Ano 1 – nº 03 – Maio 2016

Editoriais

Por um lado, verifica-se que cresce a percepção negativa de grandes meios de comunicação dos países desenvolvidos sobre o golpe de estado. Por outro, logo após a votação no Senado, os editoriais da mídia nacional não expressaram apoio nem grandes expectativas em relação ao governo Temer, embora os grandes veículos de comunicação tenham apoiado o processo de impeachment. Na verdade, buscam relegitimar-se junto à opinião pública devido à abrupta mudança do humor da população iniciada com o fiasco internacional dos deputados em 17 de abril passado e a percepção sobre a natureza do governo interino. Nos primeiros dias, a grande imprensa noticiou polêmicas em relação à composição ministerial: a nomeação de sete ministros que são alvo de investigação na Lava Jato e a ausência de diversidade, particularmente negros e mulheres. Além disso, também foram abordadas repercussões negativas da extinção do Ministério da Cultura e outros da área social, bem como a volta da CPMF. Até o dia 17 de maio haviam sido noticiados possíveis retrocessos na saúde, em direitos previdenciários, no programa Bolsa Família e a proposta de congelamento dos salários de servidores públicos com o objetivo de cortar gastos.

O jornal O Estado de S.Paulo (12/05) afirma em seu editorial que Dilma não tinha nenhuma qualidade para se tornar presidenta da República e atribui à vaidade de Lula sua ascensão ao posto, concluindo que ela retornará agora à posição de insignificância. “O impeachment de Dilma tornou-se imperativo. Tratava-se de colocar um ponto final em uma trajetória que arruinava o Brasil e os brasileiros e ameaçava a democracia. E essa trajetória não pode ser compreendida sem que se recapitulem os momentos mais significativos da farsa conduzida por Lula há 14 anos e que, felizmente, caminha para seu desfecho.” O texto conclui que o mesmo desfecho deve ainda acontecer com Lula.

O editorial da Folha de São Paulo (12/05) destaca que o impeachment é “cercado de questionamentos técnicos” e seu o embasamento contou menos do que a situação econômica e política do país. O jornal também pontua que o petismo abandonou a ética e adaptou-se ao pragmatismo da política. Em relação ao governo Temer, destaca que chegará ao cargo sem respaldo popular. “Dispõe de expressiva maioria no Congresso, mas esta se marca por notórias tendências ao fisiologismo; vários de seus aliados, além disso, expõem-se às suspeitas e aos escândalos da Operação Lava Jato.”

O jornal O Globo (12/05) dedica seu editorial a defender a responsabilidade fiscal e a legalidade do golpe. Afirma que foi baseado na Constituição o afastamento de dois presidentes no Brasil, Collor e Dilma, em contraponto à norma recorrente na América Latina de golpes com a participação de militares. A defesa do afastamento é feita com a justificativa do “desmonte da organização criminosa criada pelo lulopetismo para desviar dinheiro público de estatais, a fim de financiar o projeto de poder do PT e de aliados.”

Um de seus colunistas mais conservadores, integrante do conselho editorial, Merval Pereira, descreve Michel Temer como um político com capacidade para unir os partidos e muito conhecimento do funcionamento da Câmara. “Conseguiu escapar de diversas armadilhas e montou um ministério razoável, que agrada aos partidos e garante apoio no Congresso. O início dele vai ser mais fácil do que estava sendo o governo Dilma, que não tinha diálogo nenhum com o Congresso.”
Já o colunista Arnaldo Bloch destaca a desconfiança da população em relação ao novo governo. “Curiosamente, o percentual de apoio ao presidente-tampão regula com o da presidente afastada.” E critica seu ministério baseado em conchavos políticos, ao contrário da composição por notáveis anunciada previamente.

A ausência de mulheres no novo ministério foi destaque nos três jornais. E, no caso do jornal O Globo, foi ainda tema da colunista Miriam Leitão, que ressalta a falta de diversidade na composição do novo governo: “Um ponto muito importante: o governo Temer até agora só tem homens. Será um retrocesso de décadas se essa regra for mantida. Depois dos governos do PT, em que houve mais diversidade, de mulheres, negros, o desenho até agora é de um governo Temer sem diversidade. Se isso se confirmar, já entra com cara de passado.”

