FPA participa do Fórum Social Mundial
Em parceria com a Fundação Maurício Grabois, o presidente Marcio Pochmann participou de um debate com o presidente do PCdoB, Renato Rabelo, em Porto Alegre
Por Cezar Xavier
O presidente da Fundação Maurício Grabois, Adalberto Monteiro, destacou a importância do debate e da parceria constante entre as instituições. Segundo ele, as fundações têm tradição e histórico de realizar seminários e debates no âmbito do Fórum Social, tanto no Brasil, quanto no exterior. “Esta determinação vem da convicção das duas instituições de que sem a luta do povo e sem a mobilização dos trabalhadores, nenhuma nação, nenhum país, pode vencer. A força do povo, de suas entidades e movimentos, na nossa ótica, é um componente indispensável para que possamos realizar os projetos de mudança e transformação da sociedade”, afirmou.
Os presidentes do PCdoB, Renato Rabelo; da Fundação Maurício Grabois, Adalberto Monteiro; e da FPA, Marcio Pochmann (da esq. para dir.)
Monteiro lembrou que 2014 se anuncia um ano de grandes lutas e embates, quando estará em jogo o destino da nação, a trajetória do país e os direitos dos trabalhadores. Para onde vai o Brasil? Se segue caminhando na direção da democracia, da soberania e dos direitos sociais ou se retrocede. “A convicção das fundações é que precisamos da união e da mobilização do povo, mas precisamos de ideias que fertilizem a nossa jornada transformadora, que alimentem o ânimo da nossa luta. Sem elas, nós não iríamos vencer as batalhas que nos aguardam”.
Leia abaixo a palestra de Marcio Pochmann
Síntese, balanço e desafios
Temos promovido esforços de síntese e balanço desses anos, em que buscamos construir uma narrativa dos últimos dez anos, por meio de eventos diversos que envolveram 400 intelectuais de 62 universidades, além de lideranças políticas e sociais. Foram produzidos quase 50 livros sobre as realidades estaduais.
São três governos construídos, numa experiência singular com pouca tradição democrática. É a primeira vez, na história do Brasil, que temos uma continuidade programática do ponto de vista das forças que fazem parte de um governo democrático, a despeito dos governos cujos programas não foram decididos nas urnas.
Novo federalismo
Estamos defendendo a ideia de um novo federalismo, com o fim do ciclo do “são-paulismo”, referência no século passado. A ideia de que o Brasil era uma ferrovia que tinha uma locomotiva, que era São Paulo, que puxava os demais vagões. O sonho das elites estaduais era copiar São Paulo e sua industrialização. O auge dessa experiência que vigorou no Brasil, foi no final dos anos 60, quando construímos uma mini-São Paulo em plena floresta Amazônica, que foi a Zona Franca de Manaus. Este foi o clímax desse ciclo do “são-paulismo”.
Surge um novo Brasil e um novo federalismo emerge do conjunto de ações que vêm sendo feitas nos últimos dez anos.
Vivemos um conjunto de problemas de enorme complexidade, que em meio à perspectiva neoliberal e à fragmentação pós-moderna de contribuições analíticas que surgem, dificulta que enxerguemos a totalidade dos problemas, que não têm saída simples.
Capitalismo transnacional
O primeiro condicionante do Brasil, desde a ditadura ao regime democrático, está relacionado ao curso das transformações no modo de produção capitalista. Estamos assistindo uma construção de grandes cadeias produtivas globais de valor, transição profunda no modo de produzir e organizar a riqueza.
Até a primeira metade do século XX, o capitalismo se organizava em torno de imperialismo e colônias. No pós-guerra, os acordos de Bretton-Woods e o acordo de Yalta foram fundamentais para organizar o capitalismo. Feito por Stalin, Roosevelt, Churchill, vitoriosos da 2ª. Guerra Mundial, Yalta redividicou o espaço global, e o segundo acordo de Bretton estabeleceu os limites da competição capitalista sob a coordenação dos EUA, criando o Banco Mundial, o FMI, a OMC, com participação de 44 países. Até então, os países se organizavam em torno de impérios e colônias.
Essa condição imperialista impedia a existência de políticas públicas nacionais até a década de 1930. Tínhamos política cambial que olhava basicamente para a questão da produção e exportação do café e uma política de transporte, basicamente ferrovias para os portos para exportação e importação de produtos industrializados. Não tinha perspectiva nacional, porque o capitalismo organizado em forma de império impedia essa forma de constituição.
