Por Tássia Rabelo

Uma tragédia abalou o Brasil e estremeceu uma disputa presidencial que passou pelos sobressaltos de junho e julho de 2013, bem como pelo “teste” da Copa do Mundo, e em seguida adentrou um momento morno e estável. A presidenta Dilma mantinha-se em primeiro nas pesquisas e há tempos os demais candidatos estavam estagnados. Um amigo me dizia recentemente que só uma hecatombe poderia mudar o rumo desta eleição, e ela veio.

Poucas coisas poderiam ter sido tão inesperadas e lastimáveis quanto a morte prematura do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos. A queda do avião que tirou sua vida e de outras seis pessoas, trouxe impactos não apenas para seus familiares, amigos e, no caso de Campos, correligionários, mas também para os caminhos a serem trilhados no próximo período eleitoral.

Político carismático e bem avaliado no mais alto cargo eletivo que exerceu, Eduardo padecia de três problemas centrais: era o menos conhecido dentre os três candidatos competitivos, não possuía uma máquina partidária eleitoral nacionalizada e com clara prioridade de eleger o próximo presidente da república, e sua saída tardia do Governo Dilma, ainda pouco explorada, dificilmente seria justificável perante o eleitor. Por outro lado, uma de suas fortalezas junto ao eleitor era sua vice, Marina Silva.

Na comparação com Campos, Marina Silva, junto com Dilma Rousseff, é beneficiada por ter sido candidata na última eleição e já ser conhecida pelo eleitorado. Aécio, que estava bastante à frente de Campos neste quesito, mas ainda não atinge os quase 100% dos eleitores como suas concorrentes, terá a tarefa de, antes de convencer os eleitores de que é a melhor opção, tornar-se conhecido por estes. Vale ressaltar ainda que se Dilma tem a maior rejeição, uma média de 35% no acumulado das pesquisas, Aécio se destaca por ter 18% mesmo sem ser tão conhecido pelo eleitor como a atual presidenta, Marina aparece em penúltimo, com apenas 11% de rejeição.

Se junto ao eleitor Marina tem vantagens com relação a Eduardo Campos e também a Aécio, a ausência de uma máquina eleitoral robusta, de fato nacionalizada e com objetivos comuns segue sendo um problema, agravado pelo fato de Marina abertamente dizer que pretende sair da sigla quando criar a Rede, gerando desconfiança e inevitável descontentamento interno.

Para, além disso, Marina também gera desconfiança entre importantes apoiadores do partido, como setores ligados ao agronegócio, problema que o PSB parece tentar resolver por meio da indicação de Beto Albuquerque como seu vice. Fraquezas e fortalezas de Marina à parte, neste artigo pretendo focar nas suas tendências de intenção de votos para o pleito de outubro.

A análise dos dados
Na primeira pesquisa após a morte de Eduardo Campos, sua vice, ainda não confirmada como substituta na candidatura à presidência, voltou às pesquisas com 21% das intenções de voto. Segundo o Datafolha, Marina está tecnicamente empatada com o senador Aécio Neves e Dilma mantém a liderança, com 36% das preferências. Alguns analistas políticos, e comentaristas pró-Dilma adeptos à teoria do “copo meio cheio”, afirmam que o resultado da pesquisa reflete uma comoção momentânea que não se refletirá no resultado eleitoral, há até quem diga que se trata de uma manipulação dos dados, não penso que seja o caso.

Pesquisas eleitorais são uma fotografia do momento, tornam-se obsoletas logo em seguida da sua construção, pois novos fatos podem fazer com que o eleitor mude de opinião, se assim é, onde reside a relevância das pesquisas de intenção de votos? Nas tendências, na composição do quadro geral da disputa.

As pesquisas não foram feitas para acertar o resultado exato das intenções de votos dos candidatos, e não devem ser analisadas como tal. Em se tratando de uma fotografia, é óbvio que é central saber o dia em que a pesquisa foi realizada e se há algum ponto fora da curva que poderia influenciar seu resultado. A grande exposição midiática após a morte de Eduardo, aliada à tentativa de criação de uma comoção nacional entorno da tragédia, pode ter tido sua influência na pesquisa realizada nos dois dias seguintes a morte do candidato à presidência, para fugir a este possível viés, pretendo relacionar os dados desta pesquisa com as anteriores, verificar se a tendência aponta para a manutenção ou não do alto patamar de intenções de votos de Marina.

Alguns motivos me levam a supor que o impacto da morte de Eduardo Campos pode ter pouca ou nenhuma relação com os números encontrados pela pesquisa do Instituto Datafolha de 14 e 15 de agosto. Tenho total concordância que votos não são transferidos automaticamente de uma eleição para outra, mas assim como o apoio de uma figura pública, como Lula, por exemplo, tem impacto na votação de outro candidato, como foi o caso de Dilma, os vinte milhões de votos de Marina em 2010 não podem ser ignorados nas análises para esta eleição. Algumas tendências identificadas em 2010 ainda se mantém é caso do percentual de intenções de voto entre a juventude e nas regiões Sudeste e Centro-Oeste.

