Completados dez meses de governo do capitão, já é fácil perceber que Paulo Guedes, o superministro da economia, não nega sua origem nos balcões do mercado financeiro e se comporta como um jogador que dobra a sua aposta quando depara com o iminente fracasso.
É com esse espírito que, na semana passada, anunciou que pretende radicalizar a agenda de reformas neoliberais para evitar os riscos do “gradualismo” que, segundo ele e a banda dos rentistas, teria sido a causa primeira da tragédia observada na vizinha Argentina.

Por irônico que possa parecer, entretanto, o radicalismo da agenda do ministro Paulo Guedes só não tem conduzido a um colapso mais grave da economia brasileira graças a um conjunto de políticas públicas implementadas ao longo dos governos de Lula e Dilma, em especial no período que vai de 2006 a 2014.

Em primeiro lugar, o dramático mergulho da economia da Argentina em uma crise cambial de grandes proporções só não alcança hoje o Brasil porque, ainda ao final do primeiro mandato de Lula, tomou-se a acertada decisão – contrariando os economistas de mercado! – de comprar dólares para expandir o volume de reservas internacionais do país. Graças a isso, saltou-se de um total US$ 53,8 bilhões em 2005 para US$ 379 bilhões em 2014, os quais garantem inédita estabilidade externa, ampliando de forma significativa o raio de manobra da política econômica conduzida por Guedes.

Além disso, como bem sabe o ministro, foi precisamente por conta do grande volume de reservas acumuladas pelos governos petistas que nos últimos três meses ele pode se dar ao luxo de vender dólares em grande quantidade no mercado à vista, evitando uma desvalorização mais abrupta do real e, ainda, reduzindo em cerca de 1% da dívida bruta do setor público brasileiro.

Em segundo lugar, os severos constrangimentos provocados pela austeridade fiscal sobre o funcionamento da máquina pública e, por conseguinte, sobre a oferta de bens e serviços públicos só não levaram a uma total paralisia do governo em função de um conjunto de receitas extraordinárias, cuja existência resulta diretamente de um bloco de investimentos realizado, anos atrás, por Lula e Dilma.

Seja pelos bônus de assinatura dos novos leilões do Pré-Sal, seja pela elevada produtividade dos poços já em exploração – que se traduzem em royalties – sejam ainda pelos dividendos transferidos das estatais federais (Caixa, Banco do Brasil, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômicos e Social, Eletrobras, Petrobras) aos cofres do Tesouro, é inegável que a solvência do setor público brasileiro só se faz possível neste quadro de grave estagnação econômica resultante da agenda neoliberal porque há um legado muito positivo do período social-desenvolvimentista, o qual o ministro Paulo Guedes trabalha diuturnamente para enterrar.

De quebra, como bem lembrou em artigo recente o liberal e antipetista Reinaldo Azevedo, o Brasil só não tem assistido à explosão de manifestações populares como as que têm ocorrido no Chile fundamentalmente porque as políticas sociais impulsionadas por Lula e Dilma (aumento do salário mínio, extensão dos benefícios de prestação continuada, Bolsa Família etc.) têm servido de importante amortecedor social e evitado o colapso por completo deste trágico experimentalismo neoliberal que hoje é comandado por Paulo Guedes e apoiado com entusiasmo pela banda rentista.

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