Paralamas, 40 anos
Trio formado por Herbert Viana, Bi Ribeiro e João Barone lançava seu primeiro sucesso – “Vital e sua moto” – em meados de 1983. A banda formada dois anos antes tomaria de assalto o país continua na estrada sem sinais de que vai parar
Em 1983, o rock brasileiro estava engatinhando. O panorama musical começara a mudar há pouco tempo, quando a Blitz lançou “Você não soube me amar”, lançada no verão de 1982. Escancarava a porta das gravadoras para outros sons, justamente quando a ditadura militar estava vivendo seus últimos momentos. Involuntariamente, a Blitz abriria as portas para que bandas como os Paralamas conseguissem gravar um disco, depois de terem estourado no verão carioca de 1983. Pouco depois, os próprios Paralamas serviram de aríete para a invasão do rock brasiliense.
Quando surgiu no Rio, em 1981, os Paralamas traziam na bagagem polaróides urbanas, pop com pitadas de reggae, uma cozinha poderosa e um bandleader antenado. Herbert Vianna era um músico que acreditava muito em si. Ele mudou a história do rock brasileiro à base de muito esforço, bons contatos e uma certa sorte. Era o líder de um grupo novo que estava na cena carioca quando o rock brasileiro ganhava o Circo Voador, invadia a zona sul do Rio com um rock bem-humorado e até inocente nas transmissões da Fluminense FM. Dali, estouraria no Brasil em menos de um ano, fazendo bonito no Rock in Rio, no crepúsculo da ditadura e de um novo tempo para o país.
Os Paralamas nasceram no Rio de Janeiro, de uma vontade louca de Herbert Vianna e Bi Ribeiro fazerem um som, como alguns dos amigos de Brasília estavam aprontando. Ambos eram muito próximos havia anos. Bi, filho de diplomata, e Herbert, de militar, eram produtos genuínos da Brasília dos anos 70. Andavam juntos pelas superquadras da Asa Sul como todo moleque crescido entre os pilotis dos blocos brasilienses. Aquela mistura curiosa de tédio e tesão, comuns a uma geração inteira que não tinha muito o que fazer na cidade, rendeu clássicos do rock brasileiro.
Na época, alguns amigos também circulavam na turma, como Dinho Ouro Preto e Dado Villa Lobos, também filhos de diplomatas. “O Renato Russo a gente conhecia meio de vista, um amigo em comum falava sobre ele, que era um cara muito estranho, que não saía de casa”, lembrou Herbert em entrevista ao jornalista Antonio Carlos Miguel. A amizade surgiria ali e levaria o paraibano Herbert a abrir as portas ao carioca Renato da gravadora EMI.
Vale lembrar que foi Herbert quem mostrou a Renato a primeira guitarra elétrica. “Fui lá na casa dele, mostrar uma Fender que eu tinha ganhado do meu pai”, comentou. Uma guitarra preta. Herbert tinha 15 anos. O pai, Hermano, havia trazido a Fender de uma viagem aos Estados Unidos. Naquela ocasião, a paixão de Herbert pela guitarra só tinha paralelo ao amor pelo skate. O líder paralâmico foi campeão de free style.
A saída de Brasília mudou radicalmente a vida do jovem aspirante a roqueiro. Acostumado ao paradoxal provincianismo da cidade, o paralama-mor chegou ao Rio em 1977 e ralou muito para se acostumar à vida na velha capital. “Estava começando a tocar guitarra, ficava em casa o dia inteiro”, conta. “Em 1978, o Bi veio e aí começou realmente a tocar”. Segundo o baixista, o som não tinha nada de punk. “Tocávamos Hendrix, Clapton, Santana… Tudo sem bateria. Na casa da minha avó. Só baixo e guitarra e um amplificador”, rememora Bi.