Para os mais incrédulos, porém, apresento a evolução das intenções de voto de Marina entre outubro de 2013 e agosto de 2014. O Datafolha realizou quatro pesquisas antes da morte de Eduardo Campos em que trabalhou com o cenário no qual os candidatos à presidência seriam Dilma Rousseff, Marina Silva e Aécio Neves, na média das quatro pesquisas Dilma aparece com 41%, Marina 26% e Aécio 16%, se considerarmos que essas simulações não incluíam os outros candidatos que hoje representam 6% das intenções de voto, chegaremos a um cenário bastante similar ao trazido pela pesquisa de agosto, na qual Dilma apresenta 36% das intenções de voto, Marina 21% e Aécio 20%. Ou seja, agosto não representa um ponto fora da curva, mas a continuidade de uma tendência que vem se desenvolvendo há quase um ano1.

Dito isso, considero importante buscarmos compreender a origem das intenções de voto dos candidatos, dessa forma será possível delinear o que Marina trás de novo para o cenário das eleições 2014.

Na última pesquisa do Datafolha, após a morte de Eduardo, Dilma manteve a mesma intenção de votos que tinha na pesquisa de julho de 2014, ainda sem Marina e com Campos dentre os presidenciáveis, Aécio também manteve o mesmo patamar de intenções de voto da pesquisa anterior, o que indica que, para além da migração de votos de Eduardo Campos, Marina também foi beneficiada por aqueles que antes votariam em branco ou anulariam seus votos, ou ainda estavam indecisos.

A pesquisa de agosto mostra que com o fator Marina, a parcela de eleitores que votariam em branco ou anulariam o voto cai de 13% (julho) para 8% (agosto cenário com Marina) dos eleitores, enquanto os indecisos variam de 14% (julho) para 9% (agosto cenário com Marina). A série histórica dos indecisos tem uma variação residual nos cenários com e sem Marina entre outubro de 2013 e abril de 2014, e também na primeira pesquisa em que ela não aparece em nenhum cenário como candidata no mês de maio, em junho de 2014, porém, os indecisos saltam de 8% para 13%, passando para 11% no início de julho, e 14% na pesquisa realizada no meio daquele mês. Na pesquisa de agosto a tendência recente se mantém no cenário sem Marina, mas quando esta é citada como candidata na estimulada, os indecisos caem para 9%.

Chama ainda mais atenção as diferenças encontradas entre os brancos e nulos nos dois cenários. Em todos os cenários nos quais Marina é citada como candidata há uma queda nas intenções de voto brancos e nulos de no mínimo 5%. Destaco ainda que nas quatro pesquisas realizadas entre maio e agosto, nas quais Marina não era candidata à presidência, os patamares de brancos e nulos se mantiveram acima de 10%.2

Analisando a pesquisa de maneira mais detida podemos observar que, apesar da manutenção das intenções de voto de Aécio com relação à pesquisa de julho, Marina cresce entre a parcela dos eleitores que mais se identificam com o tucano. Dentre os seus eleitores, Aécio tem a maior porcentagem de intenções de voto nos que possuem nível superior, e recebem cinco salários mínimos ou mais, destacando-se como o candidato com mais alta intenção de votos entre os eleitores que recebem mais de dez salários mínimos. Na simulação sem Marina, Aécio volta mantém sua larga vantagem sobre Dilma entre os eleitores com curso superior (39% a 26%), no eleitorado com renda familiar entre 5 e 10 salários (42% a 27%), e principalmente entre aqueles com renda familiar superior a 10 salários (47% a 25%).

Considerando que há uma intercessão entre os eleitores com nível superior e os mais ricos, fica explícito o papel da classe social na definição do voto dos eleitores. Reforçando esta tese, o desempenho de Dilma nestes dois setores é inversamente proporcional ao de Aécio.

Marina por sua vez, empata tecnicamente com Aécio nas intenções de voto dos eleitores com nível superior e que recebem cinco salários mínimos ou mais, e se mantém a frente de Dilma, mas se distancia do tucano dentre os que recebem mais de dez salários. Para além da questão de classe Marina se diferencia dos dois outros candidatos na juventude, apresentando oito pontos percentuais a mais que sua intenção de votos geral na faixa etária entre 16 e 24 anos, chegando ao empate técnico com Dilma.

