A série de Ryan Murphy apresenta um caso real cuja história mobilizou o mundo. A violência contra a mulher, racismo e a espetacularização do judiciário marcam a primeira temporada de American Crime Story, disponível na plataforma Netflix.

O caso do midiático ex-atleta de futebol americano, O.J. Simpson, parou os Estados Unidos na década de 90. Em linhas gerais, a história conta o assassinato da ex-esposa de O.J. e de um homem, com requintes de crueldade. Rapidamente, O.J. se tornou o principal suspeito do crime, que ganhou traços de filme de ação numa perseguição da polícia para capturar o ex-jogador, transmitida ao vivo em toda TV americana em 1994.

Os temas que envolvem essa trama são intensos e profundamente atuais. A principal argumentação da defesa de O.J. era que ele teria sofrido perseguição da polícia de Los Angeles, conhecida mundialmente por seu racismo institucional. De outro lado, ficou uma gravíssima situação de violência contra a mulher, que ganha contornos muito reais quando a promotoria consegue provar inúmeros casos de violência contra a ex-esposa cometidas pela super estrela do show business dos EUA.

O título da série pode gerar confusão na interpretação do expectador brasileiro. A tradução literal do título original “The People vs O.J. Simpson” foi a utilizada para a versão brasileira, mas “The People”, no caso, é como a justiça americana nomeia o que no Brasil conhecemos como “Ministério Público”. Cabe destacar que a população americana não ficou totalmente contra Simpson, mas ficou extremamente dividida sobre a sua inocência, em um episódio que demonstrou a permanência dos conflitos raciais americanos.

O julgamento foi inteiramente televisionado e exibido ao vivo. Foram meses de tribunal de júri, com sessões inteiramente filmadas, o que alimentou a enorme repercussão do caso. Sob o ponto de vista jurídico, o caso ficou marcado como um dos primeiros da história que utilizou exames de DNA como prova no processo, e pela equipe jurídica formada pelo réu, que uniu os maiores advogados criminalistas do país à época.

No entanto, talvez o que mais marque essa história é a espetacularização da Justiça. Promovida em grande parte pela imprensa, essa situação gera reflexões importantes sobre o sistema democrático. É fato que o poder judiciário não está e não pode estar imune à opinião pública em qualquer lugar do mundo. Mas precisamos nos perguntar até onde vai essa perigosa correlação entre mídia e operadores da Justiça.

Os advogados e promotores do caso se valeram, o tempo todo, de entrevistas e manipulações sensacionalistas do caso para influenciarem a opinião pública e gerarem uma atmosfera de intensa pressão sobre o tribunal. A grande vantagem do caso é que o julgamento foi submetido a jurados leigos que ficaram isolados do mundo exterior para julgarem O.J.

Seguramente, se esse caso tivesse sido submetido a um juiz singular, com tamanha pressão externa da mídia, o resultado seria diferente. Imagine você, um juiz comprometido com a opinião pública forjada pela grande mídia sem o compromisso com o cumprimento dos ritos e garantias constitucionais do direito?

O caso aponta para uma importante reflexão, de uma atualidade impressionante sobre os tempos atuais. Garantir limites justos de ação ao poder judiciário e ao Ministério Público talvez seja um dos passos mais complexos para garantir um sistema democrático eficiente. E nesse quesito, o Brasil vai muito mal.

 

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