Volto a falar de cinema, uma das minhas preferências, sem nenhum conhecimento de operação no ramo, que é condição essencial de formação dos críticos  competentes. Nada sei sobre o fazer de filmes, sou expectador, tão-somente. Amante, sim, gosto e vou ao cinema com freqüência bem maior do que a média. Pois hoje estão simultaneamente em cartaz dois filmes altamente pretensiosos e dois outros de grande simplicidade e baixo custo. A crítica, naturalmente, colocou os dois primeiros com o máximo de estrelas e aplausos, como verdadeiras obras primas do cinema contemporâneo. E eu preferi os dois últimos.

Os dois primeiros disputaram a Palma de Cannes. Um tinha tudo para ganhar mas o diretor dinamarquês disse disparates na entrevista e foi expulso do festival. Ganhou o outro, o americano, que mostra a vida de uma família típica do interior do país. “Melancolia”, do dinamarquês que devia ganhar, exibe realmente grande beleza, não só de imagens como de muitas cenas, mas francamente, para mim, exagera na vesânia do roteiro que acaba, como tinha de acabar, com o fim do mundo. O outro, que levou o prêmio, “Árvore da Vida”, tem também muita beleza nas imagens que, entretanto, no meu sentir, arrastam-se demasiadamente
num enorme e vazio tempo só de imagens, fazendo a platéia mexer-se impaciente nas cadeiras. Ambos na verdade são muito pretensiosos, o que torna a expectativa mais exigente e mais difícil de ser correspondida. A minha sinceramente não preencheram.

Os dois, mais simples, que me agradaram muito mais, são ambos argentinos. Sem fama nenhuma, “Medianeras” e “Um Conto Chinês” são desartificiosos, humanos, divertidos sem serem nada superficiais, e extremamente criativos. A gente sai pensando, como os argentinos fazem filmes simples e melhores que os nossos, sem apelar para o sexo e a violência. Aliás, faz pouco, vimos um outro argentino, chamado “O Homem ao lado”, também muito bom, simples e muito criativo; escrevi sobre ele também, falando do velho e do novo.

Pode ser que essa minha opinião reflita toda a simpatia e admiração que eu tenho pela Argentina, desde o tempo do tango clássico e da Copa Roca; e o gosto que tenho por Buenos Aires, onde quase sempre se passam seus filmes. Admito, pode ser, mas o fato é que encontro razões muito fortes para elogiar os filmes argentinos; mais do que os brasileiros, como disse. Para desconforto meu.

Eu tenho sustentado que a integração sulamericana é um dos objetivos políticos de maior prioridade para nós, maior ainda nos dias de hoje que exibem a perspectiva de uma crise econômica mundial potencialmente desastrosa. Essa integração tem sido tratada até agora quase exclusivamente sob o ponto de vista econômico. E, entretanto, sua materialização depende muito profundamente de outros aspectos, como, por exemplo, o da integração cultural, o da liberdade de circulação, o do intercâmbio de juventude, entre vários outros.

E, no que diz respeito à cultura, o intercâmbio de filmes e vídeos, de documentários e espetáculos filmados, todo esse conjunto audiovisual constitui uma formidável via de aproximação entre os povos e as nações do continente. A promoção de um intercâmbio mais intenso neste setor demanda ação política da
vontade de integração, que exige ação dos poderes públicos, já que o mercado, os interesses da propaganda e do lucro, não vai tratar o tema com a prioridade necessária. Os filmes argentinos em cartaz constituem um excelente chamado de atenção para essa importante questão.

Roberto Saturnino Braga, ex-senador (PT/RJ), preside o Instituto Sintegra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.

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