Com a Grande Depressão de 1929, e o fim das Grandes Guerras, essa ossatura do desenvolvimento capitalista, praticamente desaparece e teremos o espaço de construção dos estados nacionais de uma forma mais abrangente. Até os dias de hoje temos a construção de mais de 150 países, completando cerca de 200 países.
Política nacional e irreformismo
Vamos ter então a produção de políticas nacionais monetária, fiscal, educação, habitação, transporte, saúde. Com a construção das cadeias produtivas globais, coordenadas com as 500 maiores corporações transnacionais que respondem por 50% do PIB mundial, reorganizam o espaço global em forma de regiões e cidades que são 350 espaços regionais que se configuram nessa condição de produção e geração de riqueza.
Não estamos mais vivendo um quadro em que discutimos a presença do capital nacional e do capital estrangeiro. Hoje trata de estabelecer qual é a nossa participação nessas cadeias produtivas globais. O Brasil entra como produtor de matérias prima, como mão de obra barata, como produtor de tecnologia, entra como distribuidor? Não se trata, portanto, apenas de um problema do Brasil nesse quadro de fragmentação dos espaços nacionais.
Uma segunda condicionante é o modelo político brasileiro, especial, porque se distingue do passado brasileiro e de outras experiências democráticas. Há necessidade de considerar que nos últimos 50 anos, tivemos fracassos e derrotas que não foram pequenas. Duas apenas para chamar a atenção para a nossa capacidade de fazer transformações, considerando o passado brasileiro de pouca sustentação democrática.
O que aconteceu em 64? A força e a resposta autoritária a toda tentativa de reformas no Brasil. A proeminência do antirreformismo no Brasil. O Brasil seria outro país se tivéssemos oportunidade de fazer as reformas de base dos anos 60: agrária, educacional, tributaria… As reformas estavam no dia-a-dia, estavam nas ruas. Fomos derrotados de forma violenta por um movimento organizado, o movimento militar, que perdurou 21 anos.
Outra derrota está relacionada com o que aconteceu em 1984. Eu não tenho dúvida que o Brasil seria muito diferentes se, por ventura, a campanha das diretas tivesse sido vitoriosa.
Portanto, temos a condicionalidade desse passado, que nos mostrou o que era a força do programa Esperança e Mudança, construído no antigo MDB, nos anos 1970, que é um documento maravilhoso, chamando a atenção para quais as reformas que o estado brasileiro precisava fazer, entre elas a reforma política. Várias das reformas que, infelizmente, até hoje, não conseguimos levar ao fim e ao cabo.
Não é por outro motivo que as últimas manifestações de junho trouxeram questões que aparentemente eram novas, mas que eram questões de até 50 anos. Então, é a dificuldade de fazer reformas num país que tem estrutura antirreformista de grande dimensão. “Mas a constituição de 1988 foi um salto positivo”. Inegavelmente! Mas é uma constituição que não é autoaplicável. Uma constituição que passou a depender de leis para regulamentar. Toda a regulamentação foi feita nos anos 90, anos muito difíceis do ponto de vista do predomínio do neoliberalismo. É um legado que precisamos considerar.
Os protagonistas dessa frente Brasil popular, nos últimos onze anos, têm em mente que é necessário e preciso mudar, mas não necessariamente na velocidade e no ritmo que gostaríamos. Temos que considerar essa questão à luz do regime eleitoral que temos hoje, que é uma herança de Golbery, da transição do regime militar para o regime democrático. A dificuldade que temos de formar maiorias que multipliquem o predomínio de suas ideias…
Desde a derrota que Collor sofreu, ficou claro que o Legislativo pode impor constrangimentos aos Executivos. Por isso, vemos a consumação de um presidencialismo de cogestão, que precisa ser acordado no Legislativo depois das eleições. Não vale a vitória programática, mas a vitória que é compartilhada dentro do Legislativo. Isso nos cria dificuldades, imobilismo na capacidade de fazer mudanças. Quantas propostas de reformas existem no Congresso Nacional e quantas avançam? Mesmo para governos que tenham maiorias, como foi o de Sarney ou até o de Fernando Henrique, de Lula e de Dilma. Têm maioria, mas não implicam a possibilidade de vitória do ponto de vista programático.
