Paulo Illes trata de políticas para migrantes no entrevistaFPA
Coordenador de Política para Migrantes na SMDHC da Prefeitura de São Paulo falou sobre o contexto brasileiro e o caso paulistano
Por David da Silva Jr
No dia 9 de setembro, o entrevistaFPA recebeu Paulo Illes, coordenador de Política para Migrantes na Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, membro do Comitê Internacional do Fórum Social Mundial de Migrações e da rede sul-americana Espaço Sem Fronteiras. Illes tratou de diversos assuntos. Confira abaixo alguns tópicos abordados e a íntegra da entrevista em vídeo.
Migração no Brasil
“A gente percebe nos últimos anos uma mudança no perfil das migrações para o Brasil. O Brasil é um país de imigrantes; nós temos vários ciclos de migração em nossa história. Alguns ciclos aos quais poderia se vincular migração com colonização e tivemos ciclos também de emigração, aqueles em que os brasileiros saíram do país, chegando a proporções de mais de um milhão, por exemplo, nos EUA. Hoje vivemos esse refluxo, tanto de brasileiros voltando para o Brasil como de imigrantes vindo de diversos lugares do mundo para cá”. Segundo Illes, em 2010, havia em torno de 950 mil imigrantes no país; hoje, este número gira em torno de 1,7 milhão. Ele salienta que, embora pareça muito, isso representa menos de 1% da população, percentual muito menor que em outros países com condições parecidas com as do Brasil. Na cidade de São Paulo, o contingente hoje é de cerca de 600 mil imigrantes.
Coordenadoria
Na edição de 2010 do Fórum Social Mundial de Migrações, em Quito, no Equador, o fórum reforçou a necessidade de municipalizar os debates e políticas sobre migração, pois o migrante constrói suas referência nas cidades. Illes aponta que na maioria dos países, estas políticas gravitam em torno do governo central. Segundo ele, nesta época, já havia um movimento muito forte em São Paulo para que a cidade começasse a pensar em políticas municipais para os imigrantes. O entrevistado lembra que, durante a campanha eleitoral, o prefeito Fernando Haddad fez reuniões com imigrantes, assumindo o compromisso de pensar em uma política que atendesse as demandas desta parcela da população.
Neste processo, foi criada a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e, no âmbito desta secretaria, a Coordenadoria de Política para Migrantes, já tendo Illes como responsável. Segundo ele, o principal foco da coordenadoria tem sido colocar o migrante no papel de sujeito histórico da cidade de São Paulo, valorizando sua culturas. Neste sentido, ainda em 2013, a coordenadoria realizou a 1ª Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes, de onde saíram as reivindicações que têm orientado seu o trabalho. Além disso, a Prefeitura garantiu a imigrantes espaço no Conselho Participativo da cidade. Este trabalho ganharia novos rumos em abril de 2014, quando chegaram do Acre em torno de 1.900 haitianos em uma semana.
Haiti
Illes aponta a migração haitiana como o grande desafio para a política migratória brasileira Embora já houvessem alguns haitianos no Brasil, só depois do terremoto de 2010 é que este fluxo migratório ganha corpo, o que tem mostrado a necessidade de discutir políticas permanentes de inserção social do migrante. “Não podemos pensar em tratar esses fluxos migratórios como temporários. Termina um ciclo e vem outro”.
Apesar do aumento da entrada de haitianos já em 2010, Illes diz que a prefeitura foi surpreendida pelo contingente de haitianos que chegou a São Paulo em meados de 2014, o que levou a coordenadoria a trabalhar em caráter emergencial para colocar em funcionamento aparelhos públicos capazes de atender à nova demanda. Já em agosto daquele ano foi inaugurado o Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes, que oferece atendimento em diversos idiomas, agendamento na Polícia Federal, intermediação para trabalho e informações sobre regularização migratória, documentação, cursos de qualificação, acesso aos serviços públicos municipais, apoio jurídico e psicológico, e cursos de idioma e qualificação profissional. “Todo ser humano merece ser acolhido com dignidade, onde quer que chegue”.
