Na semana passada, o governo Temer anunciou o início do Plano de Segurança no Rio de Janeiro, na presença dos ministros da Defesa e da Justiça. O Plano coloca 8.500 homens do Exército, 620 da Força Nacional, 380 da Polícia Rodoviária Federal e 740 policiais locais nas ruas do Rio de Janeiro. Segundo os ministros, a polícia local será a responsável pela orientação da ação no território e o plano teria como foco a “busca de segurança e paz”.

A primeira contradição, mas que não é uma novidade no mundo, é a busca de paz com a ampliação de contingente militar em um território. No entanto, as perguntas que ficam são: não serão estes territórios já tão militarizados? E a pergunta já realizada há anos por Malcolm X: não é uma ironia o fato de que nos territórios periféricos, onde mais existem policiais, sejam os que mais têm crimes?

Ainda segundo os ministros, a ideia é reduzir o “fluxo do tráfico, roubos e outras ilicitudes” e que a presença do Exército “tem o objetivo de devolver tranquilidade aos moradores do Rio”. Mas quais moradores do Rio?

O Plano de Segurança, aguardado há meses e apresentado de modo generalizado em seu primeiro anúncio, parece um arremedo de respostas velhas para a questão da segurança. Utilizar uma força militar como o Exército, preparada para confrontos de extrema tensão, para ação policial e de segurança de civis não parece ser uma resposta que busca paz.

Historicamente, a lógica imposta nos territórios negros periféricos é de Estado policial. Infelizmente, é o Estado brasileiro que formula, corrobora e aplica um discurso de que negros são “elementos” perigosos. Este discurso é chancelado pela sociedade que alimenta mais violência, tortura, prisões e genocídio.

A narrativa de “guerra às drogas” é o pretexto de uma ação e ideologia articuladas com o intuito de militarizar e especular territórios e exterminar subjetividades e vidas já que não se “guerreia” contra substâncias. É uma guerra que ocorre cotidianamente de modo silencioso em diversos territórios negros e periféricos e atua apenas na ponta da Economia das drogas. O mercado de drogas mantido na ilegalidade não nos permite visualizar todas as suas ramificações e extensões, além de colocar em risco, inclusive, instituições, já que se move e se mantém corrompendo estruturas.

Não à toa que em um contexto de golpe no país, vejamos um plano que tem como foco aprofundar e intensificar a narrativa de guerra às drogas e a militarização de territórios. O excessivo uso de força e de agentes repressivos está articulado aos interesses do capital especulativo. Mesmo em contextos de ampla exploração, a lógica do controle e exclusão são os lugares negados, os “lugares-não-lugares”, das populações vulneráveis na lógica interseccionada do sistema de dominação. Como consequência da lógica da exploração do trabalho, o corpo-máquina ao desprover-se desta característica, que seria seu único objetivo no sistema capitalista, torna-se desnecessário de controle e tem sequestrada sua atuação política, sendo, com isso, passível da desumanização e do aniquilamento.

O sociólogo camaronês Achille Mbembe formulou o conceito de necropolítica, ou seja, o poder de ditar quem deve viver e quem deve morrer. É um poder de determinação sobre a vida e a morte ao desprover o status político dos sujeitos. A diminuição ao biológico desumaniza e abre espaço para todo tipo de arbitrariedades e inumanidades. No entanto, para o sociólogo há racionalidade na irracionalidade deste extermínio. Utilizam-se técnicas, desenvolvem-se aparatos meticulosamente planejados para a execução desta política de desaparecimento e de morte. Ou seja, não há, nesta lógica sistêmica, a intencionalidade de controle de determinados corpos de determinados grupos sociais. O processo de exploração e do ciclo em que se estabelecem as relações neoliberais opera pelo extermínio dos grupos que não tem lugar algum no sistema, uma política que parte da exclusão para o extermínio.

Neste sentido, um imenso aporte de poderio militar nas ruas do Rio de Janeiro, intensificará a lógica de criminalização, marginalização, repressão e extermínio da população periférica da cidade. A “segurança” e a “paz”, se chegarem, se limitarão aos bairros nobres da cidade, enquanto que uma guerra que já mata 30 mil jovens todos os anos no Brasil, sendo 23mil deles negros, se intensifica nos morros da cidade.

A necropolítica se intensificando em um cenário de intensa crise econômica e sistêmica, em que as forças conservadoras avançam no país e no mundo, e em um contexto em que os 99%* não tem espaço no sistema que se reorganiza.

`