Em 27 de novembro, o Governo Federal lança o Plano Juventude Viva, tendo como objetivo a redução da vulnerabilidade da juventude negra à violência e a prevenção da ocorrência de homicídios. Composto por pelo menos 30 iniciativas de 25 programas federais, em 132 municípios brasileiros, visa reverter o quadro descrito pelo movimento de juventude negra como “genocídio da juventude negra” em razão da altíssima incidência de mortes violentas neste segmento.

A Secretaria-Geral da Presidência da República, por meio da Secretaria Nacional de Juventude, em conjunto com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, articulam os ministérios de Educação, Justiça, Cultura, Saúde, Esporte, e do Trabalho e Emprego a fim de implementar, em colaboração com entes federados e sociedade civil, programas, projetos e ações nas localidades que concentram 70% dos homicídios de jovens negros.

Desde a re-organização do movimento social negro na década de 1970, com o Movimento Negro Unificado – MNU, este chama a atenção para a escalada dos assassinatos de jovens das periferias urbanas, principalmente negros. Entretanto, apenas nesta última década organizou-se um movimento de juventude negra que conquista espaço na cena pública nacional para denunciar e propor ações efetivas para fazer frente a esta cruel realidade, parte do quadro das desigualdades raciais no país.

A juventude organizada nos movimentos hip hop, de religiões de matriz africana, jovens negras e negros engajadas pelas ações afirmativas no Ensino Superior, a partir do 1º Encontro Nacional de Juventude Negra (ENJUNE), construíram uma estratégia comum de atuação nos novos espaços de participação política, em especial na 1ª Conferência de Juventude e no Conselho Nacional de Juventude, para buscar a garantia dos direitos à juventude negra. O Plano Juventude Viva é a primeira resposta desenhada na tentativa de atender a tais demandas.

O contexto de lançamento deste Plano é configurado por crises de segurança em várias cidades brasileiras – por exemplo, nos estados de São Paulo, Santa Catarina e Alagoas – que escancaram a degradação do direito à vida e fazem constatar a ineficácia das políticas clássicas de segurança e justiça, sobretudo daquelas concentradas em mais repressão, mais armamento e mais encarceramento. O Juventude Viva não pode ser visto, contudo, como uma resposta imediata e pontual a estas graves crises, cuja solução não é mágica. Porém, são iniciativas como as previstas no Plano, que poderão ter impacto em médio e longo prazos sobre as dinâmicas que produzem as inaceitáveis taxas de mortalidade violenta, que vitimam seletivamente a juventude negra.

Desconstrução da cultura de violência; inclusão, oportunidades e garantia de direitos; transformação de territórios; e aperfeiçoamento institucional são quatro eixos articuladores deste Plano para a promoção de direitos, de valorização da vida e reconhecimento social da juventude.

Com ações específicas para jovens de 15 a 29 anos em situação de vulnerabilidade, o Plano visa o desenvolvimento pessoal e coletivo, a requalificação da presença do poder público nas localidades indicadas, com equipamentos e serviços, mas fundamentalmente na preparação de gestores e servidores para uma mudança de valores na atuação das instituições do estado que permitam superar estigmas, discriminações e o racismo. Para além de educação, saúde, cultura e lazer, importam, sobretudo, as ações destinadas a reduzir a letalidade policial, reorientar as políticas de segurança pública às demandas das comunidades, a combater a seletividade do sistema de justiça e penitenciário, que só tem reforçado a vulnerabilidade destes jovens.

Múltiplos esforços concorreram para emergência desta iniciativa inovadora em muitas frentes: participação social para sua elaboração; encontro entre as políticas de igualdade racial, juventude e prevenção da violência; prevalência da perspectiva dos que sofrem as consequências mais nefastas da violência estrutural. Isto aponta tendência contrária à dos planos clássicos de combate ao crime e à violência, os quais têm insistido em repressão criminal e solução carcerária dos problemas sociais cujo efeito, mesmo não intencional, tem sido tornar a juventude negra clientela preferencial da polícia, da justiça e das prisões.

Todavia, o conjunto de iniciativas descritas no Plano Juventude Viva depende da ação interministerial, da articulação entre as diversas esferas de governo e do investimento na promoção de mudanças de valores, tanto no funcionamento das instituições estatais quanto entre os grupos vulneráveis e da sociedade em geral. Outro desafio é assegurar que as fases de implementação das ações previstas mantenham o espírito participativo com o protagonismo das juventudes negras.

A participação social e a parceria entre os governos são mecanismos importantes para possibilitar inovações, até o momento não previstas, relevantes para o sucesso do Plano. Um bom exemplo seria a criação de consórcios entre municípios de uma mesma região metropolitana, para a execução de ações integradas. Outro exemplo seria a abolição da pena de prisão para crimes cometidos sem emprego da violência, em especial entre réus jovens.

Destaque-se a mudança qualitativa trazida com o advento do Plano Juventude Viva, construído pela atuação de novos atores sociais na cena pública – como o movimento de juventude negra – potencializando a emergência de novas soluções para problemas crônicos da sociedade brasileira – a violência, a desigualdade e o racismo.

 

*Jacqueline Sinhoretto – Professora do Depto de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos-UFSCar, coordenadora do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos-GEVA; Danilo de Souza Morais – membro do Conselho Nacional de Juventude pela Coordenação Nacional de Entidades Negras-CONEN, doutorando em Sociologia e membro do NEAB-UFSCar; Paulo César Ramos – mestrando em Sociologia e membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros-NEAB-UFSCar, especialista em Análise Política (UnB), militante da Coordenação Nacional de Entidades Negras – CONEN.

 

Leia também:

– A íntegra do Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no Brasil, de Julio Jacobo Waiselfisz, editado pela  Cebela (Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos), a Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais) e a Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República), com dados sobre homicídios, violência, racismo, criminalidade, entre outros.