Iole Ilíada: Fórum Social Mundial vai fortalecer movimentos da Primavera Árabe
A Tunísia receberá o Fórum Social Mundial entre os dias 26 e 30 deste mês. Em 2010, o país foi o primeiro palco das revoltas populares da região do Magreb e Machrek por democracia e melhores condições econômicas conhecidas como Primavera Árabe. Nesta edição, a Fundação Perseu Abramo realizará duas atividades autogestionadas em parceria com a Fundação Mauricio Grabois e o Foro de São Paulo. No dia 28/03 acontece o debate “As relações Brasil, África e Oriente Médio”, com a participação confirmada do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência Gilberto Carvalho e no dia 29/03, a atividade “Diálogo entre as esquerdas da América Latina e Caribe, África e Oriente Médio.” A programação completa sobre o FSM em Túnis pode ser acessada no site oficial:www.fsm2013.org
O FSM abordará os seguintes temas: economia, abordagem de gênero, globalização, meio ambiente, migração, direitos humanos, guerra e paz, desenvolvimento e voluntariado. Também foram selecionados 11 eixos temáticos: 1. Aprofundamento dos processos revolucionários e de descolonização no sul e no norte; 2. Por um mundo sem hegemonias e dominações imperialistas; 3 Pela construção de novos universalismos; 4 Por uma sociedade humana fundada nos princípios e valores da dignidade, diversidade, justiça e igualdade entre todos os seres humanos; 5. Pela liberdade de circulação e estabelecimento de todos e todas; 6 Por justiça cognitiva; 7. Pela construção de processos democráticos de integração e de união dos povos; 8. Por um mundo em paz em que não exista a guerra como instrumento de dominação econômica, política e cultural; 9 Por um mundo democrático; 10.Pela construção de alternativas ao capitalismo e à globalização neoliberal; e 11. O futuro do Fórum Social Mundial.
A vice-presidenta da Fundação Perseu Abramo, Iole Ilíada, em entrevista para o Portal, destaca a importância deste FSM para o fortalecimento dos movimentos populares da região. Ela explica ainda como serão as atividades da FPA em Túnis. Leia a entrevista aqui:
A escolha da Tunísia pode ser explicada pelo protagonismo da região nos eventos conhecidos como a Primavera Árabe. Como é que a Primavera Árabe incide sobre os debates do FSM 2013?
Iole Ilíada – A Tunísia foi o primeiro dos países da região em que ocorreu uma sublevação popular – contra a ausência de democracia mas também contra a situação sócio-econômica do país, agravada pela crise internacional e pelo esgotamento das políticas neoliberais ali aplicadas –, dando início ao que ficou conhecido como “Primavera Árabe”, que tanto entusiasmo produziu no Ocidente. Mas o desenrolar dos fatos torna necessária uma análise mais profunda da situação e de seus desdobramentos, seja porque uma parte das potências ocidentais buscou se apropriar do que eram protestos legítimos do povo para atender a seus interesses geopolíticos, recorrendo inclusive à ingerência militar, seja porque uma mudança estrutural como a que o conjunto das forças sociais progressistas pretende naqueles países depende de uma luta mais longa, que enfrenta grandes contradições e resistências. Basta lembrar que na Tunísia, por exemplo, as recentes tensões sociais e políticas e o fortalecimento do fundamentalismo islâmico levaram ao assassinato de Chokri Belaïd, importante liderança da esquerda laica daquele país, e à queda do primeiro-ministro Hamadi Jebali. Por isso, devemos olhar para o que se passa na região como um processo em curso. Nesse sentido, a realização do FSM em Túnis tem um significado político muito importante pelo que pode representar de apoio e fortalecimento das iniciativas dos movimentos sociais e populares da região em geral e da Tunísia em particular, que neste momento buscam a preservação e o avanço das conquistas obtidas após as revoltas populares de 2010, no que se refere à construção de uma sociedade laica, justa e democrática.
Entre os 11 eixos temáticos consta a construção de novos universalismos. Quais são os debates que estão sendo feitos sobre este tema? E qual é a sua expectativa em relação aos debates gerais que serão travados ali?
