Tradução de Artur Araújo de Editorial do The Guardian

É uma loucura se preocupar com os níveis de dívida do governo quando o sustento e o bem-estar de tantas pessoas estão em jogo

Em novembro passado, o pior cenário do Office for Budget Responsibility [órgão de monitoramento de responsabilidade fiscal] concluiu que o golpe duplo de uma pandemia persistente e de um Brexit sem acordo deixaria 4,2 milhões de pessoas desempregadas em 2022. A boa notícia é que a Grã-Bretanha fechou um acordo com a União Europeia antes de deixar sua órbita regulatória. A má notícia é que o pior cenário do OBR quase certamente subestima a escala da crise de empregos. Os ministros fecharam deliberadamente os olhos aos fatos, agarrando-se às palhas de estatísticas duvidosas e a respostas políticas inadequadas.

Ignoramos o óbvio por nossa conta e risco. Um relatório da Alliance for Full Employment [Aliança pelo Pleno Emprego], uma coalizão multipartidária de políticos, instituições de caridade, sindicatos e líderes religiosos, estima que dentro de alguns meses, pelo menos um em cada dez trabalhadores (cerca de 4 milhões de pessoas) estará sem trabalho. Os ministros do governo podem se agarrar ao fato de que Gordon Brown é o mensageiro do relatório e centrar fogo contra o ex-primeiro-ministro trabalhista. Mas fariam melhor em lidar com sua mensagem.

Em 2020, estima-se que um milhão de menores de 25 anos estavam procurando trabalho. O ministro das Finanças [Chancellor of the Exchequer], Rishi Sunak, respondeu com um esquema de criação de empregos – Kickstart – focado nos que não haviam trabalhado por seis meses. O programa de Sunak é muito pequeno e depende muito de empresas privadas para chegar a ajudar muito. Apesar das alegações do governo, de que 120 mil empregos foram criados, menos de 2 mil jovens começaram em novas funções. Esta é uma geração perdida tomando forma.

Supõe-se que os conservadores estejam interessados ​​em opções de melhoria da eficiência econômica. No entanto, o alto desemprego é um desperdício de recursos tão grande que ninguém interessado na efetividade de custos pode ser complacente com isso. Os ministros estão minimizando a maior ineficiência de todas: altos níveis de desemprego persistente e que deixa cicatrizes. O governo não deve se esconder atrás das estatísticas. Sua última Pesquisa da Força de Trabalho apontou desemprego de 1,78 milhão de pessoas em outubro de 2020, uma taxa de cerca de 5,2%. No entanto, isso não é confiável – e depende de como as pessoas veem seu status de emprego.

Quando vista pelas lentes dos empregadores, a história é muito diferente. As empresas que fizeram empréstimos para se manterem à tona durante o bloqueio da Covid podem pensar que seus funcionários liberados estão fora de suas folhas não temporariamente, mas para sempre. Isso talvez explique por que o desemprego parece pior quando os dados do PAYE [equivalente a um departamento da Receita] são considerados.

O desemprego e a desigualdade devem aumentar. Os trabalhadores com salários mais baixos do Reino Unido têm duas vezes mais chances de perder seus empregos na pandemia do que os trabalhadores com salários mais altos. Isso explica o paradoxo de que os salários estão subindo durante a recessão induzida pelo coronavírus. David Blanchflower, do Dartmouth College, descreveu isso como um efeito de “média de rebatidas” [no críquete], onde “a média da equipe aumenta porque os batedores 10 e 11 não são mais contados”. A questão, como o professor Blanchflower apontou, é que muitos desses empregos – em pubs, clubes e restaurantes – não retornarão após o término do pagamento da licença. Uma onda de más notícias pode se tornar um tsunâmi.

O governo, infelizmente, parece mais focado em cortar o déficit do que em criar empregos quando a economia se recuperar. Isso é estúpido e absurdo. Os déficits orçamentários devem ser usados ​​para estimular a demanda necessária para gerar empregos para todos aqueles que desejam trabalho.

Os ministros deveriam estar pensando em um esquema de garantia de empregos, como o proposto pelo economista Bill Mitchell. Isso faria com que o setor público oferecesse um emprego de salário fixo a qualquer pessoa disposta a e capaz de trabalhar. Este estoque regulador de empregos pode se expandir ou diminuir à medida que a atividade empresarial decresça ou cresça.

É uma loucura se preocupar com a dívida do governo quando o sustento e o bem-estar das pessoas estão em jogo. É enlouquecedor que os ministros continuem a fazer isso.