É conhecimento comum de qualquer primeiro-anista de cursos de economia que, na definição dos manuais, a economia, enquanto ciência, trata do estudo da alocação eficiente de recursos escassos. Na sequência do curso estes mesmos alunos são, em geral, ensinados que  o mercado, com seu sistema de preços, é a tecnologia eficaz para garantir essa alocação eficiente. De Smith à Mankiw, escassez relativa e abundância relativa são indicadas pelos preços que condicionam o comportamento dos agentes de volta ao equilíbrio. 

Não é segredo, nem para os mais devotos, que há falhas neste processo alocativo. A existência destes “defeitos da realidade” faz com que haja a necessidade de intermediações na alocação do mercado. Ao Estado, nestes casos específicos, é permitido intervir. O tamanho e a extensão desta intervenção, entretanto, é assunto polêmico, e, em tempos de normalidade, o mantra diz: devemos reduzir o papel do Estado na economia. 

A crise do Coronavírus, com suas múltiplas dimensões, torna evidente que frente à completa desorganização da vida social, só o Estado é capaz de garantir um mínimo de estabilidade. As incertezas fundamentais da vida cotidiana – que para os economistas mais dispostos a enxergar o mundo como ele é justificam a participação constante do Estado na economia – se intensificam diante da pandemia. É neste cenário que economistas insuspeitos de bolivarianismos como o Gabriel Zucman e Emmanuel Saez, da Universidade de Berkeley, propões que o Estado deve agir como comprador e pagador de última instância, garantindo a demanda que evapora com a crise e assim também assegurando a renda e a existência de trabalhadores e empresas. 

Os radicais da Califórnia propõe que o governo pague inclusive por bens e serviços que não irão ser consumidos. Ou seja, entregar dinheiro para que as firmas possam continuar existindo e pagando salários, o que torna o dia seguinte da crise menos traumático e a recuperação menos longa. Na linguagem dos economistas, atenua as histereses associadas ao fechamento de firmas e demissões em massa. 

Ainda falta muito para que tenhamos um programa econômico à altura da necessidade dos tempos aqui no Brasil. Falta vontade política e sensibilidade popular à toda a equipe ministerial. O que não falta, na verdade sobra, são motivos para avançarmos em medidas mais enfáticas. Em reportagem deste final de semana, o jornal Folha de São Paulo, noticiou que até 70% da produção do cinturão verde do estado está sendo desperdiçada. São toneladas de alimentos jogadas fora por semana. A abundância existente nas hortas é acompanhada de uma absoluta escassez nas periferias urbanas.

A realidade se impõe e, felizmente, para o vírus da falta de demanda e da insuficiência do mercado enquanto ferramenta alocativa nós já temos vacina. É urgente que o Estado intervenha, comprando do produtor, garantindo assim a sua renda, e distribuindo para as cidades e locais em que as consequências da crise têm afetado a segurança alimentar da população.  As saídas são tão evidentes quanto as dificuldades que as ensejam. No meio de tantas incertezas e desequilíbrios só Estado é capaz de assegurar a dignidade e a existência das famílias e empresas brasileiras.

Rodrigo Toneto é economista, faz parte do Grupo Desajuste – Economia Fora da Curva e colabora com o Observatório da Crise do Coronavírus

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