Num balanço prévio a respeito dos últimos onze anos, há três aspectos que organizam este período:
Virada diplomática
O reposicionamento do Brasil no mundo. O Brasil de hoje é visto, entendido e tratado de forma muito diferente do como era até 2002. Isto se deu por conta da mudança no comércio externo do Brasil, quer era feito com os países ricos. Até 2002, dois terços de nossas exportações eram com a União Europeia, os EUA e o Japão. Hoje a relação é quase o inverso. Abrimos um outro campo de comércio, especialmente no âmbito sul-sul, como África do Sul China, Índia, o Oriente Médio, a Rússia, a América do Sul. Se tivesse continuado na mesma perspectiva que vinha desde a década 1990, que concentrava suas exportações nos países ricos, teria passado por uma situação dramática como foi a que passou o México em 2008. Frente à queda dramática da produção e importação norte-americanas, o México que tinha como principal importador os EUA entrou numa recessão dramática. Nós não vivemos esse quadro.
Outro aspecto foi a mudança na diplomacia brasileira: diplomacia da subordinação para uma soberania relativa. A presença do Brasil nos fóruns internacionais. A modalidade de cooperação técnicas com a inegável presença dos bancos brasileiros, empresas brasileiras, a Embrapa, por exemplo, em vários países africanos, com uma cooperação não objetivando uma dominação econômica e política, mas sobretudo uma cooperação do conhecimento que o Brasil tem em relação aos países. A mesma coisa em relação ao perdão de dívidas que foram feitos com vários países africanos com os quais éramos credores. O financiamento de vários projetos e obras que estão sendo feitos entre vários países, entre eles, sul-americanos. Há uma mudança inegável da diplomacia brasileira com o que tínhamos até então, geralmente uma diplomacia de elite com um posicionamento de costas em relação a África, Oriente Médio e Ásia.
Novos mercados consumidores e empreendedores
O movimento de reforma dos mercados no Brasil, que já apresenta sinais, como a tentativa de construção de empresas campeãs nacionais, através de uma iniciativa do BNDES dos consórcios, das desonerações fiscais. Foram construídas empresas líderes. Pode parecer estranho para alguns, mas no capitalismo brasileiro, hoje, se nós não tivermos grandes empresas com capacidade de competir e difundir tecnologias em termos globais, nós estamos fora. Dessas 500 empresas globais, a China tem a pretensão de ter 150 empresas. Quantas empresas o Brasil quer ter? Não pode um país que é o quinto do ponto de vista populacional, sexto ou sétimo econômico, não termos capacidade de ter grandes empresas. Já deveríamos ter construído isso, desde os anos 80. Aliás, os protagonistas do Plano Cruzado já tinham a intenção de criar uma holding de grandes empresas estatais, para organizar a inserção do Brasil no mundo. Infelizmente isso se decompôs ao longo dos anos 1990, mas agora há uma recuperação nesse sentido com algum êxito. Mas, há muito que fazer.
Há uma mudança do mercado, em relação à base do mercado de produção. Especialmente pelas experiências inéditas que ganharam grande difusão como o supersimples e o MEI, o microempreendedor individual. Hoje, dos 22 milhões de empregos assalariados criados nos últimos onze anos, dois terços foram criados nas micro e pequenas empresas. A informalidade é algo que ainda ganha grande importância, especialmente nos pequenos empreendimentos em iniciativas individuais. O MEI, em três anos, representou a formalização de 3,5 milhões de pessoas que passaram a ter acesso ao crédito, à licitações, às compras públicas, ao programa federal das compras de alimentação produzida na agricultura familiar para a merenda escolar. Temos uma série de iniciativas nesse sentido, que criaram um outro mercado, do ponto de vista das oportunidades geradas em relação a esses segmentos.
Evidentemente, que há muito a fazer. Não se justifica o Brasil não ter um banco público para investimento nas micro e pequenas empresas. Poderia ter perfeitamente um BNDES para os micro e pequenos negócios, como tem no Japão um banco público. Mas eu não tenho dúvida que, pela expressão das políticas públicas, nós estamos reconstituindo e reinventando o mercado, abrindo espaço para os pequenos negócios que ganharam grande difusão e são a base das formas de produção e da geração de empregos no Brasil.
