Tradução de Matias Rebello Cardomingo do texto originalmente publicado pela BBC.

O governo americano comprou quase toda a produção projetada para os próximos três meses do tratamento para Covid-19, remdesivir, produzido pela companhia americana Gilead.

O Departamento de Saúde dos EUA anunciou na terça-feira que concordou em comprar 500.000 doses para uso em hospitais americanos.

Os testes sugerem que o remdesivir reduz o tempo de recuperação, embora ainda não esteja claro se melhora as taxas de sobrevivência.

A Gilead assinou um contrato de licenciamento em maio para produção fora dos EUA, mas ainda está nos estágios iniciais.

"O presidente Trump fez um acordo incrível para garantir que os americanos tenham acesso à primeira terapêutica autorizada para a Covid-19", disse o secretário do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, Alex Azar, em comunicado.

Um ciclo de tratamento nos EUA custará US$ 2.340 (mais de R$ 13 mil).

Nove empresas podem fabricar o medicamento sob licença fora dos EUA para distribuição em 127 países, em sua maioria, mais pobres, a um custo menor. Mas o projeto ainda está em seus estágios iniciais.

Quantidades adicionais estão sendo fabricadas para uso em ensaios clínicos.

Mas os críticos dizem que a decisão dos EUA de comprar o estoque da Gilead prejudica a cooperação internacional no combate à Covid, já que outros países participaram de testes com remdesivir, originalmente um antiviral contra o Ebola.

"O estudo que deu o resultado que permitiu ao remdesivir vender sua droga não foi realizado apenas nos EUA. Havia pacientes de outros países europeus, também no Reino Unido, e internacionalmente, no México e em outros lugares", disse Peter Horby, professor da Universidade de Oxford, à BBC Radio 4.

Ele disse que a mudança também tem implicações para qualquer possível vacina futura, com a necessidade de "uma estrutura institucional muito mais forte se formos desenvolver vacinas que poderão ser usadas para emergências nacionais".

Ohid Yaqub, professor da Universidade de Sussex, disse: "Isso indica claramente uma falta de vontade de cooperar com outros países, tendo um efeito de desacelerar acordos internacionais sobre direitos de propriedade intelectual".

Alguns nos EUA criticaram o preço de compra, pois o dinheiro dos contribuintes ajudou a financiar o desenvolvimento do remdesivir.

Os EUA estão entre vários países para aprovar o remdesivir para uso no combate à Covid-19.

A União Europeia deve aprovar esta semana, de acordo com o Ministério da Saúde da Alemanha.

A Alemanha diz que possui suprimentos suficientes do medicamento e espera poder adquirir mais da Gilead no futuro.

No Reino Unido, o Departamento de Saúde disse que tinha o suficiente para tratar todos os pacientes do Serviço Nacional de Saúde que precisassem.

Oferta reduzida

Richard Warry

Embora exista uma preocupação internacional de os EUA comprarem quase todos os suprimentos de remdesivir, devemos lembrar que a Gilead é uma empresa norte-americana e que o país registrou o maior número de casos e mortes por Covid-19.

Segundo a legislação dos EUA, a exportação de medicamentos considerados essenciais para o tratamento de pacientes em uma emergência de saúde pública pode ser proibida - e muitos outros países, incluindo o Reino Unido, têm disposições legais semelhantes.

A Gilead estabeleceu acordos de licenciamento voluntário com vários fabricantes em todo o mundo, com o objetivo de produzir o medicamento para uso em países em desenvolvimento.

Considerando casos extremos, também existe um mecanismo de licenciamento obrigatório que pode permitir que os países ignorem os direitos de propriedade intelectual de Gilead e fabriquem suas próprias versões genéricas do medicamento.

Entretanto, o acordo nos EUA inevitavelmente significará que, nos próximos três meses, pelo menos a droga - uma das únicas duas que até agora provaram benefícios comprovados para pacientes gravemente doentes com a Covid-19 - será escassa em muitos outros países. O Reino Unido, no entanto, diz que atualmente possui estoques suficientes para os pacientes que precisam.