Afonso Florence, líder da bancada do PT na Câmara, analisa as medidas anunciadas pelo governo interino de Michel Temer

Por Afonso Florence

O presidente interino Michel Temer anunciou, dia 24 de maio, seis medidas de política econômica propagandeando o propósito de reduzir o endividamento e retomar o crescimento. Trata-se de medidas que rompem drasticamente com o modelo de bem-estar social que é a espinha dorsal da Constituição de 1988. E configuram, de fato, um golpe contra o povo brasileiro, pois não foram submetidas a um debate eleitoral. O projeto aprovado por 54,4 milhões de brasileiros em 2014 é diametralmente oposto ao que o governo Temer quer impor à sociedade brasileira.

Temer anunciou o controle das despesas primárias; o pagamento de 100 bilhões de reais pelo BNDES ao Tesouro Nacional; a extinção do Fundo Soberano; o estabelecimento de regras de restrição aos fundos de pensão; a restrição à concessão de novos subsídios;  e o fim do regime de partilha no pré-sal. São medidas restritivas ao gasto público, de conteúdo antinacional e com impacto negativo direto na vida da maioria da população brasileira.

Aqui, vou comentar a primeira, que corta a sustentação orçamentária da prestação de serviços públicos à população mais carente. Mais que isto, na prática, altera a natureza do Estado, dirigindo-o no sentido oposto àquele atribuído pela Constituição Cidadã de 1988: um Estado dedicado à a uma sociedade republicana moderna e democrática, comprometida com a prestação dos serviços públicos de interesse social e cobertura universal.

Sob o argumento da necessidade de ajuste fiscal, o governo comunica ao mercado, de forma cifrada para que a população não entenda, o seu compromisso com o desmonte do Estado de bem-estar social em construção no País.

A restrição do gasto primário como regra permanente da política fiscal  do governo federal reduz, ao mesmo tempo, o gasto com serviços públicos atualmente prestados, o investimento em curso na expansão da rede física dos municípios, estados e do próprio governo federal e, finalmente, sepulta definitivamente a possibilidade de universalização desses serviços em um horizonte próximo, como estava planejado.

Ao tentar limitar a expansão da despesa primária do Setor Público, Temer quer extinguir as regras atuais de aplicação mínima em Saúde e Educação. A Emenda Constitucional nº 86/2015, determina que a União aplicará em Saúde um percentual de 13,2% da receita corrente líquida em 2016, e posteriormente ampliará este percentual até alcançar 15% da receita corrente líquida em 2020. A Lei Complementar nº 141/2012, observando os termos definidos no artigo 198 da Constituição Federal de 1988, determina que os estados e os municípios aplicarão em Saúde, respectivamente, no mínimo, 12% e 15% da receita decorrente de impostos. Na área da Educação, o artigo 12 da Constituição determina que a União aplicará, anualmente, nunca menos de 18%, e os estados, o Distrito Federal e os municípios 25%, no mínimo, da receita resultante de impostos.

Vale destacar que a mudança que Temer quer fazer não limita a expansão da despesa pública total, ou seja, o componente financeiro permanece ilimitado, portanto, não haverá restrições às despesas financeiras do governo federal, como por exemplo o pagamento da dívida pública.

Assim, as despesas decorrentes da política monetária, mais especificamente, aquelas destinadas ao pagamento de juros, e do principal da dívida, bem como as despesas associadas ao custo de carregamento das reservas internacionais e às operações de swap cambial (serviço de proteção das empresas sediadas no Brasil e endividadas em dólar) continuam ilimitadas, ou seja, as despesas de interesse dos grandes capitalistas. Temer sabe que estas foram as despesas que tiveram crescimento mais expressivos durante a atual crise econômica. Estes são seus compromissos de classe.

Aplicando-se a proposta de Temer de restrição ao gasto primário, na hipótese de variação positiva do produto interno bruto, haverá um efeito redutor da despesa primária do governo federal como proporção do PIB. Em termos econômicos haverá uma redução da participação do Estado na composição da demanda agregada da economia. Isso significa a redução da parcela da riqueza gerada pela economia brasileira alocada pelo governo federal, ou seja a redução do orçamento destinado para o pagamento de serviços públicos. A redução também será observada pelo critério de despesas por habitante, com repercussões em termos de quantidade e da qualidade dos serviços disponibilizados à população.

Esta proposta, na forma de Projeto de Emenda à Constituição (PEC), já denominada por alguns como “regra Temer”, implicará na “constitucionalização do descompromisso” do Estado com a universalização do acesso aos serviços de saúde e de educação. Michel Temer afirma que esta regra aumenta a previsibilidade da política macroeconômica, fortalece a confiança, reduz o risco-país, abre espaço para redução estrutural das taxas de juros, e em situações de emergência permitirá ao Estado alterar sua composição. Ele só não diz que o povo que mais precisa de saúde e à educação vai “pagar o pato”.

Todos os golpes têm como primeiro ato a destituição do presidente eleito pelo voto popular. Em todos, o segundo ato é a destruição das políticas públicas escolhidas democraticamente pelo povo. A agenda Temer de política econômica é a agenda do golpe: a desconstrução do Estado de bem-estar social.

Afonso Florence é deputado federal (PT-BA) e líder do partido na Câmara Federal.