Grupo de Conjuntura Fundação Perseu Abramo
05 de maio de 2014
Na nota anterior já havíamos chamado a atenção para algumas preocupações que permeiam a população neste momento e que foram transformadas pela mídia em percepções mais fortes do que pressupõem os dados estatísticos como os da inflação e do desemprego. Quanto ao último item, seus índices apresentam os níveis mais reduzidos desde os anos 1990, embora a tradicional rotatividade de mão de obra da ordem de 40% ao ano, bem como eventuais férias coletivas e demissões na indústria possam gerar a impressão de que há ameaças ao emprego.No tocante à inflação, seus índices seguem a tendência de estabilidade dos últimos dez anos em patamar ligeiramente superior ao centro da meta de inflação estabelecida pelo governo e controlada através do manejo da taxa de juros (SELIC), mesmo havendo significativos aumentos reais dos salários, em particular, do salário mínimo. Entretanto, o DIEESE detectou que os gêneros que compõem a cesta básica tiveram aumentos no mês de março em 16 das 18 capitais onde realiza mensalmente a Pesquisa da Cesta Básica de Alimentos. Em cidades como Curitiba, Porto Alegre, Goiânia e Campo Grande o aumento chegou a 12%. Em outras 12 cidades o aumento foi menor, entre 0,11% em Aracaju e 9,66% no Rio de Janeiro. Houve redução de preços em apenas duas cidades, Belo Horizonte (-0,41%) e Manaus (-1,25%). Há várias explicações para isso, principalmente, a estiagem do início do ano que afetou a produção de itens como o café, feijão, carne bovina, frutas, entre outros que sofreram elevação de preços ou a alteração da taxa de câmbio que encareceu a importação de trigo. Além disso, os aumentos dos combustíveis pressionaram o aumento das despesas individuais com transporte.

A inflação tornou-se assim um tema importante da agenda eleitoral deste ano, utilizado criticamente, em particular, pelos pré-candidatos da oposição. O pré-candidato do PSDB, Aécio Neves, o tem utilizado rotineiramente embora, ironicamente a taxa média anual da inflação nos últimos onze anos (governos Lula e Dilma) medida pelo IPCA tenha sido de aproximadamente 6% contra uma taxa média anual dos oito anos do governo FHC superior a 8% com Plano Real e tudo! Além disso, as propostas deste pré-candidato para enfrentá-la são neoliberais e recessivas por meio da redução de gastos públicos, contenção de crédito, arrocho salarial, autonomia do Banco Central, privatizações, entre outras. Como ele já reconheceu, são medidas impopulares que a presidente Dilma Roussef em seu pronunciamento de 1o de maio acertadamente afirmou que não seguirá. Portanto, as propostas aventadas por Aécio Neves e Eduardo Campos de rebaixar a meta de inflação a índices de até 3%, significa devolver os índices de desemprego a patamares superiores a 10%. O “insuspeito” economista José Marcio Camargo lembra que baixar a inflação simplesmente a 4,5% implica em aumentar a taxa de desemprego para 10%.

Mesmo com o índice de inflação estável e rejeição às medidas recessivas defendidas pela oposição, carecemos de uma política alternativa para lidar com o problema no médio prazo, pois o tripé taxa de juros, câmbio valorizado e contenção de gastos aplicados atualmente acabam sendo obstáculos ao desenvolvimento e crescimento econômico. É necessário que se enfrente principalmente os oligopólios, a especulação e a indexação e isso requer uma agenda de mudanças estruturais que não está posta no plano imediato, mas algumas ideias deveriam ser debatidas tendo em vista a expectativa da maioria da população de que a atual eleição presidencial promova mudanças.

Esta expectativa foi captada pelas pesquisas mais recentes que também apontaram para a queda de popularidade do governo e das intenções de voto na pré-candidata presidencial Dilma Roussef, embora elas continuem apontando para a vitória desta no primeiro turno, o que sugere que a maioria da população ainda confia mais na capacidade do atual governo de promover estas mudanças do que os candidatos da oposição. De qualquer maneira, a última vez que o resultado eleitoral para a presidência se definiu no primeiro turno foi em 1998. As pesquisas também revelam um alto percentual de eleitores que ainda não tem candidato e um “ponto fora da curva” é uma pesquisa recente (Sensus) que além de apontar para a realização de dois turnos, registra também um suposto crescimento do pré-candidato do PSDB. No entanto, este resultado é, no mínimo questionável diante da metodologia adotada e possíveis vínculos com esta candidatura. A aguardar os próximos levantamentos, embora também ponderáveis pois se realizam no momento em que o ambiente político é o mais sensível diante das definições de alianças políticas e financiamento de candidaturas, quando bons posicionamentos nas pesquisas eleitorais são essenciais.

