Movimentos em shopping centers, clássicos espaços das elites, se tornam centro de debates no Brasil

Por Henri Chevalier

Nas primeiras semanas de janeiro, os chamados “rolezinhos” – encontros de jovens da periferia de grandes cidades para passear, ou “dar um rolê” – tomaram o centro dos debates sobre desigualdade, racismo e espaços para lazer no Brasil.

Organizado pela Internet desde dezembro de 2013 e escolhendo os shopping centers como locais de reunião, o movimento se tornou símbolo da ocupação de um ambiente tradicionalmente reservado à classe média. Alcançou a maior repercussão após a rápida e violenta repressão policial no Shopping Metrô Itaquera, no sábado (11), que incluiu balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo.

Para Alfredo Santos Junior, Secretário Nacional de Juventude da CUT, a reação de setores mais conservadores da sociedade em relação aos “rolezinhos” representa o medo das elites de ter seu espaço – historicamente baseado na desigualdade – ameaçado por setores que são sistematicamente excluídos desta realidade.

“É preciso pensar o shopping também como meio de apartheid social”, afirma o dirigente. “Ele materializa a desigualdade histórica no acesso aos bens e, com a ascensão financeira vista nos últimos anos, é um ambiente que sofre impacto. E outra coisa: shopping é considerado local de divertimento individual, para que não haja riscos de ações e encontros organizados que possam levar ao questionamento do status quo. Quando se vai a esses lugares em grandes grupos, há o medo de quebra da lógica atual”, lembra.

A lógica atual, para Alfredo, passa pelas contradições inerentes ao capitalismo e à segregação, pela discussão do direito à cidade e da mobilidade urbana, pela cultura e, ainda, pela questão do racismo. “Durante os rolezinhos, até agora, não foi registrado nenhum caso de furto, roubo ou assalto. Nada. Mesmo assim, a imprensa aborda como se fosse algo prestes a acontecer. Isto é uma questão racial, onde se classifica os cidadãos perigosos ou não por meio da cor de sua pele e classe social. Quando o público não é visualmente caracterizado como da periferia, quando não é negro, não é criminalizado.”.

Como exemplo, Alfredo cita eventos ocorridos no Nordeste no final da década de 90, chamados de “bondes”. Nos “bondes”, jovens de classe média agiam de forma violenta em encontros coletivos acontecidos em espaços públicos e privados. “Como se tratava de um público mais de classe média, a ação até era reprimida por seguranças particulares do Shopping, mas nunca criminalizada. Não havia Polícia Militar. E aí devemos incluir o componente social e o racial.”.

Para o Secretário, a grande violência, na visão das elites, é a presença da periferia nas regiões mais centrais da cidade. Um VÍDEO que circula na Internet mostra jovens alunos da USP no Shopping Eldorado, em São Paulo, cantando e subindo em mesas da praça de alimentação. Os seguranças não interferem no movimento.

Prisão para averiguação
Alfredo lembra também que, na periferia, quando não há testemunhas e mídia, as repressões são ainda mais violentas do que as ocorridas no Shopping de Itaquera. As balas não são de borracha, são verdadeiras, e as vítimas têm características específicas. “A violência do Polícia Militar, que não deveria nem mesmo estar fazendo a segurança de ambiente privado, passa pelo estereótipo do que ofereceria risco: negro, jovem e pobre.”.

O assunto dialoga com outra questão trabalhada pelos movimentos sociais em relação à Juventude: os autos de resistência. Desde 2012, o Projeto de Lei nº 4471, pelo fim dos autos de resistência – uma medida da época da Ditadura que dificulta a investigação de mortes e lesões corporais cometidas pela polícia – está em discussão. Alfredo lembra que algumas ações ainda hoje utilizadas em abordagens policiais são originadas no período militar e não são leis. “Reter alguém sem motivos é criminalização prévia, com base em aparências. Vimos isso na ditadura militar e nas manifestações de junho. Não está no ordenamento jurídico brasileiro”, afirma o dirigente.

Música
Depoimentos publicados na imprensa apontam que os jovens dos “rolezinhos” entoavam letras de Funk, gênero musical, no Brasil, associado à criminalidade e às regiões de periferia. Alfredo lembra as origens da música e reafirma que a questão central das reações contra o movimento é a aparência do público.

“O preconceito não é exatamente com a música em si, mas com a população que ouve essa música. Se vemos a letra de algumas músicas de Sertanejo Universitário e compararmos com Funk Ostentação, por exemplo, há conteúdos bem parecidos. Mas o biotipo de quem ouve, as vestimentas e o ambiente das músicas são diferentes. Se um grupo negro, cantando Funk, assusta, será que um grupo branco, cantando música de outro padrão, assustaria?”, questiona o dirigente, que não deixa de lado o fato de que várias letras são relacionadas ao acúmulo de capital. “É importante questionar o Capitalismo, mas a questão central, nesse caso, é a não criminalização do direito de ir e vir”.

O Estado
A reação aos encontros movimentaram as redes sociais. Um dos argumentos mais frequentes é o de que o Estado precisa garantir espaços de lazer e cultura nas regiões mais afastadas para evitar esse tipo de atitude, que seria uma reação à inexistência de políticas públicas para a juventude da periferia.

Alfredo lembra que, apesar de parecer um argumento bem intencionado, é preciso cuidado com a lógica subentendida na questão. “Claro que não podemos nos esquecer da importância de valorizar espaços da periferia. É importante termos equipamentos públicos perto de nossas casas. Mas todos temos o direito de ir e vir em qualquer espaço. Esse é o ponto central. Não podemos cair na lógica da grande imprensa e da classe média, que buscam, com uma adaptação deste discurso, confinar a periferia na periferia. A cidade é de todos.”

A repressão e perseguição policial não são as únicas consequências sofridas pelos jovens, lembra o Secretário de Juventude. Há também a perseguição social. “Muitos organizadores e participantes dos “rolezinhos” estão sendo perseguidos socialmente. Perdem seus empregos pela estigmatização do movimento alimentada, inclusive, pela mídia. Como os patrões dessas pessoas, via de regra, não concordam com os ‘rolezinhos’ – até por serem de outra classe social – eles sofrem represálias sérias como essas”, afirma Alfredo. “O que se diz a esses jovens é que eles não podem ocupar este espaço quando, na verdade, podem.”

Henri Chevalier é da Secretaria de Comunicação CUT Nacional

Publicado originalmente em www.cut.org.br