Doutor Samuel: cuidado com os números!
Em réplica, ex-presidente da Petrobras afirma que o economista Samuel Pessôa comete erros ao acusar setor público pelos altos custos de refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco
Doutor em Economia pela USP, Samuel Pessôa, na mesma linha do editorial de O Globo de 16 de agosto de 2021, acusa a “governança do setor público” pelos elevados custos da Refinaria Abreu e Lima, RNEST, de Pernambuco. O especializado economista, no entanto, comete erros básicos nas suas comparações de números e na desconsideração do que se chamam de externalidades dos projetos de infraestrutura.
Incluindo o COMPERJ e a política de conteúdo nacional no seu ataque às políticas de indução do crescimento econômico, refletindo sua adoração e crença mitológica na capacidade do mercado resolver os problemas do desenvolvimento, o professor e o jornal carioca, mesmo acusando a politização do debate brasileiro, radicalizam suas posições políticas, obscurecendo os fatos.
Vejamos somente dois desses erros.
O principal argumento é que a RNEST teria custado de 5 a 7 vezes o custo médio de refinarias, utilizando como métrica a divisão entre o investimento realizado e a capacidade instalada de destilação nas refinarias, sem considerar as diferenças de complexidade entre elas, que expressam sua possibilidade de processar petróleos mais pesados e reduzir o conteúdo de enxofre de seus derivados. Não há dúvidas que a refinaria custou muito, mas não na proporção apontada.
O erro está em considerar o orçamento PREVISTO da RNEST para a construção de dois trens de destilação, dividido pela capacidade produção de apenas um dos trens, sem considerar o investimento efetivamente realizado para a construção dessa metade de refinaria. Ao fazer essa comparação com a capacidade atual de 115 mil barris dia de processamento, o Ibre artificialmente DUPLICA os custos unitários na comparação com outras refinarias. É preciso trabalhar com o custo efetivamente ocorrido com a construção de um trem, dado que não consta do estudo do Ibre.
A partir de 2005, quando o mercado brasileiro começou a dar sinais de que voltaria a crescer, depois de quase dez anos de estagnação, havia a possibilidade de escolha entre aumentar a capacidade de refino nacional e abastecer o mercado com a produção doméstica de derivados ou ficar dependente da disponibilidade internacional, com importações que afetariam a balança comercial. A opção da época foi a construção de novas capacidades de destilação, especialmente no Nordeste do país, onde a diferença entre níveis de consumo e capacidade de refino regional mais se expandia.
Os projetos de expansão foram sendo desenvolvidos na mesma época em que os projetos de conversão e de qualidade, tanto para aumentar o processamento de óleo pesado nas refinarias brasileiras, como reduzir o teor de enxofre dos derivados, atingiam sua maturidade, aumentando a pressão de demanda sobre os fornecedores, muitos deles atendendo aos vários tipos de projetos.
Ao reconhecer que a RNEST é a refinaria mais avançada tecnologicamente entre as unidades de refino da Petrobras, o Ibre não tira as consequências desse alto poder de conversão, que dá maior flexibilidade na utilização de cargas de várias origens, transformando petróleo pesado em derivados mais leves, otimizados para o diesel de baixo teor de enxofre. As limitações ambientais da bacia aérea da região limitavam a capacidade de processamento da refinaria. Agora, com a expansão da demanda mundial de combustível para navegação de baixo teor de enxofre determinado pela IMO, a RNEST se torna uma das “joias da coroa” da Petrobras.
As refinarias ficaram muito caras e a Petrobras tentou várias estratégias para reduzir seu Capex, com a simplificação dos projetos, a maior padronização dos equipamentos, a divisão do tamanho dos pacotes de contratação para aumentar a competitividade dos certames e até a busca de fornecedores estrangeiros, para tentar conter a escalada dos preços. Nada disto teve efeitos significativos e alguns projetos tiveram que ser cancelados, com grandes write offs nos balanços patrimoniais da empresa em 2014 e 2015.
Um segundo argumento utiliza os dados dos investimentos da Refinaria de North West Sturgeon, na província de Alberta, centro da extração do petróleo das areias betuminosas canadenses.
Segundo os autores, o causador desses elevados custos é mais uma vez a “governança pública” que pretendia estimular a economia local. Ao destacar os custos, o Ibre e Samuel Pessôa desconsideram os investimentos feitos para as unidades de captura e sequestro de carbono no processamento das areias betuminosas, além do acréscimo de valor agregado ao recurso mineral de areias betuminosas que a refinaria introduz para a região, caso tivesse que exportar para os EUA, seu principal mercado, o óleo bruto das areias betuminosas. É isso que eles defendem para o Brasil: limitar o crescimento das refinarias e exportar petróleo cru do pré-sal, sem refinar.
Paramos os projetos de novas refinarias e só concluímos metade da RNEST. O maior impacto destes cancelamentos é a vulnerabilidade crescente do Brasil ao mercado internacional para atender a demanda brasileira de derivados, na eventualidade dela crescer mais do que atualmente.