Ascensão social consolidada
A estrutura da sociedade brasileira sofreu alterações importantes, sem entrar no debate sobre classe média, nova classe média ou classe trabalhadora, especialmente pelos indicadores existentes. Há um processo de fortalecimento do que os franceses denominam de sociedade salarial. Basta dizer que a cada dez postos abertos nestes onze anos, nove foram de empregos assalariados e desses nove assalariados, oito foram de carteira assinada. Então, há um processo de fortalecimento da relação de assalariamento, que permitiu que as políticas públicas de elevação do salário mínimo, de crédito, e mesmo o bolsa família, consolidassem um movimento de ascensão social que se deu na base da pirâmide social.
Parece-me que houve um esgotamento desse movimento. A PNAD de 2012 já revelou que estamos tendo um segundo movimento de salto nos setores intermediários superiores da pirâmide, não mais na base, associados ao grande esforço de elevação mais quantitativo que qualitativo em termos educacionais. Aumentamos de forma significativa as oportunidades no ensino médio, nas escolas técnicas e no ensino superior. Isso implicou numa qualificação na nossa mão de obra. Oportunidades que vêm sendo geradas dão a esse segmento um impulso diferenciado daquele que ocorreu, pelo menos a partir de 2004 e 2005, em função da convergência da elevação do salário mínimo, do bolsa família, da criação de crédito do crescimento econômico que tivemos.
Redefinir maioria política
Quais são os desafios que temos pela frente? Aqueles que qualificam as possibilidade de seguirmos adiante a partir de uma vitória eleitoral da Frente Brasil Popular, nesse ano de 2014, eu destacaria dois desafios:
O primeiro diz respeito a redefinição da nossa maioria política. Há um esgotamento da maioria política que se construiu a partir de 2002, que foi inegavelmente uma nova maioria, que permitiu a própria vitória, mas também a governabilidade no Congresso e a aprovação de uma série de iniciativas que foram tomadas. Acredito que há um déficit de organização na nossa sociedade, especialmente, para aqueles segmentos na base da pirâmide social que tiveram grande efervescência do ponto de vista da mobilidade social.
A classe trabalhadora alargada, a ampliação de mais de 22 milhões de trabalhadores que passaram a ter acesso a um emprego, na sua maior parte assalariado e, em sua maior parte, com carteira assinada. Não obstante a difusão desses empregos, a presença desses trabalhadores em sindicatos foi residual. Estamos com uma taxa de sindicalização equivalente a de dez anos atrás. Depois de termos chegado a uma taxa de sindicalização de 1989 de 32% dos trabalhadores ocupados. Com o neoliberalismo, caímos a 16% ao final dos anos 1990. Hoje, estamos a uma taxa de sindicalização de 17% a 18%. Não estamos a uma situação dramática como a dos EUA e Europa que decai a cada ano. Nos EUA, a sindicalização no setor privado encontra-se ao redor de 7%. Embora não estejamos na mesma situação de outros países, mas temos um espaço a construir.
Entender essa classe trabalhadora, quais os seus anseios, essa é uma questão desafiadora do ponto de vista da organização sindical do Brasil. É o elemento fundamental nas lutas, nas conquistas que tivemos, na transição democrática do país. Este é um aspecto que tem a ver com a redefinição da maioria brasileira. Como reorganizamos a base dos trabalhadores que, hoje, são aqueles que recebem cerca de dois salários mínimos e grande parte que está longe dos sindicatos. Pesquisas que tivemos a oportunidade de fazer com esses trabalhadores revelam que metade deles não quer saber de sindicatos, porque está contaminado por uma propaganda de que sindicatos têm interesses que não dizem respeito aos trabalhadores, por incrível que pareça. Mas há uma outra metade que gostaria de sindicalizar-se, mas não teve nenhuma oportunidade.
A mesma coisa em relação ao tema estudantil. Tivemos mais de um milhão e duzentos mil jovens oriundos de famílias de baixa renda que ascenderam ao ensino superior. Sem falar no universo de mais de dois milhões de jovens que chegaram ao ensino técnico. Infelizmente, esse adicional de jovens que chegaram ao ensino superior e médio não estão conectados as discussões que representam seus interesses.
Não há dúvida que quisemos sofisticar a nossa maioria do ponto de vista das transformações. Todos nós almejamos isso. É fundamental uma correlação de forças muito mais precisa, muito mais consequente do que aquela que temos no presente.