Xenofobia
Illes aponta dois diferentes paradigmas no Brasil: de um lado, o de que o povo brasileiro é acolhedor; de outro, o de que não é. Segundo ele, o Brasil é um dos países que menos recebem imigrantes no mundo, mas o bombardeio da grande mídia leva muitas pessoas a ver na figura do imigrante a pessoa que roubará seus empregos. Para Illes, casos de xenofobia como o que aconteceu no Glicério (bairro da região central), em São Paulo, não são isolados; mas é importante perceber que o europeu que vem para o Brasil dificilmente é visto como um risco, enquanto as pessoas que saem de seus países por conta da situação de grande vulnerabilidade o são.
PL 2.516/2015
O Estatuto do Estrangeiro, resquício da ditadura, enxerga o refugiado como risco à segurança nacional, impondo inclusive limites à liberdade, de acordo com Illes. O PL 2.516 representa um enorme avanço ao olhar para o imigrante do ponto de vista dos direitos humanos. Ao fazer isso, supera vários problemas da legislação atual, mas ainda cabem algumas ressalvas. Por exemplo, o projeto ainda faz uma diferenciação entre imigrantes registrados e não registrados, criando duas categorias de direitos. Uma outra questão grave é a impossibilidade de registrar imigrantes que respondem processos ou foram processados. O projeto também abre a possibilidade de envio de imigrantes ao sistema carcerário ao colocar como barreira para entrada no país a suspeita de falsidade da documentação, pois não dá para aferir isso na chegada. Existem muitas barreiras aos migrantes, como os valores cobrados na emissão de documentos e a ação da Polícia Federal na análise dos casos; precisamos tirar da PF esta competência, pois ela não dá conta de respeitar os direitos dos imigrantes.
FSM de Migrações
Na entrevista, Illes comemorou a escolha de São Paulo como sede para a edição 2016 do Fórum Social Mundial de Migrações. Além do Brasil, o México também se candidatou a ser sede do fórum. Os dois países apresentaram propostas completamente diferentes: os mexicanos pretendiam denunciar o ataque aos direitos humanos e o horror do “coiotismo” (a ação dos “coiotes”, pessoas que cobram para fazer a travessia na fronteira) na rota para os EUA; São Paulo, por outro lado, pretendia mostrar que uma acolhida inovadora que constrói políticas respeitando os direitos humanos é possível. O Comitê Internacional optou pela proposta paulista.
Illes espera que o fórum seja afirmativo do modelo paulistano de acolhimento e que o evento tenha o imigrante como protagonista. O entrevistado apontou problemas que a política de migração brasileira apresenta e que espera que o fórum some forças para ajudar a superar, por exemplo, a não ratificação pelo país da convenção da ONU que defende os direitos dos trabalhadores migrantes e o não reconhecimento do direito de voto ao imigrante.
entrevistaFPA
O programa entrevistaFPA é composto por quatro blocos de 15 minutos, sendo que o último bloco conta com perguntas enviadas pelos internautas. O programa já contou a participação do economista João Sicsú, do ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, do professor Reginaldo Carmelo de Moraes, do sociólogo Jean Tible, o diretor do Instituto Lula, Luiz Dulci, de Rosane Bertotti, da CUT, Paulo Vannuchi, membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Genoíno, deputado federal, e Rogério Sottili, secretário municipal de Direitos Humanos de São Paulo, João Pedro Stédile, membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas.
Também já participaram Jefferson Lima, secretário nacional de Juventude do PT, Miriam Nobre, da Marcha Mundial das Mulheres, William Nozaki, da Coordenação de Promoção do Direito à Cidade da Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo; Alessandro Melchior, da Coordenação de Políticas LGBT da Prefeitura de São Paulo; o advogado Marcelo Dias, presidente da Comissão da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil, do Rio de Janeiro, e o ministro Gilberto Carvalho, que falou sobre a política nacional de participação social; Antônio Silva Pinto, secretário da Promoção da Igualdade Racial da prefeitura de São Paulo, e com o ator Sergio Mamberti; o deputado estadual pelo PT em SP, João Paulo Rillo; o jornalista Altamiro Borges; e o cientista político Antonio Lassance.
Fotos por Marcelo Vinci e Marcio de Marco