Acampados na rodovia PA-150 depois de uma marcha de sete dias rumo a Belém, 1.500 trabalhadores sem terra são atacados pela Polícia Militar. Dezenove deles são brutalmente assassinados. O episódio teve enorme repercussão internacional e ficaria conhecido como o Massacre de Eldorado dos Carajás, município do sudoeste do Pará onde aconteceu a matança.

Havia três meses que os agricultores ocupavam a Fazenda Macaxeira, em Curionópolis (PA), sob a liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Diante da inoperância do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), eles pretendiam chegar à capital paraense para cobrar a desapropriação do governo estadual. No acampamento à beira da rodovia, os sem-terra esperavam obter alimentos e transporte para vencerem os 600 quilômetros restantes da jornada.

O governador Almir Gabriel (PSDB), o secretário de Segurança, Paulo Sette Câmara, e o presidente do Instituto de Terras do Pará, Ronaldo Barata, articularam uma operação militar a pretexto de “desobstruir a rodovia”.

Quase 300 policiais armados com escopetas, metralhadoras, fuzis e revólveres investiram contra os acampados, que resistiram usando paus e pedras. Após duas horas de enfrentamento, 19 sem-terra foram mortos e mais de 50 ficaram feridos. Dezenas de lavradores foram presos, espancados e humilhados. Nenhum policial morreu.

A perícia mostrou que pelo menos dez sem-terra foram executados com tiros à queima-roupa. Outros sete foram mortos por instrumentos cortantes, como foices e facões. Foram encontradas nos corpos enormes perfurações a bala e manchas de pólvora. As vítimas tiveram membros mutilados e crânios esmagados. Mesmo quem tentou se proteger, foi atacado: Oziel Alves Pereira, de 17 anos, depois de se refugiar em uma casa, foi caçado, baleado, algemado e arrastado pelos cabelos até o ônibus da PM. Seu corpo apareceu depois no Instituto Médico Legal.

A ação policial foi filmada pela TV Liberal. Um dia após o massacre, as imagens foram divulgadas por veículos nacionais e estrangeiros. O governador responsabilizou o coronel Mario Colares Pantoja, comandante da operação, pela truculência da ação e prometeu pensão vitalícia às famílias das vítimas, além da desapropriação da Fazenda Macaxeira.

A intensa repercussão nacional e internacional abriu uma crise no governo federal. O ministro da Agricultura, Andrade Vieira, pediu demissão e foi substituído pelo senador Arlindo Porto. Uma semana depois do massacre, o presidente Fernando Henrique Cardoso recriou o Ministério da Reforma Agrária, nomeando para o cargo o militante do PPS Raul Jungmann.

No inquérito que apurou as responsabilidades pelo episódio, o gerente da Fazenda Macaxeira denunciou que fazendeiros da região haviam ordenado o massacre. Acampados também informaram que o coronel Pantoja esteve na fazenda dias antes do confronto. Empregados da Macaxeira foram vistos junto aos policiais fardados. Entretanto, nenhum fazendeiro foi indiciado. Em maio de 2012, Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira seriam condenados — o primeiro a 228 anos e o segundo a 158 anos de reclusão.

Esse texto é resultado do trabalho do Memorial da Democracia, o museu virtual dedicado às lutas do povo brasileiro e mantido por Instituto Lula e Fundação Perseu Abramo.

O Centro Sérgio Buarque de Holanda, da Fundação Perseu Abramo, guarda em seu acervo um dossiê com 12 imagens do Massacre de Eldorado dos Carajás e um artigo de Pedro Tierra na revista Teoria e Debate.

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