A proximidade da Copa Mundial de Futebol e as mobilizações dos movimentos pela moradia em várias localidades do Brasil, particularmente em São Paulo, nos leva também a analisar os impactos das intervenções urbanas em função deste importante evento desportivo, assim como da Olimpíada a realizar-se em 2016 na cidade do Rio de Janeiro, além dos resultados dos programas habitacionais do governo, principalmente, o “Minha Casa, Minha Vida”.

Há denúncias de setores da população prejudicados pelas intervenções urbanas realizadas nas cercanias dos estádios de futebol e nos diferentes equipamentos de transporte, bem como de despejos e até de remoções forçadas de suas moradias para locais distantes e inadequados. A “Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP) anunciou em 2014 a existência de aproximadamente 250.000 pessoas afetadas por estas obras nas 12 cidades onde os jogos se realizarão. Todavia, não existe outra fonte de dados sobre esta questão, mas é factível que tenha havido um impacto social relevante considerando a forma como alguns gestores municipais costumam lidar com desapropriações e ocupações urbanas sem se preocupar em entender determinadas situações e dialogar com os diferentes atores sociais envolvidos no sentido de solucionar os problemas democraticamente.

Porém, o legado da Copa será importante do ponto de vista estrutural em determinados equipamentos como aeroportos, meios de transporte e turismo. O retorno econômico igualmente será relevante e incidirá positivamente sobre o PIB, assim como já trouxe benefícios sociais por meio da geração de empregos, principalmente, no setor da construção e de serviços. Mesmo assim, grupos de extrema esquerda que repudiam a política institucional, bem como outros setores que simplesmente se opõem ao governo em qualquer hipótese, prometem realizar mobilizações durante os dias do jogos contra a Copa, no entanto, sem uma pauta definida. Os meios de comunicação que deram grande espaço para estas manifestações desde junho do ano passado e que tentaram explorar negativamente todos os pontos fracos da organização do evento para desgastar o governo, agora tem procurado despertar o interesse da população em acompanhá-lo, pois afinal de contas seus lucros dependem de boas audiências.

O Brasil possui um déficit habitacional importante e que cresceu com a evolução da população urbana nas últimas décadas. O programa “Minha Casa, Minha Vida” (MCMV) é o de maior escala implementado na história do Brasil, tendo entregue quase um milhão e trezentos mil unidades habitacionais até 2012 de um total de quase três milhões de obras contratadas e assim ultrapassando a metade da meta de dois milhões de casas prevista para 2014. No entanto, apesar deste esforço, o déficit habitacional brasileiro ainda é significativo. De acordo com o IPEA este se reduziu de 10% em 2007 para 8,53% em 2012. Por outro lado, a Fundação João Pinheiro e o Ministério das Cidades avaliaram que o déficit é de 12,1% com base no censo de 2010. De qualquer maneira, não surpreendentemente, o déficit é maior na região sudeste do país e entre a população de renda mais baixa (os que recebem até três salários mínimos).

O MCMV subsidia a construção de casas para o estrato social de renda mais baixa, mas apesar de representar o maior volume de unidades contratadas, é onde há maiores dificuldades para concluí-las e entregá-las tendo em vista o necessário envolvimento de prefeituras, cooperativas habitacionais e outras formas de organização coletiva. A especulação imobiliária que encarece os terrenos e a falta de capacidade de prefeituras menores, bem como de alguns estados, de elaborarem projetos são fatores que também tem contribuído para que o programa se mova mais lentamente neste estrato. Algo semelhante acontece com o Pacto de Erradicação de Favelas que possui um orçamento de R$ 19 bilhões, mas que também avança com certa lentidão.

Por fim, não é nenhuma novidade, mas a carga de oposição ao governo e ao PT nesta eleição de 2014 é muito mais forte do que nas eleições anteriores em seu questionamento da construção social do governo com impactos maiores sobre o quadro político e exige a elaboração de uma estratégia mais eficiente para responder aos ataques. A instituição de mecanismos de diálogo com os setores afetados pela Copa também ajudaria a identificar a natureza das insatisfações e possíveis soluções.

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