O projeto Reconexão Periferias, da Fundação Perseu Abramo, lançou nesta terça-feira, dia 9 de maio, o livro “Viver por Conta Própria – Como Enfrentar Desigualdades Raciais, de Classe e Gênero e Apoiar a Economia Popular nas Periferias Brasileiras”. A obra é uma combinação de pesquisas qualitativas e quantitativas e de análise sobre as condições de vida e trabalho de milhões de brasileiros e brasileiras que atuam no segmento que se convencionou chamar de “empreendedorismo”.

O livro, fruto de um trabalho de quatro anos, lança um olhar inédito sobre esse mercado, ao analisá-lo à luz das desigualdades estruturais geradas pelas questões de raça e gênero, mostrando que sob a classificação de empreendedorismo residem obstáculos diferentes, que exigem medidas diferenciadas.

Ao apresentar propostas de políticas públicas que podem e devem ser adotadas para oferecer melhores condições de sobrevivência e expansão dessa atividade, combinadas com proteção social a quem nela atua, o livro também avança na abordagem ao considerar esse mercado como algo além de uma opção circunstancial de sobrevivência para quem não tem trabalho assalariado. Trata-se de uma opção que se torna preferencial para muitos e, especialmente, de um mercado com forte potencial, que veio para ficar.

A partir de iniciativa do Reconexão Periferias, o livro foi produzido em conjunto pelo Laboratório de Sociologia do Trabalho e pelo Observatório da Rede Brasil Afroempreendedor (Reafro), ambos ligados à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pela Reafro e pelo próprio Reconexão. O livro pode ser obtido gratuitamente em sua versão digital neste link.

Jacques, Laís, Léa Marques e Nogueira


“Viver por Conta Própria” traz dezenas de gráficos que possibilitam a compreensão das diferentes “desigualdades entrecruzadas” que compõem a realidade desses 25 milhões de pessoas que compõem a categoria dos “conta própria” no Brasil. Entre essas, a imensa maioria – 20 milhões – tem rendimento de até R$ 2 mil por mês, combina o trabalho remunerado com os cuidados da casa e da família, não tem acesso a crédito bancário e enfrenta, entre outras, a dificuldade de acessar a rede de distribuição e comércio com outros territórios além daquele em que vive e trabalha.

“Este é, de todos os trabalhos, o mais difícil de realizar. A pessoa precisa desenvolver competências extraordinárias para tomar uma pluralidade de decisões e manejar ferramentas complexas”, comentou o professor Jacques Mick, da Federal de Santa Catarina. Jacques, um dos coordenadores do livro, prefere a categoria “trabalho sem patrão” ao decantado termo “empreendedorismo” que, segundo ele, oculta as diferenças no interior desse mercado e é, segundo trecho da introdução do livro, “violência simbólica, quando equipara em horizonte, condição e destino os mundos distintos do ‘empreendedor’ branco, rico, do asfalto e da ‘empreendedora’ negra, pobre, do morro”.

A potência desse segmento econômico nas periferias foi destacada pelo professor João Carlos Nogueira, da Reafro. “A pesquisa sobre a informalidade no mercado de trabalho estava relegada a um canto qualquer. Mas a atividade produtiva nas periferias é algo consistente, que gera negócios importantes, matrizada por uma economia comunitária, uma economia popular, que gera circuitos econômicos que não são perceptíveis para quem não olha esse movimento”.

Como exemplo desse potencial, Nogueira citou a criação da pioneira Feira Negra, em São Paulo, conceito que hoje se espalha por outras cidades do país, ou o surgimento de bancos comunitários, que só capital paulista passam de 30. O que ele e Jacques defendem é que esse segmento passe a ser acompanhado e apoiado por políticas públicas que considerem as especificidades que existem em seu interior. O livro traz uma agenda de propostas para potencializar os “contas próprias”, ou “trabalhadores sem patrão”, dinamizar a economia popular e inserir essa cadeia produtiva na rede de proteção e direitos sociais.

A socióloga do trabalho Laís Abramo, secretária nacional de Cuidados e Família, do Ministério do Desenvolvimento Social, presente ao lançamento do livro, defende que o conceito de trabalho decente, elaborado pela Organização Nacional do Trabalho (OIT) deve inspirar as políticas públicas de apoio a esse contingente de trabalhadores e trabalhadoras.
“Trabalho decente não diz respeito apenas ao trabalho assalariado e com carteira assinada. É um conceito que pode ajudar na proteção a esse setor. São direitos a creche, centros-dia para idosos, restaurantes populares, e outros instrumentos que possam apoiar pessoas que muitas vezes estão cuidando de filhos e idosos ao mesmo tempo em que cuidam de seu trabalho por conta própria”, disse.

O encontro de lançamento do livro está no Youtube e pode ser acessado aqui.

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