Iole – Considero por um lado louvável que a chamada sociedade civil volte a falar em “universalismos”, após um período em que a influência do pensamento pós-moderno e das políticas neoliberais fez com que muitos aderissem às teses de que não havia mais projeto político universal possível, e que portanto só restavam as lutas particularistas (das mulheres, da juventude, do combate ao racismo, dos ambientalistas etc). Hoje, felizmente, já se percebe que todas essas importantes frentes de batalha social devem estar articuladas em um projeto sistêmico, porque são faces do mesmo modelo econômico e social injusto e contraditório que precisa ser transformado. Por outro lado, não compartilho da ideia de que se tratem de “novos” universalismos. Se observarmos que o debate deste eixo, segundo os organizadores do FSM, deverá girar em torno de “uma resposta à crise civilizacional e à mercantilização da vida, fundada sobre a justiça ambiental e o acesso universal e durável da humanidade aos bens comuns”, veremos o quanto de “antigo” há neste projeto político, que é o clássico projeto universal da esquerda mundial.
E quais serão os debates da Fundação Perseu Abramo no FSM 2013?
Iole – A FPA tem participado do FSM desde sua primeira edição, e não poderia deixar de comparecer a esta, inclusive pelas razões citadas anteriormente. Neste caso, nos interessa sobretudo promover o diálogo entre as esquerdas do Brasil, da América Latina, da África e do Oriente Médio, considerando a crescente importância de fortalecer, na arquitetura política internacional, as articulações e relações Sul-Sul. Assim, realizaremos dois debates. O primeiro – “As relações Brasil, África e Oriente Médio” – enfocará a relação do Brasil com as referidas regiões, e deverá contar com a presença do ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência e com representantes africanos e do Oriente Médio. O segundo – “Diálogo entre as esquerdas da América Latina e Caribe, África e Oriente Médio” – estabelecerá um debate entre as forças sociais e políticas desses países e os latino-americanos, para o que se procurará contar com representantes dos partidos do Foro de São Paulo.
Quem são os parceiros da FPA nestes debates?
Iole– A primeira mesa será promovida conjuntamente pela Fundação Perseu Abramo e pela Fundação Maurício Grabois (FMG), do PCdoB, reeditando uma parceria que vem dando bons frutos e que tem sido uma constante nas últimas edições do FSM. A segunda mesa, além de contar com a FMG, terá como parceiro o Foro de São Paulo.
Há algum tempo estamos vendo pessoas que acompanharam o FSM desde o início afirmando que a fórmula do Fórum está esgotada e que é preciso pensar alternativas. Você concorda com isso? Quais foram, a seu ver, os avanços que o FSM trouxe para as esquerdas?
Iole – Não há dúvida de que, quando foi criado, o FSM cumpriu um papel importantíssimo na aglutinação e mobilização dos movimentos e forças políticas que lutavam contra a injusta ordem social e econômica mundial, em um momento de hegemonia absoluta do pensamento neoliberal, quando queriam fazer crer ao povo que “não havia alternativa”. Estávamos então no início dos anos 2000 e, naquele momento, resistir era preciso. E o FSM foi fundamental nesse sentido. Passados 13 anos, no entanto, o cenário internacional se modificou. Basta citar a ascensão das forças de esquerda aos governos de vários países latino-americanos ou a eclosão da crise econômica, que é sistêmica e foi produzida justamente pelo esgotamento do padrão de acumulação neoliberal. Isso torna ainda mais verdadeiro aquilo que vários dos participantes e idealizadores do Fórum já vinham dizendo há algum tempo, ou seja, que mais do que espaço de resistência, o FSM precisa se converter em uma ferramenta efetiva para a formulação de propostas e para a organização da luta social articulada internacionalmente em torno dessas propostas. Para que isso se torne realidade, faz-se necessário, a nosso juízo, rever também aquela concepção, presente desde as primeiras edições, de que partidos e governos não devem participar do FSM. Afinal, são esses entes sociais os responsáveis diretos pela implementação das políticas alternativas, como fica claramente demonstrado no atual processo vivido pela América Latina. E o Fórum deve ser o lugar de todos os que desejam o “novo mundo possível” que se tornou sua consigna, seja qual for sua frente de luta e atuação.
Para onde caminha o Fórum Social Mundial?
Iole – Isso dependerá justamente do que forem capazes de construir seus organizadores e os distintos participantes. Eis porque devemos acompanhar com atenção o que se passará em Tunis neste final de março.
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Conheça os livros editados pela Fundação Perseu Abramo sobre o Fórum Social Mundial
– O Desafio do Fórum Social Mundial: Um modo de ver, de Chico Whitaker
– Fórum Social Mundial: A história de uma invenção política, de José Corrêa Leite