O que mais o presidente do Brasil precisa fazer para conseguir ser investigado no caso das execuções da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes? Por que motivo as autoridades competentes insistem em não honrá-lo com a investigação?

O presidente sempre foi opositor radical das ações políticas da vereadora, reiteradamente destilando ódio aberto contra suas bandeiras. Nem ele nem os filhos políticos jamais negaram aversão pela líder negra, feminista, LGBTQI, defensora dos direitos humanos, postura diametralmente inversa à afinidade que construíram com figuras acusadas de participação em milícias do Rio de Janeiro, para as quais sempre direcionaram comendas, ovações públicas, lotações em gabinetes funcionais, dentre reiteradas provas de amizade.

O presidente vive no mesmo condomínio de um dos principais suspeitos de assassinar a vereadora, havendo um de seus filhos supostamente namorado com a filha deste possível assassino.

Segundo divulgado em matérias que exploraram as circunstâncias do inquérito policial sobre o assassinato, o porteiro do condomínio em serviço no dia do crime afirmou, por duas vezes, que pouco antes da execução um dos suspeitos esteve no residencial solicitando entrada com destinação à casa do presidente. Disse, ainda, que a entrada às dependências foi autorizada pessoalmente pelo “Seu Jair”. Ali, o primeiro suspeito teria se encontrado com o segundo suspeito, vizinho do presidente.

Na noite da repercussão do escândalo, um presidente visivelmente descompensado anunciou em vídeo que não iria renovar a concessão da principal emissora de televisão veiculadora da notícia. No meio-tempo, informou que destacaria o ministro da Justiça para acionar a Polícia Federal, a fim de que interviesse na investigação.

Horas depois, outro filho do presidente, que é frequentemente apontado como porta-voz para assuntos controversos de redes sociais, apareceu com arquivo de registros de áudios do interfone da portaria na data da execução, demonstrando não haver registro de entrada do visitante suspeito de assassinato na casa do presidente. O sol nem se punha quando o Ministério Público do Rio de Janeiro, em celeridade ímpar, antecipou-se aos fatos e concedeu coletiva de imprensa pontuando, com base em perícia, que o porteiro havia mentido em seus depoimentos. O ministro da Justiça, por sua vez, em conduta de questionáveis legalidade e moralidade, já peticionara ao Ministério Público Federal para que intervir na operação investigativa, com o escopo de aferir se houve ilícito no depoimento do porteiro, naturalmente coagindo-lhe.

No dia posterior, notícias deram conta de que a perícia que embasou a coletiva de imprensa do Ministério Público estadual nos áudios do interfone, que contraditava os depoimentos do porteiro, foi realizada supersonicamente após a veiculação das denúncias jornalísticas. Àquela altura, já tinham vindo à tona relatos de que a promotora coordenadora do grupo ministerial teria sido fiel apoiadora da candidatura do presidente nas últimas eleições, crítica voraz de postulações de oposição. Era tal o envolvimento emocional da acusadora que ela seria compelida a acatar sugestão de afastamento do caso.

Por fim, questionado diretamente sobre as divergências das informações de entrada em seu condomínio no dia da execução, o presidente assumiu publicamente que recolheu os arquivos de áudio do interfone condominial antes de periciados pelas autoridades competentes para evitar que fossem adulterados. Ou seja, subtraiu do crivo da investigação prova cabal para aferição das circunstâncias do crime que, consequentemente, lhe comprometia. Se todo este roteiro de elementos não servir para que o presidente seja submetido à investigação no âmbito das apurações dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes que fique claro que será uma grande injustiça com ele, que tanto tem realizado para integrar o rol de investigados.

(Marcelo Uchôa é membro da Associação Juristas pela Democracia, núcleo Ceará)