O inglês The Guardian fez uma comparação com a equipe apresentada pelo novo primeiro-ministro canadense em que 50% são mulheres. Perguntado sobre o motivo da escolha, o chanceler canadense respondeu, “porque estamos no século 21”. O francês Le Monde definiu como “a volta da velha elite brasileira ao poder”. É muito estranho que um homem considerado um articulador inteligente não tenha imaginado que aparecer com essa equipe fosse causar tantas críticas. É uma questão simbólica. Mas não fica apenas no que diz respeito a gênero e etnia.

A escolha de Blairo Maggi para ministro da agricultura é considerada uma das mais impactantes. Todos os jornais se referem a ele como o “rei da soja” que vinha tentando propor uma emenda constitucional para acabar com os licenciamentos ambientais em projetos públicos.

Além da formação retrógrada, não escapou dos jornais internacionais que sete ministros são investigados ou respondem processo por corrupção na Operação Lava Jato. Romero Jucá foi citado no The Guardian, no Le Monde e no El Mundo (Espanha) como o mais arriscado, ele responde a mais de um processo. A indicação de tais ministros é inquietante para esses veículos que há semanas vinham dizendo que Dilma Rousseff estava sendo julgada por políticos contra quem pesavam acusações muito piores do que as que recaem sobre ela. Por isso, o The Guardian disse que “Dilma era muito mais alvo de pecados do que pecadora,” e em um editorial cravou que “o sistema político deveria estar sendo julgado, não uma mulher.” Na mesma linha, o New York Times afirmou que a penalização para a presidenta é desproporcional.

Em um editorial na quinta-feira, dia 12, o New York Times defendeu Dilma Rousseff e os questionamentos que ela apresentou ao processo de impeachment. O discurso que Dilma fez quando deixou o Palácio do Planalto, chamando o povo a se mobilizar contra o golpe de estado, recebeu destaque em todos os jornais internacionais. É bom lembrar, a mobilização contra o impeachment foi o que instigou jornalistas do mundo todo a se debruçarem sobre a situação brasileira. Fez até com que o Le Monde publicasse um texto reconhecendo que, quando defendeu que não havia um golpe de estado, não tinha levado em consideração a parcialidade da imprensa brasileira.

O ápice, até o momento, do trabalho mais aprofundado dos jornais estrangeiros, que ocorreu na semana do afastamento de Dilma, é a conclusão de que o sistema político brasileiro é impraticável em função do número de partidos e da maneira como o legislativo é composto. Eles estão se propondo a entender os pormenores da política brasileira e, por isso, o processo de impeachment está sendo considerado “ambíguo”, “suspeito”, “confuso”, “desproporcional”, “desonrador para a classe política brasileira”…

O processo é tão questionável que até Fernando Henrique Cardoso, entrevistado pelo The Guardian, em material publicado na semana do afastamento, disse que “o impeachment vai ser visto como um mau momento do Brasil,” e ele ainda adicionou que tentou adiá-lo no seu partido, mas o governo não podia ficar paralisado. Ou seja, a imagem internacional da destituição é tão nebulosa que até ele tenta se colocar distante do processo.

A atitude é controversa, já que o PSDB é o autor do pedido de impeachment e é quem trabalhou junto com Eduardo Cunha para travar o Congresso e acelerar o processo. No entanto, parece que a mídia internacional ainda não percebeu essa ligação. Ao mesmo tempo, Eduardo Cunha saiu dos holofotes que se viraram completamente para Michel Temer. Essas condições podem fazer com que a ligação do PSDB com o impeachment não chegue a despertar a atenção dos estrangeiros.

