Em paz. Assim se despediu da vida o cartunista Ziraldo Alves Pinto, que morreu dormindo, aos 91 anos de idade, no sábado, 6 de abril. Vigilante e corajoso, Ziraldo nunca se curvou ao silêncio dos covardes e sempre se posicionou ao lado o que ele chamava de “lado certo da história”.  

O adeus a Ziraldo

Multiartista, Ziraldo foi um dos maiores de vários tempos e deixa um legado enorme de personagens com escritor, desenhista, jornalista e atuante na resistência democrática em períodos cruciais da história recente, que ele testemunhou repetidas vezes: o golpe e a ditadura militar, o golpe que derrubou Dilma Rousseff, e a eleição de Jair Bolsonaro em 2018: Ziraldo nunca teve compromisso com o silêncio. “Salvem esse país. Vamos todo mundo votar no Haddad”, pediu. 

Com apenas seis anos, Ziraldo teve seu primeiro desenho publicado no jornal Folha de Minas, e em 1958 começou a trabalhar na revista O Cruzeiro, no Rio de Janeiro. Em 1960 lançou A Turma do Pererê, primeira revista em quadrinhos nacional de um só autor, alcançando uma das maiores tiragens, que foi cancelada em 1964, logo após o golpe militar, que completou 60 anos recentemente. 

Repercussão

Em suas redes, o presidente Lula fez uma homenagem a Ziraldo. “O Brasil perdeu um de seus maiores expoentes da cultura, da imprensa, da literatura infantil e do imaginário do país. O mineiro Ziraldo é nome onipresente na cultura popular brasileira”, escreveu Lula, ao citar que O Menino Maluquinho povoou mentes e a imaginação de crianças de todas as idades em todas as regiões.

“São inúmeras e diversas as contribuições de Ziraldo, com a Turma do Pererê, em seu trabalho à frente do Pasquim, nos anos da ditadura, na defesa da imaginação, de um Brasil mais justo, com democracia e liberdade de expressão”, lembrou o presidente.

As redes do PT postaram sobre a morte de Ziraldo. “Um dia triste para o Brasil: hoje recebemos a triste notícia da partida de Ziraldo, aos 91 anos, o criador do incrível “O Menino Maluquinho”, que faz parte de tantas infâncias de nosso país. Ziraldo eterno!”.

“Tivemos o privilégio de não ficar calados”

Imortalizado nas obras O Menino Maluquinho, Turma do Pererê e no jornal Pasquim, Ziraldo nasceu em Caratinga (MG), formou-se em Direito pela UFMG, e chegou a ser detido na época da ditadura por sua atuação no Pasquim, nos anos 1960, que demarcou forte oposição ao golpe militar.

O artista foi um dos fundadores do tabloide que chegou a ter tiragem de mais de 200 mil exemplares em seu auge, em meados dos anos 1970, um dos maiores fenômenos do mercado editorial brasileiro.

Em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura em 2012, Ziraldo falou sobre a resistência na ditadura militar. “Tivemos o privilégio de não ficar calados, de não engolir o que os caras queriam enfiar nas nossas gargantas. Pessoas foram para O Pasquim porque acharam um espaço para poder desenvolver a sua indignação”, lembrou Ziraldo.

Em 1970, após sua prisão e de vários companheiros de redação do Pasquim depois da publicação de uma sátira de Dom Pedro I às margens do rio Ipiranga, o tabloide continuou sendo publicado.

No entanto, a sede foi alvo de dois atentados a bomba, como também várias bancas que vendiam seus exemplares. Metade dos pontos de venda deixaram de vender O Pasquim, que teve sua última edição no final de 1991, segundo reportagem da TV Brasil 247.

Um símbolo da infância brasileira

Em 1960 Ziraldo recebeu o “Nobel do Humor” no 32º Salão Internacional de Caricaturas de Bruxelas e venceu o prêmio Megan Tiller, principal premiação da imprensa livre da América Latina.

Sua criação mais famosa, O Menino Maluquinho, foi lançada em outubro de 1980 e rendeu a ele o Prêmio Jabuti de literatura infantil. A obra teve 129 edições publicadas em 10 países e quatro milhões de exemplares vendidos, além de adaptações para o teatro, quadrinhos, ópera infantil, videogame e cinema.

Há ainda uma série para a tv, em comemoração dos 90 anos do multiartista mineiro que é autor também de obras clássicas da literatura infantil como O Menino Marrom e Flicts. Ziraldo criou personagens para adultos como Jeremias O Bom, A Supermãe e Mineirinho, o come quieto.

Filho mais velho de sete irmãos, Ziraldo teve três filhos e sete netos. Seu velório foi no Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, na manhã de domingo, 7.