão sampleada do Hino Nacional, e seus líderes, ao microfone, vociferavam ameaças contra os debatedores e o público que tentava escutá-los.

Para Glen, foram reservadas ameaças de morte e de prisão. “Glenn, você será o próximo a ser preso pelo Moro”, disse um dos líderes do protesto. Sabrina foi chamada de “puta” e o público, de “vagabundos”, entre outros disparates, como o de que “Glen é um agente americano que está aqui para defender os interesses econômicos dos Estados Unidos”. Na boca de um bolsonarista isso não soa apenas ridículo, mas odioso; “fascista”, numa palavra.

Lá pelas 20h30, seja pelo fim do estoque de rojões, seja pelo cansaço, os bolsonaristas foram embora. Seus corpos projetavam nas paredes da velha cidade, bastante iluminada por canhões de luz nesta época do ano, espectros fantasmagóricos. A comitiva se foi, lânguida.

A disposição do público que foi ao debate prevaleceu. A ameaça de confronto violento, para a qual vários presentes alertavam através de vídeos e áudios que eram gravados aos celulares e enviados para amigos e conhecidos, não se concretizou.

O primeiro a aproveitar-se do silêncio dos fascistas foi Gregório Duvivier, a quem cabia a palavra naquele momento. O humorista, criador e apresentador do “Greg News”, ao abordar o papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na crise atual, comentou:

“Eu tenho certeza que os onze juízes do STF sabem que a peça condenatória do Lula não se sustenta. Eles não são tão burros quanto o Sérgio Moro. Mas são covardes. Eles têm medo das reações, de pessoas que saem em protesto carregando caixões do STF. Eles têm medo dessa gente aí”, disse Duvivier, enquanto apontava para a margem oposta do rio, naquele instante já vazia. “Ter medo disso daí? Desses caras que fazem coreografia, que usam o Hino Nacional remixado? Não temos de ter medo”.

Não houve novas revelações de Greenwald. Talvez o mais importante que ele disse, na parte “audível” de sua participação no debate, tenha sido sua disposição de permanecer no Brasil, a quem declarou amor incondicional. “Meu marido é brasileiro, a quem eu amo mais que tudo neste mundo. Nossos dois filhos são brasileiros. Eu amo o Brasil, me apaixonei por este país assim que cheguei, há 15 anos. Eu tenho condições legais de sair do Brasil e voltar no momento que quiser, mas eu não vou fazer isso. Acredito no futuro do Brasil, um futuro brilhante”, disse o jornalista estadunidense, coordenador do The Intercept Brasil, cujas recentes revelações sobre a conduta ilegal de Sergio Moro e de procuradores na Operação Lava-Jato o transformaram em persona non grata para o grupo auto-intitulado Empresários de Paraty, que na última sexta-feira tentou desesperadamente, por intermédio das redes sociais primeiro, e depois em passeata e intimidações, barrar o debate democrático.

Nem foi Moro o assunto predominante durante o debate promovido pela Flipei (que tem a Fundação Perseu Abramo entre as realizadoras), já que o tema do convés era o jornalismo em tempos como o que vivemos. O jornalista Alceu Castilho lembrou que a mídia convencional impulsionou o viés fascista da Lava Jato, ao propagandeá-la de forma acrítica. Sérgio Amadeu conclamou o público a travar a disputa nas redes sociais, porém não somente a partir do compartilhamento de conteúdos externos, mas principalmente com o uso de conteúdo e argumentações próprias (“ninguém abre links de matéria”, disse).

Duvivier, ao traçar um perfil da mídia governista, mirou o site O Antagonista. “É incrível que o site que é o porta-voz do governo tenha este nome. Isso demonstra que eles são antagonistas do Brasil. Esse site faz jornalismo de uma frase só. Você clica na manchete e lá dentro da matéria não tem nada. O nome deveria ser O Coadjuvante”, disparou.

Glenn afirmou acreditar no futuro do jornalismo e de que os veículos que teriam compromisso com a verdade prevalecerão. E fez sua profissão de fé, na tentativa de delimitar seu espaço de interesses: “Eu não defendo partidos. Eu não defendo governos. Eu defendo a verdade”

Ao final do debate, dois jovens, uma garota e um garoto, presentes na plateia, foram autores de duas das três perguntas possíveis, diante do horário avançado e dos riscos à segurança que ainda pairavam no ar. Pediram aos debatedores sugestões para retomar o diálogo com quem pensa diferente e assim mudar a atmosfera de guerra que dera mostras vivas horas antes. Glen lembrou que a maioria do povo não é fascista. Disse que ele mesmo conhece várias pessoas “trabalhadoras, pobres e boas” que votaram no Bolsonaro, mas que já começam a se arrepender. “É hora de ouvir e argumentar com respeito”, afirmou.

Assista a íntegra do debate:

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