por Henry Campos e Nahuan Gonçalves

À medida que a América Latina se torna o novo epicentro da Covid-19, abrem-se perspectivas para que sejam fortalecidos ou relançados, nos países da região, programas de desenvolvimento e manufatura de vacinas, até o momento muito mais acessíveis nos países ricos. O temor de que o hemisfério sul seja penalizado com a distribuição da(s) vacina(s) contra o novo coronavírus, despertou iniciativas importantes de pesquisa em vários países. É o que relata a revista Nature em uma de suas últimas publicações.

“Já estamos vendo um comportamento monopolista, mesmo que não haja ainda uma vacina disponível para o coronavírus” – diz Gavin Yamey, pesquisador sobre saúde global na Duke University, em Durham, Carolina do Norte. É amplamente conhecido que países ricos tenham, durante a pandemia, tornado pública a sua intenção de adquirir companhias que manufaturem vacinas ou de garantir a reserva de grande parte de sua futura produção.

A necessidade do desenvolvimento de pesquisas de vacinas nos países latinos é defendida por outros pesquisadores, como Marina Botazzi, microbiologista de nacionalidade hondurenha do Baylor College of Medicine, em Houston, Texas: “ninguém virá salvar-nos”. Ela trabalha no desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19 que planeja distribuir por meio de parcerias com redes de produtores de vacinas, em países como México, Brasil e Argentina. Fernando Lobo, diretor da Sinergium Biotech, produtora de vacinas em Buenos Aires, diz: “não importa se começarmos com menos recursos, o importante é começar”.

Resumimos a seguir as iniciativas de pesquisadores latino-americanos destacadas pela revista Nature.

Gustavo Cabral de Miranda, imunologista da USP, retornou ao Brasil depois de cinco anos na Europa estudando o desenvolvimento de vacinas, adaptou um modelo de vacinas que vinha desenvolvendo contra o Streptococcus pyogenes e contra o vírus da Chikungunya. Sua equipe estuda partículas virais desenvolvidas em laboratórios a partir de fragmentos de proteínas que o coronavírus utiliza para penetrar em células humanas. O objetivo é fazer que esses fragmentos de proteínas levem o sistema imune a produzir anticorpos bloqueadores da infecção pelo coronavírus. Como essas partículas não podem se replicar no corpo humano são consideradas mais seguras do que vacinas fabricadas com o vírus atenuado, e essa tecnologia tem sido usada para produzir vacinas disponíveis para comercialização, contra o vírus da hepatite B e contra o papilomavírus humano. O trabalho do grupo de Cabral encontra-se em fase de experimentação animal e ele acredita que sendo o Brasil um dos maiores produtores de vacina da América Latina, já tendo desenvolvido um diversificado portfólio, tem capacidade para produzir em larga escala uma vacina eficaz e segura e distribuí-la no País e em países vizinhos.

Luciana Leite, especialista em vacinas no Instituto Butantã, aposta na inovação que compreende como necessária para oferecer estratégias alternativas. A metodologia por ela utilizada para chegar à vacina contra o coronavírus baseia-se em uma propriedade de algumas bactérias de liberar, de suas membranas, minúsculas bolhas ou vesículas e de estimular essas vesículas a transportar proteínas virais do SARS-CoV2, que o sistema imune pode reconhecer e desencadear a formação de anticorpos, que ocorre, segundo pesquisas anteriores, promovendo a ligação de grande quantidade de antígenos às vesículas e bolhas, induzindo uma resposta imune mais intensa.

Laura Palomares, pesquisadora da Universidad Nacional Autónoma de México, em Cuernavaca, está desenvolvendo uma vacina a partir de partículas semelhantes aos vírus. Seu trabalho representa uma esperança para a retomada da produção de vacinas no México, desestabilizada desde 1990, e assim revitalizar a estatal Birmex, que atualmente produz vacinas apenas contra os vírus da influenza.

Uma outra opção de vacina que surge a partir do México advém do trabalho de José Manuel Aguillar, cuja estratégia utiliza anéis de DNA, chamados nanoplasmídeos, que são capturados pelas células. O DNA empregado no modelo codifica uma proteína que o SARS-CoV2 utiliza para infectar o hospedeiro, permitindo às células produzir o antígeno e expressá-lo na sua superfície, suscitando assim uma resposta do sistema imune. O grupo trabalha em colaboração com uma companhia canadense, com condição de produzir doses testes em humanos tão logo sejam concluídos os ensaios em animais.

No Chile, onde hoje todas as vacinas humanas utilizadas são produzidas por laboratórios estrangeiros, Alexis Kalergis, imunologista da Pontificia Universidad Católica de Chile, em Santiago, que já desenvolveu uma vacina que pode proteger recém nascidos contra o vírus respiratório sincicial, também entrou na corrida pela produção de uma vacina contra a Covid-19. O seu laboratório trabalha na produção de quatro protótipos da vacina contra o SARS-CoV2, utilizando fragmentos de proteínas, material genético e bactérias vivas, porém inofensivas, que podem expressar alguns dos componentes do novo coronavírus. Os testes dos diferentes protótipos em humanos já podem ser iniciados a partir do próximo ano.

No Peru, o biofísico Mirko Zimic, que trabalha na Universidad Cayetano Heredia, em Lima, busca utilizar células de insetos para produzir proteínas de espículas do coronavírus para desenvolver uma resposta imune. Testes iniciais estão sendo feitos em camundongos e, se forem bem sucedidos, serão reproduzidos em macacos e em seguida em humanos. A baixa capacidade de desenvolver no Peru esses tipos de experimentos obrigará os pesquisadores a buscar parcerias com outros países.

Para todos esses pesquisadores a produção de uma vacina contra a Covid-19 representa mais do que uma resposta à pandemia. Ela representa a esperança de maiores investimentos e de maior valorização da ciência e da pesquisa na América Latina.