CUT 30 anos: ainda falta muito, mas falta menos
Por Artur Henrique
A CUT já nasceu incomodando e continua sendo uma pedra no sapato de setores conservadores e, mais especificamente, daqueles em cujo coração não bate o desejo verdadeiro de um Brasil independente, onde todas as pessoas tenham emprego, renda, educação, cultura e saúde, a despeito da cor da pele ou das origens social e geográfica.
É claro que estamos longe dessa conquista. Mas isso não quer dizer que o sonho acabou, nem tampouco que não esteja sendo construído passo a passo. Se dependesse unicamente de nossa vontade, o processo seria muito mais veloz. Mas a luta social e política numa democracia impõe a velocidade do conjunto. Lembro que no início do meu primeiro mandato como presidente da CUT, costumava dizer a jornalistas que não acreditávamos que a revolução seria anunciada pelos sinos da missa das nove. Nem que as resoluções em contrário seriam revogadas automaticamente.
Ainda falta muito. Mas falta menos.*
E a CUT – um conjunto de milhares de sindicatos e de milhões de sindicalizados – faz parte desses avanços, é um de seus motores. Outros companheiros ex-presidentes que já escreveram sobre os 30 anos de nossa Central certamente apontaram como temos sido desde nosso início um catalisador de imensas e variadas vontades. Soubemos, a cada etapa e a cada conjuntura, produzir sínteses que traduzissem a luta por dignidade aos trabalhadores e trabalhadoras e ajudamos a forçar o avanço.
Um aspecto muito importante em nossa trajetória foi termos sabido sempre buscar o diálogo com os movimentos sociais e ter neles nossa principal referência. Isso nos ajuda a não esquecer de onde viemos.
Por não termos nos deixado seduzir pelo charme de ser sempre do contra, adotada por alguns que confundem pureza com não-envolvimento, soubemos sentar à mesa de debates sempre que preciso para construir propostas e consensos com os setores produtivos em nome da geração de emprego e salário. Exemplos contundentes desse compromisso “além-umbigo” em nome do País não faltam (mesmo em períodos de governos abertamente contrários a nossos valores). Mas destaco aqui um que ocorreu quando era presidente da Central. Aos primeiros sinais da crise internacional no Brasil, no início de 2009, vários oportunistas foram à população dizer para que abrisse mão, voluntariamente, de salários e contratos de trabalho para, segundo eles, não quebrar o País. Posicionamo-nos contra a proposta desde o início, certos de que rendição semelhante – fechar acordo antes de lutar – precipitaria a nação na crise, jamais o contrário. Impedimos o acordo que parte da Fiesp queria capitanear e saímos a campo para construir propostas com outros setores empresariais. Essa luta, somada à política de valorização do salário mínimo que havíamos ajudado a construir e cuja iniciativa foi nossa, ajudou e muito o Brasil a resistir à crise, tarefa ainda inconclusa, mas cujos resultados espantam o mundo.
No período inaugurado pelo primeiro mandato de Lula presidente do Brasil, fundador desta Central e importante figura em sua consolidação, iniciou-se um processo de democratização do Estado – não de aparelhamento, como mente parte da imprensa – com a participação de novos atores nos processos consultivos e decisórios. A CUT, onde foram forjadas diversas lideranças que viriam a compor o novo governo e seus entes, não se furtou aos debates nacionais, nas conferências e outros espaços, buscando uma abordagem não corporativa, procurando mostrar que a classe trabalhadora tem interesses mais complexos.
No Fórum Nacional da Previdência, por exemplo, nós e nossas entidades filiadas ou parceiras impedimos a retirada de direitos e conseguimos construir compromissos públicos – assinados inclusive por representantes dos bancos privados! – em torno da manutenção de cláusulas como a vinculação do piso previdenciário ao salário mínimo e a manutenção do caráter público e solidário da Previdência.
Fomos para o confronto sempre que necessário. Nesse fórum que citei há pouco, foi preciso por vezes trombar de verdade com o governo. Aliás, foi o governo que mais greves enfrentou desde que o Dieese criou um sistema de acompanhamento das paralisações.
A combinação de mobilização, pressão e apresentação de propostas e negociação é uma tarefa complexa, que sempre exige preparo, estudo, assessoria qualificada e, mais essencial que tudo, pois diz respeito a raízes, viver o cotidiano das bases de representação e nele entender as necessidades e captar ideias.
Para entender como a CUT amadureceu mas não ficou velha, pode ser de grande valia comparar nossa situação com o que enfrentam atualmente os movimentos sindicais em outras partes do mundo.
A CSI (Central Sindical Internacional), à qual somos filiados junto com diversas centrais do mundo todo, representa aproximadamente 7% (sete!) de todos os trabalhadores do planeta. É um número infelizmente baixo.
No Brasil, a representatividade sindical está em torno de 17% do total de trabalhadores. A CUT tem 36% de todos os trabalhadores voluntariamente filiados a algum sindicato. Sozinha, tem quase a soma de todas as outras cinco juntas. Como se vê, estamos na proa, e não só numericamente. Como muito bem destacado por reportagem recente do jornal Valor Econômico, o conjunto do movimento sindical brasileiro consegue realizar, no mesmo dia, uma grande mobilização de rua e depois ser recebido pelo Executivo, Legislativo e Judiciário – algo impensável em outros países. Aqui, outro detalhe importante: sabemos construir unidade na diversidade.
Naquilo em que realmente registramos insucesso, não somos criticados pelos conservadores. Ainda nos falta mudar a estrutura sindical brasileira, acabar com o imposto sindical e substituí-lo por uma contribuição a ser aprovada em assembleia de trabalhadores – o que desfavorecerá a letargia e a criação de sindicatos de fachada. Falta a reforma agrária. Falta a reforma política para acabar com o poder incomensurável dos magnatas sobre as candidaturas e sobre os mandatos. Falta a reforma tributária progressiva, em que os mais ricos paguem mais e os assalariados paguem menos. Falta a democratização dos meios de comunicação. Ainda falta. Mas, inegavelmente, falta menos.
Artur Henrique, secretário-adjunto de Relações Internacionais, presidente do Instituto de Cooperação da CUT, ex-presidente da Central (2006-2012), e diretor financeiro da Fundação Perseu Abramo
(*Inspirado em fala ouvida em recente comemoração dos 42 anos da Frente Ampla, do Uruguai)