Por Henry Campos e Nahuan Gonçalves
A administração de plasma convalescente, o plasma proveniente de pessoas que sobreviveram à infecção pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, foi autorizada pela Food and Drugs Administration – FDA, neste domingo, em regime de urgência, para administração a pacientes hospitalizados pela COVID-19. Até então, um único fármaco, o antiviral remdesivir, tinha recebido autorização semelhante da FDA.
O plasma autorizado para uso clínico é o componente líquido do sangue colhido de pacientes que sobreviveram à COVID-19. Desde que contenha níveis elevados de anticorpos, esse plasma convalescente, quando transfundido a pacientes com COVID-19, pode ser útil, pela ação neutralizadora dos anticorpos, no combate à doença. Importante salientar que essa estratégia de tratamento é mais do que secular e foi utilizada na pandemia da gripe espanhola, de 1918, e na epidemia recente do vírus Ebola.
A autorização de plasma convalescente concedida pela FDA destina-se exclusivamente a pacientes hospitalizados. Até o momento mais de 70.000 pacientes receberam esse tratamento em ensaio clínico coordenado pela Mayo Clinic (Rochester, Minnesota) e os dados preliminares revelam que os melhores resultados são vistos quando o plasma convalescente contém títulos altos de anticorpos e é administrado cedo no curso da doença. No entanto, esses resultados não são definitivos, uma vez que todos os pacientes incluídos no estudo receberam o plasma convalescente, sem que exista, para comparação, um grupo controle, tratado com o chamado placebo.
O que parece estar ocorrendo, na prática, é mais uma politização da ciência. Às vésperas da Convenção do Partido Republicano para as próximas eleições americanas, Donald Trump fez uma aposta ousada na luta contra a pandemia da COVID-19, que constitui um sério obstáculo
à sua reeleição, quando anunciou, no último domingo, a autorização, em situação de urgência, da transfusão de plasma sanguíneo de pacientes curados da infecção pelo coronavírus para pacientes hospitalizados pela COVID-19: “Estou feliz em fazer esse anúncio, realmente histórico na nossa batalha contra o vírus chinês, que vai salvar um número incalculável de vidas.” Na véspera do anúncio da liberação, Trump havia declarado no Twitter que “O Estado profundo, ou o que quer que esteja na FDA, torna muito difícil para as companhias farmacêuticas testar as vacinas e os tratamentos. De modo evidente, eles esperam retardar sua resposta até 3 de novembro”, ou seja, após a eleição presidencial.
Na realidade, a liberação do emprego terapêutico do plasma convalescente é considerada prematura pelos especialistas. A própria autorização da FDA não assume o ar triunfalista da declaração do presidente americano. De acordo com Denise Hinton, diretora científica da FDA, “ensaios clínicos randomizados adequados e bem conduzidos continuam sendo necessários para trazer a demonstração definitiva da sua eficácia e determinar os atributos ótimos desse produto e a população apropriada para sua utilização (...) O plasma convalescente não deve ser colocado como um novo padrão no tratamento de pacientes acometidos pela COVID-19”.
Outros imunobiológicos com grande potencial de aplicação - os chamados anticorpos monoclonais, vêm sendo testados sem estardalhaço e podem ser utilizados muito precocemente, no início dos sintomas, e bloquear a replicação viral, bem como ser usados profilaticamente. O Dr. Anthony Fauci, diretor do National Institutes of Allergy and Infectious Diseases – NIAID, declara-se “ansioso para ver os resultados dos testes”, conduzidos, entre outros, pelos laboratórios Regemon Pharmaceutical e Eli Lilly & Co. Esses promissores agentes terapêuticos serão objeto de futura publicação neste espaço.
Enquanto isso, a publicidade provocada por Donald Trump ao superdimensionar os efeitos do plasma convalescente já dá sinais negativos, uma vez que, segundo responsáveis pelos ensaios clínicos, “tornou mais difícil o recrutamento de pacientes”. Acontecimento semelhante foi registrado com a hidroxicloroquina, um tratamento igualmente apregoado pelo presidente americano antes de qualquer avaliação sólida.
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