Ubiratan de Paula Santos

Em 13 de novembro de 2021, informações oficiais registravam, globalmente, 253,4 milhões de pessoas infectadas e 5,1 milhões de óbitos; no Brasil, 21,95 milhões de infectados (8,9% do total de infectados no mundo) e 611,2 mil óbitos (12,2% do total global de óbitos).

O Brasil, onde reside 2,7% da população mundial, ocupa o 3º lugar no ranking de casos (atrás da Índia e dos EUA) e o 2º lugar no número de óbitos (atrás apenas dos EUA). No estado de São Paulo, os infectados somavam 4,42 milhões e os óbitos, 153,6 mil (3% dos óbitos globais). A população do estado equivale a 0,6% da mundial e sua taxa de letalidade é 4,4%, bem acima da média nacional, de 2,8%.

No site do Ministério da Saúde, na mesma data, constava a informação de pouco mais de 21,15 milhões de pessoas recuperadas (96,3% das infectadas), e relação semelhante é informada para o estado de São Paulo.

Quero chamar atenção para os chamados recuperados. Muito pouca informação está disponível sobre eles. Não estamos falando de problemas como perda de emprego, redução nos rendimentos, nas vicissitudes da vida cotidiana que cada um vivenciou, mesmo os com sintomas leves ou menos limitantes, sem internação, quando tomaram conhecimento de que estavam com a doença.

Vamos tratar aqui dos que evoluíram com sintomas e sinais, com sequelas as mais variadas, no grupo denominado pelos órgãos de saúde como recuperados.

A literatura científica sobre o assunto tem sugerido o nome portadores de Covid longa para os que foram infectados pelo vírus e permanecem com sintomas após quatro semanas, com RT-PCR negativa nos últimos sete dias (Chaolin Huang, Lixue Huang, Yeming Wang, et al. Lancet 2021; 397: 220–32). Alguns autores sugerem levar em conta um prazo maior, 12 semanas, especialmente porque quase todos os que foram internados têm sequelas e/ou limitações que duram por mais de quatro semanas, que podem não ser classificadas como Covid longa.

Resultados de estudos são variados, mas boa parte revela que após seis meses do inicio da doença, entre 13 e 40% dos que tiveram a infeção (60 a 70% nos internados) apresentam um ou mais sintomas ou sinais como: fadiga ou fraqueza muscular; falta de ar; aperto torácico; tonturas; sensação de pernas pesadas; cefaleia; alterações no sono, no paladar, no olfato; distúrbios gastrointestinais; redução do apetite; queda de cabelo; ansiedade e depressão; redução da capacidade para realizar exercícios; redução da função pulmonar; taquicardia.

As sequelas mais graves envolvem inflamação prolongada e fibrose pulmonar; tromboembolismo; isquemia e inflamação do músculo cardíaco (miocardite); isquemia cerebral; sequelas neurológicas e renais. A persistência de sintomas por mais de 12 semanas e as sequelas mais graves são muito mais frequentes nos que necessitaram de internação em enfermarias e mais ainda nos que precisaram de terapia intensiva (Chaolin Huang, Lixue Huang, Yeming Wang, et al. Lancet 2021; 397: 220–32; Ani Nalbandian, Kartik Sehgal, Aakriti Gupta, et al. Nature Medicine. 2021;27; Matthew Whitaker, Joshua Elliott, Marc Chadeau-Hyam, et al. Persistent symptoms following SARS-CoV-2 infection in a random community sample of 508,707 people.medRxiv preprint doi: https://doi.org/10.1101/2021.06.28.21259452).

Estudo que envolveu análises do banco de dados sobre saúde do Departamento de Veteranos dos EUA, avaliando 76.877 pessoas que tiveram Covid, não hospitalizadas, e que sobreviveram por pelo menos 30 dias após o diagnóstico, identificou apresentaram com mais frequência sintomas e sequelas pulmonares e sistêmicas, demanda por medicação, maior frequência de exames laboratoriais alterados e morreram mais, quando comparadas com pessoas atendidas e acompanhadas pelo DVEUA por outros motivos (Ziyad Al-Aly, Yan Xie, Benjamin Bowe. Nature. 2021;594).

