Uma grande vitória, uma grande derrota
Por Jutai Moraes
O ano de 1914 foi marcado por uma grande desgraça: o início da Primeira Guerra Mundial. Esta guerra, a mais mortífera e devastadora até então produzida pelo homem foi o ápice da disputa imperialista entre as grandes potências européias e significou o fim de uma era de prosperidade e domínio mundial da velha Europa e o inicio de uma era de domínio americano e carnificinas aterradoras.
Em fins de 1914, aquele terrível, poderoso, gigantesco, instável e decadente império russo, a Rússia dos Czares, se encontrava em uma situação contraditória nesta guerra que exacerbou as contradições capitalistas a um ponto nunca atingido anteriormente. O império dos Romanoff havia sofrido uma derrota esmagadora em Tannenberg e nos lagos Mazurianos pelos exércitos do império alemão e por outro lado tinha conseguido uma vitória espetacular na série de batalhas que ficaram conhecidas como batalha da Galícia (Polônia austríaca), quase colocando o império austro-húngaro fora da guerra, o que fatalmente poria fim à própria guerra.
Guardadas as devidas proporções , 100 anos depois neste final de ano de 2014 o PT se encontra na mesma situação do extinto Império dos Czares. Tivemos uma enorme vitória conquistando pela quarta vez consecutiva a Presidência da República do Brasil, sob as condições mais difíceis da nossa história, contra um conjunto de forças políticas, econômicas e sociais que usaram de todos os meios para nos derrotar e mais que isso nos destruir, na campanha mais dura, mais sórdida, mais violenta e mais suja que um partido já sofreu neste país.
Por outro lado sofremos uma grande derrota política, com o enfraquecimento da nossa bancada, quantitativa e qualitativamente, com a constituiçJutai Moraesão de uma força política e social de viés autoritário, xenófobo, racista, fascista e militantemente antipetista, com a nossa militância cada vez mais na defensiva e o desgaste político e social do nosso projeto e do nosso partido, que nos fez sair destas eleições em situação de fragilidade. Estas eleições estabelecem um divisor de águas e um aviso. O divisor de águas é que acabou o tempo das disputas meramente parlamentares e da oposição de direita restrita ao parlamento e á mídia, a disputa foi para as ruas e vale tudo, dentro ou fora da lei. O aviso vem da nossa própria base social. Os trabalhadores, a juventude, os pobres, enfim “os de baixo” nos mandaram um recado claro: nossa política não pode ser mais do mesmo.
O novo governo Dilma tem que ser um governo claramente de esquerda, este foi o mandato que a população nos deu e precisamos enfrentar as grandes questões que até então nos esquivamos no governo e no PT. Em primeiro lugar o PT e o governo têm que fazer disputa ideológica, disputa de valores e cultural ou fatalmente nosso projeto será derrotado. Fazer disputa ideológica significa romper com as ilusões de que a sociedade e as forças políticas operam fora do quadro da luta de classes, estas últimas eleições foram luta de classes na veia, com a constituição de uma força social e política de direita e extrema direita com o objetivo de nos destruir e não só nos derrotar, portanto, os floreios e salamaleques das disputas parlamentares são apenas neblina para esconder o jogo bruto, não perceber isso é suicídio e estupidez.
Temos que propor e construir a nova política, pois se Marina Silva desmoralizou este conceito com a adesão descarada às forças do retrocesso e do atraso, não podemos cometer a sandice de achar que a nossa própria base social já não se encontra farta e enojada com a podridão do sistema político brasileiro e nos exige mudanças claras e concretas. A Reforma Política, por meio do Plebiscito e Constituinte exclusiva, é a primeira batalha desta guerra de classes que se descortina no próximo período. Esta é uma batalha que temos que lutar, mesmo que percamos, mas temos que lutar, disputar, debater e ganhar as ruas, pois a batalha cria consciência e fortalece nosso exército e nosso projeto, já a mera disputa parlamentar, sem povo, sem vida, fortalece apenas os nossos inimigos.
O sistema político brasileiro chegou ao seu limite e é cada vez mais incapaz de representar a sociedade, por isso temos que encarar a Reforma política não apenas como um meio de baratear campanhas e dar alguma racionalidade ao caos partidário brasileiro, isto é nada. A Reforma política tem que colocar na ordem do dia expressões que se tornaram heresias mesmo no PT, tais com democracia direta, conselhos populares e poder popular, caso contrário será mais um engodo. Não nos iludamos, a correlação de forças atual nos é muito desfavorável, portanto temos que agir para mudar a correlação de forças.
A movimentação do PT e do governo tem que ser no sentido de sair da armadilha da disputa meramente institucional/parlamentar e investir na luta social, retomando a relação com os movimentos sociais em outro patamar que não a utilização instrumental nos momentos de aperto e orientando a política no sentido de atender as grandes demandas represadas dos movimentos como a reforma agrária e urbana, a melhoria dos serviços prestados pelo estado, em especial, saúde, educação, segurança e transporte públicos, o acesso a Internet de qualidade para todos, o combate efetivo ao monopólio dos meios de comunicação de massas entre outros. Estes eixos articulados com um padrão mais elevado de intolerância com a corrupção e a impunidade no trato da coisa pública e uma política econômica que retome o crescimento e aumente a inclusão nos permitirão sair da situação de fragilidade em que nos encontramos.
Este texto é uma primeira reflexão pós-eleitoral, portanto incompleto e cheio de imprecisões, mas considerei necessário fazê-lo, por duas razões: a primeira e que sinto no debate partidário uma grande perplexidade de um lado e um tom de vitória (embora tímido) que analisa apenas a conquista da Presidência da República e esquece grande derrota política sofrida pelo partido. A segunda razão é a minha preocupação com um certo viés acomodacionista que mais o governo e menos o PT transparece, já que esta postura em minha opinião equivale a uma capitulação e decreta o fim do governo que nem começou e a derrota do PT e do nosso projeto para o país.
Jutai Moraes é economista e filiado ao Partido dos Trabalhadores (BA).