Com ou sem Marina, Dilma tem intenções de votos mais baixas dentre os eleitores com renda e escolaridade mais altas, portanto, excetuando-se a juventude, Marina tem acessado, para além de parte dos que votariam branco ou nulo, os indecisos com perfil mais próximo ao dos eleitores de Aécio, dificultando seu crescimento. Dentre os indecisos que poderiam vir a votar em Dilma, Marina incide na juventude. Na pesquisa de agosto no cenário sem Marina, Dilma aparece 40% dos votos dentre os eleitores 16 a 24 anos, no cenário com Marina essas intenção de votos cai para 32%.

Em termos regionais, a região Sudeste, que possui o maior contingente eleitoral, apresenta uma disputa acirrada entre os três nomes: Dilma tem 29% das intenções de voto, Aécio 24% e Marina 22%. A situação é similar no Centro-Oeste, Dilma aparece com 28%, Aécio com 27% e Marina com 25%. Dado que para Marina não é novidade se compararmos com a eleição anterior.

Em termos regionais, o diferencial desta eleição é o crescimento de Marina no Nordeste, fenômeno que, aí sim, pode ser associado a Eduardo Campos. Se no Nordeste Dilma abre vantagem com 47%, Marina também se destaca ao destoar de sua intenção de voto em 2010 na região, passando de 12% para 20% das intenções de voto em agosto de 2014. O impacto de Marina, e neste caso de Eduardo, fica mais nítido no Nordeste quando avaliamos o cenário sem Marina, no qual a presidenta aparece com 55%, crescendo oito pontos percentuais, enquanto Aécio cresce apenas três.

O principal indicativo de que Marina aproximou os indecisos e insatisfeitos jovens, com alto índice de escolaridade e/ou renda, é que dentre os indecisos, brancos e nulos, a maior redução se deu exatamente dentre esses eleitores com a entrada de Marina.

Em um possível segundo turno em que se enfrentariam Dilma e Marina, a pesquisa registra um empate técnico no limite da margem de erro, com a candidata do PSB obtendo 47% das intenções de voto e Dilma 43%. Na última pesquisa realizada no primeiro turno de 2010, Dilma aparecia com 52% e Marina com 40%, percentuais idênticos aos da simulação com Serra. Em 2010, Marina já empatava tecnicamente com Dilma entre os mais jovens, e perdia para a então candidata do Partido Verde entre os eleitores com nível superior e mais de dez salários mínimos. 

De acordo com o Datafolha, a avaliação do governo Dilma melhorou em relação à pesquisa de um mês atrás. O índice de ótimo/bom da administração passou de 32% para 38%, enquanto o de ruim/péssimo recuou de 29% para 23%, mas esta significativa melhora não se converteu em crescimento nas intenções de voto. Tenho acordo com os analistas que apontam que, apesar do quadro que possa ser ainda desenhado, Dilma chegou ao seu piso de votos e tende a não cair abaixo de 36%, mesmo com Marina, resta saber se apenas isso seria necessário para levá-la à vitória no segundo turno.

Considerações Finais
A primeira fase da campanha, até o início do horário eleitoral na televisão e no rádio, é caracterizada por um menor interesse dos eleitores pela disputa, isso se reflete nos altos índices de indecisos registrados, historicamente, nas pesquisas durante este período, e tendem a favorecer os candidatos mais conhecidos do eleitor. A variação deste índice em pesquisa realizada antes do início do horário eleitoral demonstra que uma nova atriz no cenário político pode ter sido a motivação para alguns tomarem sua decisão, e para o retorno a arena eleitoral dos que não se sentiam contemplados com nenhuma das opções disponíveis.

Esse fator dificulta os planos da campanha de Dilma que buscava crescer dentre os 13 a 14% de indecisos por meio da larga vantagem de tempo de televisão que sua coligação possui, novas táticas precisarão ser traçadas. No que tange a campanha de Aécio, com menos gordura para queimar, não restam opções a não ser desconstituir Marina enquanto uma opção para o Planalto.

Para os que acreditam que este é um cenário positivo para a esquerda, relembro apenas que a direita não se resume ao PSDB, pois não ser organiza de forma exclusivamente partidária, e, portanto pode assumir táticas diferentes das adotadas pela campanha de Aécio. Sem catastrofismo, é importante ressaltar que para muitos o central é evitar mais quatro, ou oito anos do PT à frente do Governo Federal, o resto se vê depois. Com ou sem sua Carta aos Brasileiros, que já parece estar em plena confecção, Marina pode ser a tábua de salvação da direita.

Notas
1- A única pesquisa que insere outros candidatos é a de agosto de 2014.
2- Os dados do gráfico referem-se aos cenários alternativos entre outubro de 2013 e abril de 2014 em que os resultados da estimulada Dilma, Aécio e Eduardo Campos estão na primeira coluna, e os da pesquisa Dilma, Aécio e Marina na segunda. No mês de agosto a primeira coluna refere-se ao cenário Dilma, Aécio e outros, e a segunda Dilma, Aécio, Marina e outros.

Tássia Rabelo é doutoranda em Ciência Política – IESP/UERJ