A juventude negra e de periferia quer viver
Por Ângela Guimarães
A luta em defesa da vida da juventude negra – e uma vida em condições de dignidade – remete há pelo menos quatro décadas. Se quisermos ser mais amplos e abrangentes podemos afirmar que a história das e dos africanos e seus descendentes no Brasil se caracterizou por buscar preservar sua vida e ter o reconhecimento de sua humanidade, memória, cultura e história.
Assim foi nas revoltas anti-escravistas, nas experiências dos quilombos, no exercício da religiosidade, nas escolas de samba, nos blocos afro. Há quase meio século, entretanto, e de forma sistemática, o conhecido movimento negro contemporâneo tem apresentado à sociedade, à imprensa, aos poderes públicos, uma demanda que poderia soar redundante se não fosse completamente emergencial: a garantia do direito à vida, o mais elementar entre todos os direitos fundamentais.
Não são recentes os números que apresentam a elevação sistemática – ano após ano, década após década, em diferenciados momentos políticos do país – do contingente de jovens, sobretudo JOVENS NEGROS, vitimados por homicídio no Brasil. Números tão pujantes e em geral decorrentes da ação nefasta do aparato repressivo estatal que permitiu que se falasse que vivemos no Brasil uma espécie de extermínio programado da juventude negra, uma situação de verdadeiro genocídio direcionado a uma parcela da população historicamente vitimada pela perversa combinação do capitalismo com o racismo.
Chama atenção às e aos ativistas e militantes que há muito tempo vêm denunciando este aberrante fato, que ele não tem despertado as atenções necessárias em toda a sociedade. Parte disto pode ser explicada pela resistência do país em conceber e enxergar os deletérios efeitos do racismo nada cordial brasileiro na vida de milhões de negras e negros, e por outro lado, pela construção de uma máquina de propaganda tão, mais tão poderosa que acaba por conferir legitimidade social a uma política de segurança pública neta do colonialismo escravista, filha da Ditadura Militar, sobrevivente na atual democracia que produz a tragédia social materializada nos perversos números de 50 mil mortos/ano no país, dos quais quase 30 mil jovens e destes cerca de 72% negros.
Sim, é disso que estamos falando e é este número, superior a todos os países em confronto armado no mundo, que – PIONEIRAMENTE – após insistentes denúncias, reivindicações, pressões e diálogo como os movimentos sociais negros e de juventude, em debates, conferências e conselhos, o Governo Federal decidiu reconhecer a existência do problema e tomar medidas para enfrentá-lo.
Assim, em 2012 foi lançado no estado de Alagoas (que ostenta a marca de 79 homicídios a cada 100 mil habitantes, número ainda maior que a média nacional de 63/100 mil habitantes) o Plano Juventude Viva (www.juventude.gov.br/juventudeviva) visando prevenir e reduzir a vulnerabilidade da juventude negra à violência, principalmente nos 142 municípios com os maiores índices de mortes juvenis. O plano, coordenado pela Secretaria Nacional de Juventude da Presidência e pela Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), articula um conjunto expressivo de ações que reúne 11 ministérios dispostos a ofertar políticas públicas de qualidade à juventude nos territórios visando reverter trajetórias de exclusão e criar percursos de inclusão social, autonomia e emancipação para esta juventude. Vale ressaltar que esta construção contou – e só assim se tornou possível – com o papel ativo e protagonista da própria juventude negra reunidas nos movimentos sociais e representadas em importantes espaços colegiados como os conselhos de direitos (juventude, igualdade racial, direitos humanos, segurança pública, dentre outros).
Fizemos o lançamento oficial do Plano Juventude Viva na maior cidade do país, a pujante e outrora reconhecida locomotiva do país, por outro lado é também a cidade com grande concentração de demandas da juventude negra e de periferia, São Paulo. São deveras conhecidos os dilemas de implementação de qualquer política pública numa megalópole, porém o mais desafiador ainda nesta parceria entre Governo Federal e Prefeitura, movimentos sociais e conselhos, artistas e intelectuais aliados, é pavimentar o caminho para a construção de um novo tempo para a juventude negra. Este novo tempo em que nosso direito primordial à vida e à vida em condições de dignidade, equidade e segurança não seja apenas uma utopia, antes seja apoiada em um conjunto consistente de políticas públicas voltadas à educação de qualidade em todos os níveis, qualificação profissional e inclusão produtiva, acesso a equipamentos de esporte, cultura e lazer nas cidades, participação nas tomadas de decisão atinentes às cidades e ao país, enfim a inscrição definitiva de um lugar de prioridade à juventude negra no projeto de desenvolvimento local e nacional, que esta utopia se torne uma realidade.
Em São Paulo e em todo o Brasil, queremos a JUVENTUDE NEGRA VIVA!!
Ângela Guimarães é Secretária-Adjunta Nacional de Juventude e Vice-Presidenta do Conjuve.