A conclusão das negociações da Parceria Transpacífica (TPP)
Nesta última segunda-feira, 5, foi anunciada a conclusão das negociações da Parceria Transpacífica (TPP), cujos países (Estados Unidos, Canadá, México, Peru, Chile, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Cingapura, Tailândia, Brunei, Vietnã) respondem por 30% do comércio e 40% do PIB mundiais. Para além da redução de barreiras tarifárias e não tarifarias, vários pontos da megaparceria apontam para a desregulamentação das restrições ao comércio de serviços (como serviços financeiros, engenharia, software, educação), compras governamentais e em proteções mais rígidas aos direitos de propriedade intelectual e investimentos das multinacionais.
O TPP está sendo noticiado pela imprensa como o maior acordo comercial da história. Baseado em estimativas, o noticiário nacional tem destacado potenciais perdas para as exportações brasileiras, embora o conteúdo do acordo ainda não seja conhecido. Contudo, como lembra o Nobel de economia Joseph Stiglitz (artigo citado ao final), o TPP “não é sobre livre comércio, mas sobre a administração do comércio e das relações de investimentos em nome dos lobbies empresariais mais poderosos”. De fato, dos 11 países envolvidos, os EUA já possuem acordos de livre comércio com seis deles.
Embora o conteúdo do acordo ainda não seja público, um dos pontos mais controversos das negociações se deu na área de biotecnologia, especialmente com relação ao período de retenção de dados relativos à fabricação de medicamentos de alta tecnologia a partir de organismos vivos (usados principalmente em tratamentos de câncer). Os EUA e o lobby das multinacionais farmacêuticas defendiam um monopólio de 12 anos até a liberação da produção de biossimilares. Como a base destes medicamentos são organismos vivos, não se trata da aplicação das mesmas regras de patentes para compostos químicos (embora haja potencialmente uma sobreposição de regras relativas à proteção de dados). Segundo notícias, o acordo final teria fixado um prazo mínimo de proteção de dados de 5 anos, sem referências a prazos máximos.
Outro tema polêmico diz respeito às cláusulas de proteção a investimentos, que devem estabelecer mecanismos internacionais de arbitragem (ISDS – Investor State Dispute Settlement) que abrem caminho para que grandes investidores processem Estados signatários por eventuais leis e regulamentações que sejam percebidas como prejudiciais a estes investimentos. Um caso bastante conhecido (no âmbito de uma cláusula semelhante vigente num acordo entre a Austrália e Hong Kong) foi o processo movido por uma multinacional do setor tabagista, com sede em Hong Kong, contra o governo australiano por uma lei antitabagista, que proibia a exibição de qualquer tipo de marca ou imagem nas embalagens de cigarro. Por conta das pressões causadas por este caso, notícias relatam que as empresas de tabaco ficaram de fora do ISDS e, deste modo, estariam proibidas de usar este mecanismo no TPP. Mas há inúmeros casos semelhantes – relacionados a multinacionais de outros setores – no âmbito de acordos de livre comércio já em vigor, principalmente contra regulamentações ambientais.
A Parceria Transpacífica avança na regulamentação de uma série de temas que vem encontrando resistências de países em desenvolvimento, como os BRICS, no âmbito das negociações multilaterais na OMC. Além da dimensão econômica, a megaparceria recém anunciada faz parte de uma estratégia mais ampla dos EUA para a Ásia, para contrabalancear a ascensão chinesa, incluindo maior presença militar na região.
Embora o anúncio do final das negociações tenha sido feito esta semana, o caminho para a entrada em vigor ainda é longo, já que precisa ser ratificado em todos os países signatários. Nos EUA, em junho passado, a votação do fast track no Congresso deu mostras das possíveis dificuldades, já que contou com a oposição de vários democratas e só foi aprovado com o voto de parte significativa dos republicanos. Bases importantes de apoio aos democratas, como sindicalistas e ambientalistas, desde o início vinham criticando o caráter secreto, a falta de transparência nas negociações e o acesso privilegiado das grandes corporações às instâncias negociadoras. A votação do acordo propriamente dito deve encontrar ainda mais resistências pois, de acordo com os prazos internos, deve ocorrer no mínimo a partir de fevereiro de 2016, portanto, em plena campanha das primárias para as eleições presidenciais no país. No campo democrata, o desafiante de Hillary Clinton, senador Bernie Senders já lançou uma campanha contra a assinatura. A senadora Clinton, que foi uma arquiteta importante do TPP durante sua passagem pela Secretaria de Estado, passou a se esquivar do tema como pré-candidata. Entre os republicanos, o pré-candidato que ocupa atualmente a liderança da corrida presidencial nas primárias, Donald Trump, também manifestou sua oposição ao TPP. A votação promete ser permeada de dificuldades e contradições, já que os candidatos precisarão conciliar o discurso eleitoral com os poderosos lobbies empresariais favoráveis ao acordo.
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