A semana do afastamento de Dilma foi marcada também por reportagens que tentaram retratar o fim da “era PT no poder”. O temperamento de Dilma Rousseff foi alvo de muitas críticas que foram feitas por antigos companheiros da luta revolucionária e até do Partido dos Trabalhadores. O jornal Le Monde também tentou retratar a insatisfação popular em uma reportagem sobre pessoas desapontadas com o PT. Nela, uma jovem militante feminista, negra e que é estudante de Sociologia, afirma que o que está acontecendo no Brasil é um golpe, mas ela não vai para rua defender o PT, menos ainda a Dilma. Danielle é filha de nordestinos analfabetos que sempre votaram no PT, o pai dela sempre achou que ela tinha chegado à universidade por causa do Partido dos Trabalhadores, mas ela discorda. A estudante tinha 14 anos quando Lula foi eleito presidente pela primeira vez.

A investigação pela mídia internacional só começou, mas a continuidade dela depende, completamente, da mobilização contra o governo de Michel Temer.

Travessia Social

Na coletiva de imprensa realizada no Planalto logo após a primeira reunião ministerial, os ministros Romero Jucá e Eliseu Padilha afirmaram que os programas sociais do governo Dilma, como o Minha Casa Minha Vida e Bolsa Família, serão mantidos, mas passarão por uma auditoria para identificar beneficiários que não estejam enquadrados nas exigências legais do programa. Segundo Jucá, o Ministério do Planejamento irá cruzar os cadastros dos diferentes programas federais.
Na divulgação prévia do documento Travessia Social, foram diversos os enfoques dados pelos principais jornais:

A Folha de S.Paulo (28/04) noticiou que sugere mudanças profundas no sistema educacional brasileiro, como o pagamento de bônus a professores que melhorarem sua qualificação profissional e o desempenho de seus alunos. “O plano de Temer também prevê uma reforma completa no ensino médio, com uma reestruturação curricular que permita ao aluno se dedicar, já nessa fase, ao ensino profissionalizante.”

De acordo com o jornal O Estado de S.Paulo (28/04), o novo governo pretende usar “as principais vitrines do governo PT para aumentar os benefícios à camada mais pobre da população”. O foco aos 5% mais pobres abrirá espaço no Orçamento da União para dar o reajuste a uma parcela do Bolsa Família e relançar o Minha Casa Minha Vida e o Pronatec, duas das principais bandeiras da presidenta Dilma.

No jornal O Globo (29/04), destaca-se o tema privatização. “O documento que servirá de base a um eventual governo Michel Temer afirma que, na infraestrutura, tudo o que for possível deve ser concedido ou privatizado. Quanto às competências que reservará para si, é indispensável que suas relações com contratantes privados sejam reguladas por uma legislação nova, inclusive por uma nova lei de licitações. É necessário um novo começo das relações do Estado com as empresas privadas que lhe prestam serviços”.

Reforma da Previdência

A Folha de S.Paulo informou em sua edição de 14/05 que o Ministério da Fazenda quer retomar a proposta de reforma da Previdência com fixação de idade mínima e uma regra de transição para quem já está no mercado de trabalho. Em entrevista ao “Bom dia Brasil”, da TV Globo, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles disse: “Sim, haverá uma idade mínima de aposentadoria. O que estamos estudando é exatamente quais as regras de transição”.

Saúde

O novo ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), disse em entrevista à Folha de S.Paulo (16/05) que, em algum momento, o país não conseguirá mais sustentar os direitos que a Constituição garante – como o acesso universal à saúde – e que será preciso repensá-los. No dia seguinte, em entrevista ao mesmo jornal, o ministro disse que o SUS “está estabelecido” e que não deve rever o tamanho do sistema. Em um sinal de recuo, Barros afirmou que é preciso rever os gastos com a Previdência, assim como ocorreu em outros países, mas não o acesso à saúde.

Educação

O blog de Fernando Rodrigues (17/04) informou que novo ministro da Educação, Mendonça Filho, apoiará a cobrança de mensalidades em cursos de extensão e pós-graduação nas universidades públicas caso as instituições assim desejem. Em 2015, ainda como deputado federal, Mendonça posicionou-se a favor de um projeto sobre o tema. A medida, sustenta o ministro, daria fôlego aos caixas das universidades, afetados nos últimos anos em decorrência da queda na arrecadação de impostos.

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