Por: Jorge Hage

   
Lá se vão cerca de 50 anos – meio século – desde  quando tive a felicidade de conhecer Perseu e Zilah. Quis o destino que eu os encontrasse logo após deixarem a UnB, invadida pelo golpe, e os levasse para Salvador, naquele período mais difícil dos anos 60, para integrar a nossa equipe, na Universidade Federal da Bahia. Zilah, como a especialista em Administração Pública que eu buscava recrutar. E Perseu, que tive a sorte de trazer junto, e em quem acabei por encontrar um especialíssimo amigo e conselheiro, além do extraordinário professor  que era, na área da  Sociologia e demais Ciências Sociais.
Mais que tudo, porém,  o que marcou aqueles anos de convívio com Perseu foi sua especial  capacidade de transmitir, a todos em sua volta, algo que era uma característica muito sua: aquela  atitude de firmeza política tranqüila, de resistência ao mesmo tempo altiva e serena, sem ceder um milímetro em suas convicções, mas sem estimular desvarios de qualquer espécie; e, acima de tudo,  sem permitir-se nem transmitir a quem  com ele interagia, qualquer sentimento de desesperança, de azedume ou de amargor, por maiores que fossem as dificuldades. Ao contrário, ele conseguia passar sempre, para todos nós, bom humor, alegria e esperança, por pior que fosse o momento vivido.
Sou testemunha de como Perseu exerceu enorme influência sobre uma geração, principalmente de estudantes, nossos alunos na UFBA.  Vários desses lembram até hoje de  histórias pessoais vividas com o Professor Perseu, as quais marcaram suas vidas; ora lhes ensinando a conciliar os estudos com a militância clandestina, sem ter que renunciar a uma coisa ou a outra; ora lhes mostrando, pelo exemplo, que era possível harmonizar a atuação política com a vida em família. Sim, porque Perseu era esse exemplo vivo: basta lembrar sua dedicação de pai e sua intensa participação na vida, na criação e na educação de Laís, Mário, Helena, Bia e Marta.
Mas também não posso esquecer o quanto nós mesmos, seus colegas professores, pudemos aprender com ele; com seu exemplo pessoal, com a clareza de sua visão política, de sua concepção do mundo, do socialismo e da justiça; e com sua enorme sabedoria.
Não sei se jamais conheci  outra pessoa que reunisse e combinasse, de forma tão harmônica, as qualidades  de coragem e de serenidade, a coerência e a ética inflexíveis, com a habilidade para negociar soluções concretas, a sofisticação do intelectual  com o sentimento de solidariedade e a simplicidade do trabalhador.
Este foi o Perseu Abramo que tive a felicidade de conhecer.