Consciência e unidade da classe trabalhadora
Por que a burguesia nacional, um grupo com menos de 16 milhões de pessoas, é capaz de dominar política e ideologicamente a maioria da população, que reúne mais de 190 milhões de habitantes? Uma discussão para sairmos da letargia
Segundo dados do World Inequality Report, existem atualmente 62 bilionários — que possuem mais de US$ 1 bilhão — e algo entre 170 e 200 mil milionários no país. Esse último grupo capitaliza algo entre R$ 188 mil e R$ 5 milhões de reais por mês. É a alta burguesia brasileira.
Abaixo na pirâmide socioeconômica encontra-se a classe média, formada por 15,5 milhões de cidadãos, que vivem com salários entre R$ 7 mil e R$ 36 mil. Trata-se da baixa burguesia nacional.
A diferença fundamental entre o primeiro e o segundo grupos encontra-se no fato de que a alta burguesia é dona do capital, enquanto a baixa burguesia vende a sua força de trabalho como única forma de sobrevivência acreditando ser parte dos grandes capitalistas.
Abaixo desses dois grupos, estão as camadas mais empobrecidas da população. São 190 milhões de pessoas que vivem, com no máximo, até R$ 2,5 mil por mês. Muitas vezes, com menos do que isso. É a classe trabalhadora.
Por que um grupo com menos de 16 milhões de pessoas é capaz de dominar política e ideologicamente o outro que reúne mais de 190 milhões de habitantes?
Essa questão é extremamente complexa e abrange uma infinidade de variáveis sociais, políticas, midiáticas, econômicas e, em última instância, históricas e culturais sobre as quais não pretendo discorrer aprofundadamente neste artigo. Contudo, o aspecto central desta equação, de acordo com a minha interpretação, diz respeito à falta de consciência — pensamento crítico — e de unidade da classe trabalhadora.
Para os efeitos aqui propostos, o pensamento crítico tem três dimensões fundamentais que se aplicam para quaisquer disciplinas da atividade humana: (1) o questionamento, (2) a materialidade e a (3) mudança.
Inicialmente, ao operar alinhado ao pensamento crítico, o indivíduo passa a questionar todas as coisas, o que é radicalmente diferente de desacreditá-las. Assim como não cabe dizer que o sujeito “deve” operar dessa ou daquela maneira, simplesmente porque o pensamento crítico não pode ser imposto por meio de determinação. Ele deve ser alcançado e aplicado por deliberação.
Nesse sentido, questionar significa não aceitar quaisquer formulações prontas antes de um amplo escrutínio racional que seja suficiente para atender aos parâmetros determinados a comprovar a veracidade de algo em certa ocasião. Desacreditar significa seguir negando a validade de algo quando esses critérios foram atendidos, o que, seguramente, caracteriza um equívoco crasso.
Por exemplo: de acordo com essa lógica, deve-se questionar a existência da força da gravidade, mas, uma vez efetivamente comprovada a sua influência sobre o mundo material, não cabe mais o descrédito dos seus efeitos, sob pena de se arcar com as consequências trágicas que podem ser facilmente compreendidas ao ver um corpo cair e se arrebentar contra o solo.
Em seguida, entra em cena a materialidade referente à determinada seara para realizar o questionamento. Assim, o mero ato de questionar não basta para caracterizar o pensamento crítico. No caso da gravidade, para nos atermos ao exemplo aqui formulado, significa entender como essa força, de fato, se comporta. Ou seja, compreender a materialidade pertinente a essa disciplina.
Esse princípio, evidentemente, aplica-se para diferentes áreas que transcendem as ciências naturais. Sobretudo nas ciências sociais aplicadas, o confronto de narrativas e o combate às retóricas de ódio funcionam de forma mais eficaz quando estão apoiados por fatos.
Durante anos, por exemplo, a mídia e o bolsonarismo usaram o anticomunismo e a falácia de que o Partido dos Trabalhadores havia “quebrado o Brasil”. Contudo, diversos indexadores sociais, como o preço da gasolina, da taxa de conversão entre o real brasileiro e o dólar estadunidense, o Índice de Gini, o Índice de Desenvolvimento Humano, o preço do gás de cozinha, as reservas internacionais, o Produto Interno Bruto e muitos outros demonstraram, categoricamente, que tal narrativa é falaciosa. Ou seja, a materialidade factual correlata ao assunto em questão desmonta a falácia propalada pelo bolsonarismo.
Finalmente, a última dimensão do funcionamento do pensamento crítico, conforme aqui definido, trata de ser capaz de usar o questionamento e a materialidade para promover a conscientização e, consequentemente, a emancipação das camadas mais empobrecidas e vulneráveis da população.
Neste sentido, não basta garantir que os brasileiros façam três refeições diárias, mas é necessário assegurar o desenvolvimento intelectual e crítico da população de forma mais ampla, sobretudo, em disciplinas como economia política, dinâmicas constitucionais e geoplítica global. Porque essas áreas são imprescindíveis para manter a unidade da classe trabalhadora, força que, por sua vez, é a principal protagonista em qualquer processo legitimamente emancipatório. Caso contrário, estaremos recorrentemente à mercê de forças desestabilizadoras e golpistas. •