Por NAPP de Energia – FPA*

Na contramão do resto do mundo, o governo sancionou lei que obriga a compra de eletricidade gerada por termelétricas movidas a carvão mineral localizadas em Santa Catarina. A lei determina a contratação até 2040 da energia produzida pelo Complexo Termelétrico Jorge Lacerda. Atualmente, este Complexo é composto por três usinas e sete unidades geradoras de energia, com capacidade instalada de 857 megawatts.

Como se sabe, o carvão é uma fonte altamente poluente. Ele emite cerca do dobro de gás carbônico do que o gás natural e enormemente mais que as fontes renováveis. Em função disso, cerca de duas dezenas de países assumiram o compromisso de eliminar a geração termelétrica a partir do carvão até 2030 (Áustria 2020, Bélgica 2017, Canadá 2030, Chile 2040, Dinamarca 2028, Espanha 2030, Eslováquia 2030, Finlândia 2029, França 2022, Grécia 2028, Hungria 2025, Irlanda 2025, Israel 2030, Itália 2025, Países Baixos 2029, Zelândia 2030, Portugal 2021, Suécia 2020, Reino Unido 2024).

No Brasil, além do carvão ser a fonte de energia mais poluente e de baixa qualidade, gera uma eletricidade cara. Se considerarmos os últimos 18 leilões de contratação de energia nova, observaremos que, excetuando a pequena contratação de energia gerada por resíduos sólidos, a energia das termelétricas a carvão foi a mais cara (Resíduos Sólidos: 101 US$/MWh, Carvão: 78,72 US$/MWh, Biogás: 73,05 US$/MWh, Gás Natural: 65,12 US$/MWh, Casca de Arroz: 60,56 US$/MWh, Bagaço: 60,22 US$/MWh, Hidroelétrica (sobretudo PCH): 58,36 US$/MWh, Fotovoltaica: 57,85[1] US$/MWh; Eólica: 36,21 US$/MWh).

A obrigatoriedade de o governo contratar a energia gerada pelo Complexo Termelétrico Jorge Lacerda representa a criação de uma reserva de mercado para uma fonte de energia de um grupo empresarial específico. O custo da contratação desta energia mais cara será pago por todos os consumidores brasileiros.

Anteriormente, o governo sancionou lei que também criou reserva de mercado para 8.000 MW de termelétricas a gás a serem construídas em regiões específicas, para pequenas centrais hidroelétricas (PCH), a serem contratadas mesmo que mais caras que outras fontes renováveis, e para as usinas do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) que terão seus contratos prorrogados por mais vinte anos.

Essa é mais uma lei cedendo a lobbies de pressão, por meio da qual o governo abre mão de um processo competitivo e transparente e adota uma política cartorial, onde ganha quem tiver mais acesso ao Congresso e aos tomadores de decisão.

A lei homologada hoje não é a melhor maneira de tratar o impacto econômico do fim do contrato das térmicas a carvão sobre as localidades onde estão a mina e as termelétricas. Em vez de subsidiar o carvão ou criar um mercado artificial para a energia mais cara e poluente gerada pelas usinas que utilizam este combustível, deveria ser criado um programa de reconversão da atividade econômica das regiões impactadas, além, é claro, de um programa de recapacitação da mão de obra local.

O mais grave é que custaria muito pouco ao Brasil anunciar a eliminação do carvão da matriz elétrica.  Ao contrário de outros países do mundo, a participação da geração a carvão na nossa matriz é pequena. Assim, a desativação das termelétricas existentes não afetaria a segurança de suprimento. A falta de uma visão estratégica penalizará não apenas o consumidor e o meio ambiente, mas implicará uma perda de oportunidade de colocar o Brasil na vanguarda da transição energética mundial.

[1] Vale mencionar que como o preço da fotovoltaica caiu muito nos últimos anos, o preço do último leilão (35,87 US$/MWh) é muito menor do que o desta média.

* NAPP de Energia – FPA é o Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas de Energia da Fundação Perseu Abramo.

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