A entrada de João Barone ocorreu em 1982, substituindo Vital – o famoso personagem da clássica “Vital e sua moto” — justamente a canção que catapultou os Paralamas e que foi lançada como compacto em meados de 1983. A banda se reunia na casa da avó de Bi, a famosa Vovó Ondina, em Ipanema, para ensaios. Ali, algumas das canções do grupo começaram a ganhar forma. É o caso de “Vital…”, “Patrulha noturna” e “Encruzilhada”, ainda chamada “Encruzilhada agroindustrial”.
As três canções foram gravadas no primeiro disco: “Cinema mudo” (1983), que seria lançado no segundo semestre. Outras obscuras que se perderam, sem que ganhassem um registro oficial, como “Solidariedade, não!”, “Pingüins”, “Rodei de novo” e “Mandinga de amor” ainda sobrevivem numa fita de ensaio que este escriba detém, devidamente digitalizada. O disco também registra as primeiras composições de Renato Russo gravadas oficialmente: “O que eu não disse”, uma bela balada com guitarra slide, e a clássica “Química”, que os Paralamas tocavam nas gigs pelo Rio de Janeiro.
A gravação do LP só foi possível porque, em 1982, a banda entregara a primeira fita demo ao fotógrafo e programador de rádio Maurício Valladares. “Vital e sua moto” subiu direto para o top 10 da Rádio Fluminense, cuja existência na década de 80 seria fundamental para a consolidação do rock brasileiro. A banda tornou-se conhecida de todos no Rio. A canção, que hoje soa até ingênua, foi a mais tocada pela Flu no verão de 1983.
Em março de 1983, os Paralamas fecham contrato com a EMI e gravam o single com “Vital…” e “Patrulha noturna”, em maio. Os amigos de Brasília não acreditaram. “Pô, se eles podem porque nós não podemos?”, questionava-se, incrédulo, Dinho Ouro Preto. “Se nós, que somos uns merdas gravamos…”, emendou Bi, entre risos, durante a gravação do documentário produzido pela Conspiração Filmes, filmado em Brasília.
Em janeiro de 1985, os Paralamas subiriam no palco do Rock in Rio, o primeiro festival de porte a acontecer no Brasil. Estrelas internacionais, como Queen, Nina Hagen e outros, chegaram ao país para tocar a uma platéia sedenta. Os Paralamas foram ovacionados. Muitos ensaios renderam ao trio a segurança necessária para tocar para uma platéia repleta de milhares de roqueiros enlouquecidos.
O trio não só deu conta do recado, como encantou o Brasil. O segundo disco – “O Passo do Lui” – já havia saído em 1984. “Óculos”, o primeiro grande hit do grupo, estava estourada. “Mais do que a letra, a música era a época”, relatou Herbert. Dali para a frente, o céu – e o mercado latino – eram o limite. “O Rock in Rio foi a nossa consagração”, comentou Herbert.
Em 1986, enquanto o país assistia indignado à degradação que havia chegado ao país com o mal-fadado Plano Cruzado, os Paralamas lançam “Selvagem?”, disco que tinha na capa o velho chapa Pedro Ribeiro e que trazia uma espécie de radiografia sócio-política do Brasil.
O governo Sarney patinava, o Cruzado fazia água e ninguém sabia para onde a Nação seguiria. Herbert parecia seguro, ao cantar: “Alagados, Trenchtown/ Favela da Maré/ A esperança não vem da fé/ vem das antenas de TV/ A arte de viver da fé, só não se sabe fé em quê…” O LP vendeu de 528 mil cópias. “Era o nosso recado”, disse Herbert. Dali para a frente o trio ganharia o estrelato e a fama.
E a banda continua se apresentando em todo o país, Em março, o trio retoma os shows, com apresentações em Contagem (MG), São Paulo (SP), fazendo o Lollapalooza, e no Rio de Janeiro. Nesses 40 anos, os Paralamas gravaram 27 álbuns, entre discos de estúdio, coletâneas e apresentações ao vivo. No site, o grupo anuncia um novo produto: ˆRonca Ronca apresenta Os Paralamas do Sucesso Ao Vivo”, por conta do programa do chapa Maurício Valadares. •