Filmes como Ainda Estou Aqui e O Agente Secreto inauguram uma nova fase do audiovisual brasileiro e enchem mercado de otimismo 

O que está por trás do sucesso recente dos filmes nacionais
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O ano era 1975. A produção audiovisual brasileira buscava uma nova identidade após o estranhamento “pra gringo ver” do Cinema Novo e uma geração profundamente acadêmica de realizadores. Mas havia na ocasião um cineasta que destoava dos colegas: Mazzaropi. Sim, o caipira que fazia filmes para as massas estreava na ocasião sua nova obra: Jeca Tatu contra o Capeta. O problema é que na sala ao lado havia nada menos do que o Tubarão de Steven Spielberg. Mas o público brasileiro não teve dúvidas: na estreia, escolheu rir com a história do caipira provinciano a sofrer com o terror do blockbuster estadunidense. O caso foi um espanto para o setor, gerando inúmeros artigos na imprensa especializada. 

No fim, não deu mesmo para Mazzaropi. Embora tenha sido um grande de público, com mais de 6 milhões de espectadores, ao longo das semanas de exibição, o filme acabou preterido pelas distribuidoras e jogado em poucas salas. Mas a vitória parcial de Jeca Tatu sobre Tubarão acendeu o debate sobre como competir de igual para igual com Hollywood ou, ao menos, convencer o público brasileiro a prestigiar produções locais. 

O caso ajuda a entender o quanto o setor tem se reestruturado nas últimas décadas até chegar ao bom momento atual, com produções premiadas internacionalmente e grande sucesso de público. Para entender a atual fase do cinema nacional é preciso recuperar uma série de medidas colocadas em prática a partir da chamada retomada, período de revitalização da produção cinematográfica brasileira, marcado pela reestruturação de políticas de fomento após a grave crise provocada pelo fechamento da Embrafilme, em 1990, pelo governo de Fernando Collor de Mello. 

Foi com Carlota Joaquina, Princesa do Brazil (1995), dirigido por Carla Camurati,  que o cinema nacional literalmente renasceu.  Com grande sucesso comercial, a obra simbolizou o ressurgimento da indústria cinematográfica nacional, possibilitado pela nova estrutura de incentivos. Já era resultado direto da criação da Ancine, dois anos antes, que recolocou o setor na vitrine. 

Outro ponto de virada foi a criação do Fundo Setorial do Audiovisual uma década mais tarde, que passou a fomentar o audiovisual brasileiro, aumentando a participação do produto nacional no mercado e garantindo sustentabilidade e diversidade ao setor.

Atual momento 

Outro ponto em favor foi o restabelecimento da Lei da Cota de Tela, em 2024, após três anos em desuso. O novo decreto substitui a antiga regra de “dias mínimos” para exibição por um sistema mais flexível: exige um percentual mínimo de sessões ao longo do ano em cada complexo, ponderado de acordo com a escala do grupo exibidor — quanto maior o grupo, maior a cota exigida. 

Os números mostram que o setor está no caminho certo.  Além do sucesso internacional de filmes como Ainda Estou Aqui, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, no período entre maio de 2024 e maio de 2025 houve um aumento de 197% nas vendas de ingressos para filmes brasileiros em comparação ao período anterior, segundo levantamento da Ingresso.com.

O crescimento foi puxado especialmente por grandes sucessos nacionais, como o próprio Ainda Estou Aqui, que ficou em 3º lugar nos mais vendidos e permaneceu em cartaz por seis meses consecutivos, e O Auto da Compadecida 2. Juntos, os filmes foram vistos por mais de 10 milhões de brasileiros.

Com a estreia do cotado ao Oscar O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, a participação brasileira no mercado aumentou ainda mais: em apenas um mês de exibição, obteve mais de 1 milhão de espectadores.

Para o diretor de cinema Guga Sander, que estreia em dezembro seu primeiro longa-metragem, outro fator que tem ajudado no aumento do interesse do público por filmes nacionais é a variação nos temas. “Por muitos anos, o Brasil ficou taxado pelo que era chamado de Favela Movie, filmes com temática social, mostrando a violência urbana, a pobreza e as mazelas do país. Embora alguns temas ainda sejam urgentes, como as denúncias contra a Ditadura Militar, já é possível encontrar produções de todos gêneros, da ficção científica ao terror”. 

Essa aproximação com temas culturais e sociais que dialogam diretamente com a realidade brasileira, histórias ancoradas em questões urbanas, identidades regionais e personagens autênticos têm encontrado forte ressonância entre espectadores que buscam ver suas vivências representadas na tela. 

Ao mesmo tempo, o humor e a música — pilares tradicionais do audiovisual nacional — seguem sendo motores de audiência, tanto no cinema comercial quanto no circuito alternativo.

Por fim, a expansão das plataformas de streaming abriu novas portas para talentos locais, ampliando a visibilidade de filmes que, antes, ficavam restritos a salas de cinema. O lançamento híbrido, aliado a campanhas digitais mais eficientes, criou novos caminhos para alcançar públicos jovens e diversificados. Esse ecossistema mais robusto, tem impulsionado bilheterias e consolidado o cinema brasileiro como uma força criativa em ascensão.

Mercado

A fatia de mercado ocupada pelos filmes brasileiros nas salas de cinema do país também aumentou em 2025. Dados preliminares divulgados em novembro pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) mostram que um em cada dez brasileiros que foi ao cinema em 2025, até agosto, assistiu a um filme nacional.

Segundo a Ancine, a participação no mercado subiu de 1,4% do público, nos oito primeiros meses de 2023, para 11,2% em 2025. Crescimento semelhante ocorreu no número de sessões ocupadas por filmes brasileiros: nos oito primeiros meses, passou de 4%, em 2023, para 14,1%, em 2025.

Especialistas no mercado audiovisual acreditam que o sucesso do filme nos cinemas do país e nas premiações internacionais impulsionará a produção cinematográfica nacional como um todo.

Em entrevista à Agência Senado, o professor da Universidade Federal de São Paulo (UFSCar) Arthur Autran, autor do livro Pensamento Industrial Cinematográfico Brasileiro (Hucitec Editora), afirmou: “Uma parte da nossa elite intelectual e da nossa classe média padece de uma insegurança cultural, derivada do complexo de vira-lata, e só se sente segura do valor do Brasil quando o reconhecimento vem de fora, quando há uma espécie de carimbo internacional. Isso acontece com a música, com a literatura, com a pintura e também com o cinema. Em termos simbólicos, portanto, as indicações e premiações de Ainda Estou Aqui são muito importantes para o cinema brasileiro”.

As 5 maiores bilheterias do cinema nacional

1. Minha Mãe É Uma Peça 3 (2020) – R$ 169,8 milhões

2. Minha Mãe É Uma Peça 2 (2016) – R$ 124,6 milhões

3. Nada a Perder (2018) – R$ 120,2 milhões

4. Os Dez Mandamentos – O Filme (2016) – R$ 116,8 milhões

5. Ainda Estou Aqui (2024) – R$ 85,41 milhões