Fórum 21 convoca a intelectualidade brasileira à defesa da democracia, contra o golpe
‘Necessário fazer dessa resistência uma ponte de repactuação da nossa riqueza e do nosso potencial, com o potencial e a riqueza do nosso povo.’
A democracia vive horas decisivas em nosso país. O ar empesteado de avisos da véspera, lubrificados pelo Jornal Nacional, e pelas manchetes desta fatídica 6ª feira, 4 de março de 2016, desdobrou-se na ruptura longamente cevada, desde outubro de 2014.
Os agentes da PF chegaram a residência do ex-presidente Lula e o levaram sob condução coercitiva. Praticamente sequestrado: durante horas não havia notícia oficial de seu paradeiro, com a desculpa de se evitar manifestações, ou seja, parecem temer o povo ou a democracia.
A revanche dos interesses derrotados nas eleições presidenciais do ano passado desfechou assim seu bote final contra a soberania das urnas. Dê-se a isso o nome que se quiser dar.
Os acontecimentos das últimas horas, a obscena sintonia entre a mídia e a polícia partidarizada, falam por si. O pudor e as aparências foram sacrificados em nome do que importa: a caça implacável à Lula, apontado pelo Datafolha, no início desta semana, o melhor presidente da história deste país, por 37% dos brasileiros
É impossível levar a cabo o projeto de restauração neoliberal preconizado pelos grandes interesses do dinheiro local e estrangeiro, com um estorvo que detém esse trunfo na urna. Não se trata da pessoa do ex-presidente.
O que foi sequestrado neste 4 de março de 2016 é o que ele representa em carne e osso – com todas virtudes e limitações da carne e do osso humanos. Os pilares erguidos desde 2003, na construção da grande ponte de acesso dos brasileiros aos direitos da civilização e da democracia social, estão sendo demolidos.
A caça a Lula, consumada agora, é a parte mais explosiva dessa faina demolidora, edulcorada de cruzada ética pela narrativa dominante. O Fórum 21 nasceu como um espaço ecumênico de aglutinação da inteligência brasileira. Reúne todos aqueles empenhados em contribuir para a construção da frente democrática e progressista em formação no país.
Não podemos subestimar o que temos pela frente a partir de agora. O assalto em curso visa a democracia, as lideranças que dificultam a subordinação radical do país aos interesses rentistas e, em última instancia, sonegar um futuro melhor ao povo brasileiro.
O ataque desfechado por José Serra esta semana às maiores reservas de petróleo descobertas no século XXI ilustra a força motriz desse mutirão. Dilapidar o pré-sal e o potencial que ele representa em direitos e autonomia econômica simboliza o modelo que eles querem vestir a fórceps no país. Isso não se faz sem o uso da força.
Reacende-se a velha fornalha que incinerou ou tentou incinerar governos, soberania e direitos em 1932, 1954, 1962, 1964, 1989 … Hoje, como das vezes anteriores, vivemos uma transição de ciclo de desenvolvimento.
Esgotou-se um capítulo do crescimento brasileiro. Outro precisa ser construído. A complexidade da travessia consiste no fato de que o velho já não atende às necessidades nacionais, mas o novo ainda não se estruturou para servi-las. Estamos na soleira de escolhas cruciais na vida de uma nação.
O passo seguinte terá como bússola a solidez econômica voltada para atender as necessidades e urgências do nosso povo? Ou o país, seu parque fabril, seus recursos e seu gigantesco mercado de massa serão reduzidos a um anexo de interesses dissociados das urgências nacionais?
É isso que está em jogo nas horas que rugem. Para resistir não basta a emoção. É preciso organização –local, regional, nacional. É preciso impulsionar uma espiral ascendente de mobilizações, consistentemente preparadas.
O Fórum 21 conclama seus integrantes, o mundo acadêmico e todos os intelectuais brasileiros a cerrarem fileira ao lado da democracia. Não apenas para resistir. Mas para fazer dessa resistência uma ponte de repactuação da nossa riqueza e do nosso potencial, com o potencial e a riqueza do nosso povo. Esse é o sentido das reuniões que o Fórum 21 convocará em seguida, para discutir o novo degrau do golpe, a crise econômica, a partidarização da justiça e a manipulação do discernimento social pela mídia.
Essa maratona não se confunde com uma tertúlia acadêmica. Trata-se de aglutinar a inteligência brasileira para refletir e agir. E isso significa, entre outras coisas, levar a círculos amplos da população a verdadeira natureza do embate que se acirra e se acelera. O embate entre um projeto de sociedade para 30% de sua elite; ou a árdua luta pela construção de uma verdadeira democracia social no Brasil.
Em breve, a agenda de encontros do Fórum 21 nas universidades e capitas brasileiras será divulgada. Todos nós sabemos de que lado devemos marchar. Trata-se agora de exercer integralmente esse discernimento juntando forças na trincheira ecumênica do Fórum 21 e de outras iniciativas democráticas em curso. Resistir ao golpe para construir um Brasil mais justo e soberano: essa é a tarefa para a qual a História nos convoca nesse momento.
Só podemos cumpri-la juntado forças em torno da nossa maior arma: a palavra engajada.