por João Cláudio Arroyo

Desencantos nascem da ilusão que necessitamos para viver ainda que eles sejam uma visão de algo que não podemos ter
E quando o desencanto se desvela o coração amargurado padece pois de ingratidão ninguém se esquece.

Ao se aproximar as eleições de 2010, fica mais evidente o que temos constatado nestes últimos dois anos trabalhando para a reconstrução de um campo político que retome a política apenas como meio para a materialização de um projeto de sociedade sustentável e solidária, tal como concebemos hoje o sonho socialista: O desencanto com a política. Esta tem sido a marca da manifestação do sentimento que toma conta de setores médios, particularmente daqueles que nas décadas de 80 e 90 foram jovens combativos, militantes de esquerda que dedicaram anos de suas vidas na derrota da Ditadura Militar, da retomada democrática na luta pelas “Diretas Já”, na construção de partidos socialistas, antes proscritos, que dessem visibilidade e efetividade política à voz dos setores populares, como o PT. Na conquista de avanços democráticos como os Conselhos de Políticas Públicas, mecanismos de controle social, na Constituição de 1988 e no surgimento de novos movimentos sociais que pautaram na sociedade novos direitos, como os das mulheres, negros, índios, homossexuais, deficientes e toda sorte de condição humana que expressava a pluralidade democrática para muito além da política como o espaço da atuação dos partidos. No entanto, justamente quando a esquerda brasileira mais avançou, setores importantes que foram agentes diretos da construção deste momento, resumem seu sentimento em relação à política como “desencanto”. O que está acontecendo?

Quando se coloca no Google a busca por “encantos e desencantos” caímos em páginas de poesia e referências ao amor, à paixão. Se isto representa a apreensão cultural que temos da idéia de “encantamento”, significa que estamos no campo da emoção, o que para alguns de nós é apartado da idéia de razão.
Quando relacionamos “encantamento” e política, portanto, tenta-se articular uma dimensão emocional à política, tida como o campo dos interesses e cálculos racionais. Parece uma incongruência. Por outro lado, não seria possível abordar a política pela perspectiva da realização humana que vai muito além do cálculo de interesses individuais no curto prazo, tal como muitos concebem a política?

Refletir sobre o significado do desencanto é uma tarefa incontornável que pode surpreender por não nos levar ao, aparentemente óbvio, enfrentamento entre
bons e maus e, significar um amadurecimento necessário de setores fundamentais para construção de uma sociedade mais equilibrada e justa, não
como jogo de poder apenas, mas sobretudo como realização humana.

O desencanto é produto de descaminhos que levaram parte importante da esquerda pelos pântanos do mensalão ou apenas a justificativa psicológica dos
que não tiveram competência política para ocupar espaços no momento da chegada ao “Poder”?

Diante do desencanto cabe capitular ao fisiologismo mercenário ou se afastar para não contaminar a própria honestidade?

A política é em si, irrevogavelmente vocacionada à corrupção ou é possível pensá-la, sem ingenuidades, como a construção de projetos de sociedade por
convicção? Há respostas que sustentam cada uma destas alternativas, mas a reflexão coletiva ainda é o melhor caminho para dissipar dúvidas e construir as pontes que precisamos para reencontrar nossos sonhos de um mundo melhor.

Vamos ao debate.

João Cláudio Arroyo, mestre em Economia. Educador Popular. Professor da FAAM e da FAP.

* Texto de introdução ao debate “Encantos e Desencantos da Política” que a Rádio UFPA promove no dia 23/3, às 18h30, com transmissão ao vivo  em seu site na internet Participam do debate: João Claúdio Arroyo – FAAM, Francisco de Assis Costa – UFPA e Edir Veiga – UFPA.