No dia 20 de novembro, o Observa BR discutiu “As cidades brasileiras depois das eleições”. Com mediação da economista Elen Coutinho, diretora da Fundação Perseu Abramo, o programa contou com as presenças do advogado Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação, e da socióloga Inês Magalhães, ex-ministra das Cidades.
Haddad iniciou a discussão lembrando que este 20 de novembro poderia ter sido um dia para celebrar as vitórias recentes do povo negro do Brasil e de lamentar perdas, mas já começou com a notícia do espancamento até a morte de um homem negro, João Alberto Silveira Freitas, por seguranças em um supermercado de Porto Alegre (RS), o que transformou o ânimo das pessoas em revolta e dor.
“As pessoas estão cansadas, exaustas, desse clima que o próprio governo patrocina. Os governantes que nós elegemos em São Paulo, Rio de Janeiro, no governo federal estimulando a violência no país, estimulando a divisão. Em vez de buscar concórdia, buscar a pacificação, eles alimentam esse clima nas redes sociais com Fake News, ofendendo as pessoas, ofendendo adversários, transformando adversários em inimigos. Nós ainda vamos viver um momento muito delicado no Brasil e obviamente que as cidades são palco desse estado de coisas. […] Nós vamos ter que enfrentar uma situação de estímulo institucional da intolerância.”
Haddad propõe que os prefeitos eleitos instalem já no dia 30 de novembro gabinetes de crise nos municípios, que permitam pensar formas de superação da crise sanitária, do aumento do desemprego e da pobreza, da perda do ano letivo por estudantes; que enfrente o desafio de melhorar a qualidade do transporte público ao mesmo tempo que fomenta o transporte ativo (caminhada, bicicleta), de garantir o acesso aos procedimentos eletivos de saúde, não para que os municípios voltem à normalidade, mas inclusive para que melhorem no pós-pandemia.
“A melhor coisa que um governante pode fazer nesse momento é justamente juntar os quadros mais competentes para que ele possa formular um plano sistêmico de transição no pós-pandemia. Tem que utilizar a pleno vapor toda a capacidade instalada, toda massa crítica, não só do seu município, porque muitos municípios são pequenos e vão ter que seguir protocolos eventualmente formulados em âmbitos supra-municipais. O município muito pequeno vai precisar de uma assessoria do governo do estado ou de um consórcio, mas ele tem que ter um plano de ação integrado para atravessar esse período que ainda deve se prolongar por mais um ano. Nós ainda teremos um 2021 muito difícil.”
Em sua segunda intervenção, Fernando Haddad reforçou que estados e municípios têm feito um esforço de se organizarem. Como exemplo de sucesso, Haddad citou o Consórcio Nordeste, formado por governos progressistas que, ao contrário do Governo Federal, têm pautado suas ações em valores modernos, como conhecimento científico e mais tolerância nas relações.
No plano nacional, Haddad propõe que as a associações municipalistas e as fundações partidárias de partidos progressistas se organizem e criem canais de comunicação e de ajuda, sobretudo para prefeitos em primeiro mandato nos pequenos municípios, colaborando para que encontrem saídas criativas para a crise e para que se organizem localmente em consórcios ou outras formas de organização que fortaleçam as cidades frente a pandemia.
“O Brasil não vai sair disso sem muita cooperação. A crise é muito grave! O golpe de 2016 jogou o Brasil em um poço sem fundo que nos vai exigir muita competência, muita cooperação, muita solidariedade, inclusive no plano do subcontinente, porque a Argentina está mal; a Bolívia acabou de sair de uma eleição em que o MAS saiu vitorioso, mas vai enfrentar problemas graves; a Venezuela não saiu da crise; o Chile vai convocar uma constituinte; o México está tendo problemas…”.
Inês Magalhães lembrou que os prefeitos que assumirão as cidades no próximo ano encontrarão a realidade mais desafiadora desde a redemocratização do país, não só por conta da pandemia, mas também porque terão de governar e conduzir suas cidades em meio a uma agenda federal de destruição das políticas públicas e dos sistemas criados a partir da Constituição de 1988, que funcionam como rede de proteção social.
A limitação dos investimentos orçamentários e a existência de um teto de gastos deve aumentar ainda mais esse desafio, porque sufoca ainda mais as políticas públicas. “Acho que o cenário que espera os próximos prefeitos é de construção de um campo de resistência e de contraponto às políticas neoliberais que estão em curso”.
Para ela, os prefeitos precisam garantir que as cidades sejam espaços de resistência ao atraso de um projeto político elitista encampado desde o golpe de 2016, que não é capaz de proteger a população do país e que fez convergirem as crises econômica, política e sanitária. Para isso, seria necessário que a gestão se apropriasse de uma pauta de temas estratégicos, como uma nova orientação da Defesa Civil para a resiliência; a garantia da segurança alimentar; a geração de trabalho e renda tendo as prefeituras como agentes indutores da economia local por meio das compras públicas e de novos padrões de contratação de serviços; e o bem viver e a transição ecológica.
Assista o programa na íntegra: