Importantes decisões sobre a governança global da rede e o marco civil da internet no Brasil são adiadas para 2013. Comando internacional continua baseado nos Estados Unidos

Rio de Janeiro – Ao longo de 2012, a disputa pelo controle da internet e as discussões sobre a regulamentação do tráfego de dados na grande rede esquentaram no Brasil e no mundo. Durante 11 dias, a Conferência Mundial de Telecomunicações (WCIT, na sigla em inglês), realizada este mês em Dubai (Emirados Árabes), tentou em vão estabelecer novos parâmetros para a governança internacional da rede. O impasse, que adentrará 2013 sem solução, envolve a União Internacional de Telecomunicações (UIT) e coloca em lados opostos gigantes como Estados Unidos e Reino Unido, de um lado, e Rússia e China, de outro.

No Brasil, foram feitas durante o ano três tentativas infrutíferas de aprovar na Câmara dos Deputados o novo marco civil da internet. Considerada avançada, a proposta elaborada pelo deputado Alessandro Molon (PT-RJ) após amplo debate com entidades da sociedade civil esbarrou na resistência das grandes operadoras do setor ao conceito de neutralidade da rede, que pretende garantir que todos os dados possam trafegar normalmente, em igualdade de condições e sem sofrer discriminação.

Aqui e no exterior, apertou o cerco contra os crimes cometidos através da internet. Nos Estados Unidos, foi condenado a dez anos de prisão o hacker que roubou e vendeu fotos da atriz Scarlett Johansson nua. No Brasil, um crime semelhante provocou a aprovação da Lei de Delitos Informáticos, ou Lei Carolina Dieckmann, que tipifica os crimes de violação de e-mails de terceiros e roubos de dados via internet.

Também foi aprovada este ano no Brasil, a Lei de Crimes Eletrônicos, ou Lei Azeredo, que define como crimes a utilização de dados de cartões de crédito ou débito de forma indevida ou sem autorização do titular e a divulgação de mensagens de cunho racista, além de outros tipos de conduta inadequada na internet.

Sancionada pela presidenta Dilma Rousseff no início de dezembro, a lei chamaa de Carolina Dieckmann altera o Código Penal brasileiro e prevê penas de três meses a dois anos de prisão, tempo que pode ser acrescido de dois terços se houver comercialização ou transmissão a terceiros dos dados e imagens roubados. De acordo com o texto da lei, tornou-se crime “a invasão de dispositivos eletrônicos como celulares, notebooks, desktops, tablets ou caixas eletrônicos para obter ou adulterar dados”.

Marco Civil

Em 2012, as leis avançaram no aspecto criminal, mas a governança da internet no Brasil ainda é uma incógnita. Principal responsável por mobilizar os parlamentares que brecaram a aprovação do marco civil da internet no Congresso, o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil), entidade que reúne as maiores operadoras do setor, defende sua “liberdade de oferecer de forma transparente qualquer serviço diferenciado aos clientes”.

Na prática, as operadoras querem se reservar o direito de oferecer aos consumidores pacotes com velocidade de tráfego de dados – e preços – diferentes, o que, segundo o texto do marco civil, feriria a neutralidade da rede. Segundo a nova proposta de lei, as empresas de telecomunicação não podem fazer qualquer tipo de distinção técnica ou tecnológica entre os diversos pacotes de navegação na internet oferecidos aos usuários.

Em entrevista concedida à RBA momentos antes da última tentativa de votação do marco civil da internet, feita no fim de novembro, o relator do projeto lamentou as resistências políticas enfrentadas: “Com a proposta do marco civil, foram contrariados os interesses de quem quer usar a rede apenas para obter ganhos, de quem olha para a rede com um olhar que busca apenas pensar nos lucros sem pensar na qualidade da internet para o internauta brasileiro”, disse. A aprovação do texto voltará à pauta da Câmara em fevereiro, após o fim do recesso do Legislativo.
Tudo como dantes

Apesar das promessas, eventuais mudanças na governança global da internet também foram adiadas em 2012. Divulgada ao final da WCIT, conferência na qual se chegou a especular que essas mudanças poderiam ser anunciadas, o documento intitulado “Carta de Dubai” prevê a revisão do Regulamento de Telecomunicações Internacionais (ITR, na sigla em inglês), transferindo para a UIT o controle da rede, hoje exercido por organizações multissetoriais como o World Wide Web Consortium e a Autoridade para a Atribuição de Números na Internet (ICANN, na sigla em inglês), ambas com sede nos Estados Unidos.

Apesar de aprovado na WCIT, o conteúdo da Carta de Dubai é inócuo porque foi rejeitado por países-chave como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Nova Zelândia, Suécia, Holanda, Polônia e Dinamarca, entre outros. O principal argumento para a rejeição foi que, ao prever que governos nacionais possam regular suas próprias redes com permissão e sob supervisão da UIT, o acordo facilitaria a censura e o cerceamento de informações na internet. O fato de a proposta que transfere a governança da rede para a UIT ter contado em Dubai com o entusiasmado apoio de países com tradição de censura, como Rússia, China e Arábia Saudita, não ajudou a destravar as negociações.

Isso significa que em 2013 tudo na internet continuará como sempre esteve, com a governança global da rede sendo exercida pelo WWW Consortium e pelo ICANN. Este último é subordinado ao Departamento de Comércio dos EUA, o que faz com que, em última análise, o principal controlador da internet mundial seja o governo norte-americano. Nesse caso, no entanto, não há quem ouse denunciar uma ameaça à democracia, já que a governança da internet – em que pese o intrínseco potencial revolucionário da grande rede – ainda obedece a padrões bem moldados dentro da fôrma capitalista.