O massacre de Orlando: América e terrorismo
Cinquenta pessoas morreram e 53 ficaram feridas em um tiroteio em uma discoteca LGBT, em Orlando, Estados Unidos.
Por Lúcio Costa
Cinquenta pessoas morreram e 53 ficaram feridas em um tiroteio em uma discoteca LGBT, em Orlando, Estados Unidos.
O atirador foi Omar Saddiqui Mateen, cidadão americano e filho de pais afegãos. O FBI afirmou suspeitar que o assassino era simpatizante do dito Estado Islâmico e, este quiçá a aproveitar-se do episódio para fins de promoção assumiu o atentado. Agora, o assunto está a ser tratado como “ato de terrorismo”.
Desde o ponto de vista das grandes empresas de comunicação tudo estaria resolvido. No entanto, esta análise tem a profundidade de um pires se prestando mais a ocultar que a elucidar.
Conforme estudo de Adam Lankford, professor de justiça criminal, que avaliou dados de 171 países e foi apresentada em agosto de 2015, mesmo tendo apenas 5% da população mundial, os EUA concentraram 31% dos casos de tiroteios desse tipo entre 1966 e 2012. No período, o país registrou noventa episódios, mais do que os dois próximos países na lista somados: Filipinas (dezoito) e Rússia (quinze).
A pesquisa levou em conta apenas ataques em lugares públicos que resultaram na morte de quatro ou mais pessoas. Foram excluídos homicídios cometidos em disputas domésticas, roubos e sequestros.
“Não é coincidência que os Estados Unidos tenham a maior taxa de posse de armas do mundo e também o maior número de tiroteios em massa”, diz Adam Lankford, professor de justiça criminal na Universidade do Alabama, autor do estudo.
Desta maneira, incidentes como o banho de sangue ocorrido em Orlando são mais comuns em países onde a população civil tem mais acesso a armas – e os Estados Unidos lideram o ranking mundial nesse tipo de crime.
Ademais, segundo Lankford a pressão na sociedade americana para obter riqueza, sucesso e fama também contribui para a ação desses atiradores, muitas vezes movidos pela frustração por se considerarem fracassados.
Conforme o pesquisador “nos Estados Unidos, onde muitas pessoas são criadas para ter altos níveis de sucesso e atingir o american dream (sonho americano), aqueles que não conseguem atingir suas metas ou têm interações negativas com colegas ou chefes podem experimentar altos níveis de tensão. Se acrescentarmos depressão, esquizofrenia, paranóia ou narcisismo a essa mistura, pode explicar porque os Estados Unidos têm um número tão desproporcional de tiroteios públicos em massa”.
A revelar a frustração e a impotência frente à sociedade, (62%) dos tiroteios nos Estados Unidos no período estudado pelo professor Lankford se deram em escolas e locais de trabalho. Conforme ele, “os americanos se sentem dignos de altos níveis de sucesso e se tornam mais predispostos a perder o controle e culpar todos à sua volta quando falham”.
Aos elementos acima, há de acrescer que a pressão e a angústia próprios ao American Way off Life viram-se nas últimas décadas potencializados por um sentimento de frustração e derrota pessoal, pois dado o crescimento contínuo da pobreza nos Estados Unidos da América realizar o american dream – medido pelo acúmulo de riqueza e alto poder de consumo – é cada vez mais improvável para a maioria da população.
Conforme o Bureau do Censo estadunidense informa que a população que vive abaixo do nível de pobreza de lá estão em torno de 14,5% ou 45 milhões de pessoas.
Segundo da Fundação Annie E. Casey (2015), uma em cada cinco crianças estadunidense permanece na pobreza. No total, com relação a 2008, o número de crianças vivendo na pobreza aumentou em quase três milhões, passando de 13,2 para 16,1 milhões atualmente. Além disso, uma em cada sete crianças vive em comunidades com alto índice de pobreza, e o número delas em bairros onde o esse índice supera 30% é o maior desde 1990. Hoje, esse grupo da população em áreas de pobreza concentrada aumentou dois milhões na comparação com o período entre 2006 e 2010.
A frustração e falta de perspectivas sociais geradas pela crescente pobreza da sociedade estadunidense, somadas a presença de um discurso religioso e político ultraconservador expresso por variadas seitas religiosas que se dizem cristãs, pelo Tea Party e o protofascismo de Donald Trumph – os quais, aliás somados têm impedido qualquer alteração que limite o acesso e posse às armas de fogo – ajudam a decifrar o caldo de cultura em que nascem os espasmos de barbárie e intolerância, os crimes de ódio como o ocorrido em Orlando.
Em síntese: o problema não é o terrorismo, não são os árabes, mas a “América”. Uma sociedade doente, enferma.
Lúcio Costa é advogado.