Outro grande estudo populacional, envolvendo 510 mil pessoas, realizado no Reino Unido, observou que o risco de Covid longa é mais elevado entre os de idade superior a 65 anos; em pessoas com sobrepeso, diabetes e tabagistas; nos com doenças cardíacas e pulmonares crônicas; nos mais pobres, com moradias precárias; nas mulheres; entre os trabalhadores da saúde e os cuidadores domiciliares (Matthew Whitaker, Joshua Elliott, Marc Chadeau-Hyam, et al. Persistent symptoms following SARS-CoV-2 infection in a random community sample of 508,707 people.medRxiv preprint doi: https://doi.org/10.1101/2021.06.28.21259452).

Alguns estudos sugerem que a presença, na fase aguda, de cinco ou mais sintomas da doença é um preditor para Covid longa (Carole H. Sudre. Nature Medicine. 2021;27 ).

Considerando que estudos indicam que até cerca de 10% dos infectados demandam internação, podemos estimar em cerca de 2,2 milhões de pessoas no Brasil, cerca de 450 mil no estado de São Paulo, os que foram internados em algum momento e por tempo variável. Excluindo os que foram a óbito durante a fase aguda da Covid, restam 1,6 milhão que foram internados no Brasil e cerca de 300 mil no estado de São Paulo, número que será menor pelos óbitos pós-Covid, não estimados.

Além dos não internados, sobre os quais não temos até o momento, no Brasil, estimativas de sintomas e sequelas, no estudo realizado no Reino Unido, apontam que eles estavam presentes em cerca de 25% para os que não procuraram serviços de saúde e em 40% nos que foram atendidos em algum centro médico, com cifras superiores nos internados. No Hospital das Clínicas, entre os internados, cerca de 48%, após 11 meses, apresentavam alterações na tomografia de tórax sugestivas de algum grau de fibrose.

Frente a esse quadro é urgente que o SUS, nos seus vários níveis de ação, organize e/ou aprimore medidas para cuidar dos que evoluíram com sequelas, bem como aperfeiçoar o atendimento durante a internação para a redução das sequelas, especialmente com a ampliação das atividades de reabilitação, em todas as suas esferas.

Para tanto, sugerimos a adoção das medidas seguintes:

- Toda alta de paciente acometido pela Covid-19, em qualquer unidade (UPA, Hospitais, Prontos-socorros), deve ser, no mesmo dia, comunicada à Unidade de Saúde mais próxima da residência, para que o paciente receba visita domiciliar de avaliação das condições do mesmo, com  parte delas informadas pelo serviço de internação (medicações, cuidados recomendados, sequelas existentes, retornos agendados no serviço hospitalar), condições de suporte na residência (condição da família, segurança - especialmente escadas -, alimentação, condição de uso adequado de medicações).

Cabe às secretarias de Saúde dos municípios, com apoio das secretarias de estado da Saúde, providenciar e exigir as informações dos hospitais em tempo real. Esta medida vale para os novos pacientes, mas, principalmente, para avaliar os milhares que possam não ter tido os acompanhamentos adequados após terem sido acometidos pela doença.

- Nas cidades, devem ser criados centros de atendimento referenciados, multidisciplinares, para acompanhar pacientes com sequelas, integrados por médicas/os, fisioterapeutas, fonoaudiólogas/os, professoras/es de educação física, psicólogas/os, em conformidade com a demanda regional. Todos os que estiveram hospitalizados, entre os que apresentam sinais ou sintomas, devem ser acompanhados por pelo menos um ano. Esse acompanhamento deve e pode ser realizado pela equipe de saúde da família ou, onde a mesma não existir, pelos profissionais das UBS.

- Através de visitas domiciliares da equipe de saúde da família e/ou por telefone, com uso de questionários simples e objetivos, avaliar possíveis sequelas também em quem teve Covid e não esteve internado. São muito menos frequentes, mas existem, sendo que orientações e esclarecimentos podem em muito ajudar os pacientes ou identificar entre eles os que precisam de apoio de um ou mais especialista da equipe multidisciplinar.

- As prefeituras devem demandar apoio de hospitais universitários, de faculdades da área da saúde, em particular as públicas, para melhor orientação sobre os cuidados com os pacientes, no uso de medicações indicadas, evitando, o que tem sido muito usual, excesso de diagnósticos e excessos de exames e prescrições ou uso de medicamentos.

- Devem as prefeituras organizar um efetivo e rápido apoio para que serviços regionais atendam situações que demandem reinternação, procedimentos cirúrgicos (como sequelas de estenose de traqueia decorrentes de intubação, entre outras). A colocação em fila de espera pode ser fatal ou impossibilitar uma recuperação completa ou a melhor possível desses pacientes.

 Ubiratan de Paula Santos é médico pneumologista