Não bastassem o elevado desemprego, subemprego, retirada de direitos dos trabalhadores e aposentados e redução quantitativa e qualitativa das políticas públicas, que vimos assistindo desde 2016, a pandemia do vírus SARS-CoV-2 vem impondo um profundo gravame aos trabalhadores, aos mais pobres, aos sem gordura para queimar.
Este quadro tem como responsável maior e primeiro pelo desastre o governo Jair Messias Bolsonaro. Estimativas revelam superarmos, em poucas semanas, 100 mil mortes e mais de dois milhões de infectados, nas contas oficiais, subnotificadas pela falta de diagnósticos.
Responsabilidade pelo desprezo com a doença e suas consequências; pelas mensagens e atitudes contrárias às melhores recomendações conhecidas para a prevenção; pela falta de coordenação nacional das ações de saúde; pela desorientação quanto ao tratamento, com o presidente funcionando como garoto cloroquina de propaganda; pelas limitações em valores e entraves burocráticos para que recursos cheguem ao povo necessitado, ao SUS, aos estados, prefeituras e pequenas empresas; e pela inexistência de uma coordenação de empresas para produzirem, em quantidade adequada e a preços não escorchantes, produtos indispensáveis ao setor saúde, com a adicional decorrência de aumentar empregos e renda para os trabalhadores.
Embora o vírus SARS-CoV-2 não discrimine a classe social para tentar se instalar e prosperar, no Brasil a Covid-19 teve início a partir dos que menos trabalham, os mais endinheirados, mas que exigem o trabalho dos outros, e se propagou para o conjunto da população, com maior impacto na morbimortalidade entre os mais pobres, negros, índios, menos escolarizados, trabalhadores e moradores das periferias desassistidas. Ou seja, os que têm piores condições de moradia, de alimentação, maior desemprego e subemprego, menores salários/rendimentos, os que mais usam os transportes coletivos lotados, porque trabalham ou vão à luta em busca de sustento pela falta de apoio do Estado.
As consequências da epidemia só não são mais danosas pela existência do Sistema Único de Saúde (SUS) presente em todos os municípios brasileiros que, embora desprestigiado nos últimos anos, tem capacidade de resposta rápida quando exigido e acionado, em todos os níveis de atenção.
Como faz parte do cotidiano no mundo, situação que bem conhecemos no Brasil, o registro da atividade profissional dos pacientes não é usual nos prontuários médicos e nas notificações aos serviços de vigilância (e quando é feito, não é disponibilizado), o que limita o conhecimento do impacto da pandemia nas diversas categorias de trabalhadores, informação importante para orientar a prevenção.
Entretanto, para algumas categorias, alguns dados têm sido disponibilizados pela ação dos sindicatos e do Ministério Público do Trabalho. São milhares os trabalhadores infectados na área da saúde, em frigoríficos, entre os metroviários e rodoviários (motoristas e cobradores). Quadro que reflete não apenas o descaso com a segurança no trabalho por parte dos responsáveis, patrões e poder público, como permite que prospectemos sobre a segurança que oferecem nos serviços que prestam.
Na saúde com a falta de EPIs, de isolamentos adequados entre as áreas, de normatização rígida para os profissionais e pela higiene dos ambientes, que envolve boa ventilação e adequada umidade dos ambientes internos. Nos frigoríficos e transportes coletivos, se seus trabalhadores são infectados aos batalhões, os produtos dos primeiros e os usuários do segundo não estão livres da contaminação. Medidas de higiene, distância entre pessoas e áreas, limpeza, ventilação e umidade adequadas, identificação e isolamento precoce de possíveis infectados podem ser notados entre os fatores favoráveis ao menor risco de transmissão
Neste contexto, cabe um importante papel aos sindicatos dos trabalhadores na defesa do SUS e dos trabalhadores empregados, desempregados e aposentados das categorias que cada entidade representa.
A começar pela exigência de que todos os atendidos com diagnóstico de Covid-19 sejam informados aos sindicatos, para que estes possam lhes prestar solidariedade, conhecer o modo real e atual de vida de cada trabalhador, ex-trabalhador ou aposentado; ajudá-los a receber auxílios; a se recuperarem melhor e mais rápido, principalmente os que ficaram com sequelas da doença. Isto não tem nada a ver com sigilo profissional, trata-se de um direito de saber.
Devem também exigir participar de comitês de acompanhamento das ações de saúde (não sendo necessário aguardarem lei ou decreto ou norma; o formal, neste caso, virá da pratica legitimada) em cada Unidade de Saúde das cidades (podendo dividir responsabilidades entre sindicatos/categorias), não apenas para conhecerem o que é feito, como para pressionarem os governos a melhorarem os serviços que devem atender suas categorias.
Aliás, já as atendem em sua maioria, como aos desempregados, aos aposentados, aos filhos vacinados, no diagnóstico e tratamento de doenças que convênios (quando os têm) rejeitam, nas ações de vigilância em saúde, como agora mais explicitamente com a Covid-19, nos tratamentos de doença crônicas e no fornecimento de medicações, inclusive as de alto custo.
Deve-se exigir que para todo paciente que esteve internado por Covid-19, quando de sua alta hospitalar a unidade de saúde mais próxima da moradia do mesmo seja informada da condição do mesmo, para que possa providenciar os atendimentos necessários à sua melhor recuperação, tais como orientação de alimentação, fisioterapia, exercícios, suporte à saúde mental e se necessita permanecer um período fora do domicilio (pelas limitações do mesmo), em quartos de hotéis alugados pelas prefeituras ou em áreas dos hospitais de campanha. São tarefas que as UBS e Programa de Saúde da Família podem realizar buscando integração com os setores de Educação, Assistência Social e Esportes.
O sindicatos devem ser elementos ativos na luta contra a pandemia, pressionando os governos a seguirem as recomendações de especialistas, para que mantenham o isolamento social até que quedas consistentes e seguidas do número de pessoas infectadas e mortas sejam observadas. Participando de ações como estas, creio que poderão fortalecer não apenas o SUS, como suas próprias relações de classe e de solidariedade entre os trabalhadores das mais diversas categorias.
Ubiratan de Paula Santos, médico pneumologista da equipe do INCOR-SP e especialista em gestão de Saúde Pública.
Texto-resumo de sua fala no Dia da Luta Operária, comemorado virtualmente em 9 de Julho de 2020.