Neste quesito redefinição de uma maioria política, temos também o que diz respeito as associações de bairros e de moradores. Tivemos mais de um milhão de novas moradias para quem nunca teve oportunidade de ter uma casa. Sabemos que o déficit habitacional é de grande monta no Brasil, mas há um avanço inegável. E esses novos moradores não se traduziram em uma maior participação nas associações de bairros e de moradores.
Olhando o processo de redemocratização brasileira na virada dos 1970 para os 1980, vejamos a questão das religiões. Vamos lembrar que em 1983, tínhamos 83 mil comunidades eclesiais de base distribuídas em todo o país. Hoje não temos nenhuma e emergem outras instituições religiosas.
Politizar a ideologia
O Estado que temos hoje não é contemporâneo dos desafios deste início do século XXI. Pra começar, o movimento de concessões que estamos assistindo, hoje, que alguns chamam de privatizações. Este tema está muito mais ideologizado do que politizado.
É bom lembrar aqui, do governo de Juscelino Kubistchek, na segunda metade da década de 1950, quando o Brasil fez uma reforma do estado. O estado brasileiro era o único que tinha uma empresa montadora de autoveículos, a antiga FNM (Fábrica Nacional de Motores), no Rio de Janeiro. Na maior parte do Brasil não tínhamos acesso a energia elétrica e à telefonia. Tinha uma musiquinha do Carnaval que dizia: “Rio de Janeiro, cidade que me seduz, de dia falta água, de noite falta luz”. Isso era Rio de Janeiro, capital do Brasil! Quem tinha telefone, naquela época era uma minoria, que tinha que ligar para a telefonista e esperava duas horas até aparecer a linha. Quem não tinha dinheiro, estava fora, porque era um serviço privatizado.
O que tivemos ali no Juscelino foi uma reformação do estado. O que era estratégico para o Brasil? Ter montadora ou ter energia elétrica, telefonia e integrar seu país? Essa opção foi feita e se privatizou a FNM e se estatizou e criou-se o sistema da Telebras e da Eletrobras.
Estou dizendo isso de forma irresponsável para a gente ficar pensando quais são os setores estratégicos para o Brasil, hoje! Os portos, os aeroportos, as telecomunicações, a nanotecnologia? Qual o papel do estado nesse sentido? Do ponto de vista do poder do capital as coisas vão ocupando cada vez mais espaço e vão reduzindo o estado a um papel minoritário. As transformações dependem, necessariamente, não apenas de uma correlação de forças, mas de um estado com capacidade de efetuá-las.
Um todo superior
Não há dúvida que o Brasil melhorou a qualidade de suas políticas públicas. Grande parcela do povo pobre do Brasil conhecia o estado apenas através da mão do cassetete, pela força do policial que entrava na favela. Hoje os pobres conhecem o estado pela presença do programa de transferência de renda, pela presença do microcrédito, pela presença da iluminação pública, pelo acesso à educação, não há duvida. Mas esse padrão de políticas públicas fragmentadas, na perspectiva de que a somatória das partes (educação, transporte, saúde…) não formam um todo superior.
Como superar essa matriz de políticas públicas para ser cada vez mais integral, mais articulada. O povo que foi á rua no ano passado reclamava de educação, saúde e transporte. Pra nós, os problemas estão articulados e integrados e não fragmentados. Não posso imaginar que um programa de reforma agrária seja apenas e tão somente distribuição de terra, assentamento de alguém num pedaço de terra. Reforma agrária é aquela que vem com terra, mas que vem com crédito, com tecnologia, com programa habitacional, com posto de saúde, com estradas. Isto é um pacote, um conjunto articulado.
Este é o desafio para darmos um salto em relação a capacidade de fazer políticas públicas de forma totalizante. Esse é o desafio do método, mas também do ponto de vista político. Como transitar da fragmentação? Porque do ponto de vista do presidencialismo, você tem que ter muitos ministérios para conceder para fulano e sicrano para não ter grandes problemas no legislativo. Tudo bem que a fragmentação pode ocorrer, mas a questão do método da política talvez não seja mais possível seguir.
A meu ver, o desafio que temos da continuidade é reorganizar a nossa correlação de forças, termos um posicionamento mais claro do que nós queremos para o Brasil nos próximos anos, porque isso está nas nossas mãos, reorganizar a nossa maioria e, ao mesmo tempo, fazer uma reforma profunda do estado brasileiro.
Fonte e foto: Fundação Maurício Grabois