Sindicalista venezuelano destaca “relevância da Rede ComunicaSul”,  para romper o cerco midiático contra o país”

 

Coordenador Internacional da Central Bolivariana Socialista dos Trabalhadores da Cidade, do Campo e da Pesca da Venezuela (CBST), Jacobo Torres, descreve alguns dos “inúmeros avanços políticos, econômicos e sociais conquistados durante o governo do presidente Hugo Chávez”, tendo como foco a Nova Lei Orgânica do Trabalho, dos Trabalhadores e Trabalhadores, “uma velha dívida da revolução com a classe operária”.

Entre os principais pontos, assegurou o dirigente internacional da maior central venezuelana, “está a proibição da terceirização e da precarização das relações de trabalho, a ampliação de direitos como as licenças maternidade e paternidade, e a redução da jornada para 40 horas sem diminuição de salário”.

Ao assinar o documento, Chávez destacou que a lei, com 554 artigos, é um instrumento que permitirá construir uma “nova cultura do trabalho e de responsabilidade”. Na avaliação de Jacobo, a ação desenvolvida pela Rede ComunicaSul,  “contribuiu para romper com o cerco midiático armado contra o país, dando visibilidade às nossas lutas e às conquistas obtidas”.

Conforme explicita a lei: “O processo social de trabalho tem como objetivo essencial superar as formas de exploração capitalista, a produção de bens e serviços que assegurem nossa independência econômica, satisfaçam as necessidades humanas mediante a justa distribuição da riqueza e criem as condições materiais, sociais e espirituais que permitam à família ser o espaço para o desenvolvimento integral das pessoas e conquistar uma sociedade justa e amante da paz, baseada na valorização ética do trabalho e na participação ativa, consciente e solidária dos trabalhadores e trabalhadoras nos processos de transformação social, consubstanciados com o ideal bolivariano”.

Para a CBST, qual o significado da Nova Lei Orgânica do Trabalho?

Jacobo Torres: A Nova Lei Orgânica do Trabalho, dos Trabalhadores e Trabalhadoras salda uma velha dívida que a revolução tinha com a classe operária. Afinal, transcorreram 12 longos anos para começar a discussão sobre a nova lei. Era um contrassenso, porque a lei anterior protegia os patrões contra os trabalhadores, no mesmo período em que se estava promulgando uma lei revolucionária. É uma proposta de vida que se insere dentro de um projeto de nação, de socialismo. Havia muitas contradições quanto à sua interpretação, principalmente porque foram muitos os direitos que haviam sido retirados durante os anos de neoliberalismo. Antes se aposentava após 30 anos de trabalho, com o valor do último salário. Aí, já recebia no ato um valor equivalente a um mês por ano, 30 meses ou 900 dias. Isso foi eliminado no processo de aplicação das medidas do Fundo Monetário Internacional (FMI), que determinava a retirada de direitos e privatizações, onde a flexibilização era o método de contratação. Chávez chega, paralisa o processo neoliberal e trabalha para a recuperação de empregos e direitos.

Com a adoção do receituário neoliberal, os trabalhadores ficaram, literalmente, a ver navios.

Exatamente. Se acumularam passivos trabalhistas muito grandes, com a quebra de empresas. O Estado precisou atuar. O que para os neoliberais é gasto público, para a revolução é investimento social. Então, o governo Chávez começou a distribuir mais equitativamente os recursos para a sociedade, ampliando os benefícios sociais e trabalhistas.

De que forma a construção da CBST contribui para o desenvolvimento do processo?

Foram muitas idas e vindas, onde tivemos de revisar a nossa situação frente ao processo intersindical. Havíamos cometido muitos erros na formação da antiga central, a União Nacional dos Trabalhadores (UNT), com critérios a partir de correntes políticas, muitas vezes com pouca ou nenhuma representatividade. Eram generais sem tropa. Hoje, os dirigentes têm representatividade, são líderes do magistério, da construção civil, petroleiros, químicos, farmacêuticos. O que nos une a todos é o apoio ao processo revolucionário conduzido pelo presidente Chávez.

A linha de corte é o processo revolucionário.

Este é o nosso entendimento, porque se não somos capazes de sustentar a revolução, com o comandante à frente, que tipo de organização seremos? Durante o processo de fundação da nossa Central Bolivariana Socialista dos Trabalhadores da Cidade, do Campo e da Pesca da Venezuela, em 10 de novembro de 2011, lançamos as bases da nossa organização, com comitês regionais e nacionais. Então, pela primeira vez em muitos anos, o presidente nos acompanhou. Foi o primeiro ato público após a sua convalescença, o que é muito simbólico. Neste evento pedimos ao presidente que dirigisse a redação da nova Lei do Trabalho. Ele disse que iria assinar após uma ampla discussão e garantiu um espaço de consulta e mobilização, proporcionando um rico debate que envolveu a Comissão Presidencial, a Assembleia Nacional, os magistrados da Corte Suprema, ministros, o Banco Central e vasta representação dos trabalhadores para concluir a nova lei. Vale ressaltar que não houve reforma, mas a construção de uma nova lei orgânica para pagar a dívida histórica da revolução com a classe operária.

Como foi este processo de construção?

Somente nossa central realizou 4.700 consultas, entre reuniões e assembleias, com muita participação. Ao longo do processo foram recolhidas 19.200 propostas para a nova lei. Depois disso, uma tarefa titânica foi ordenar, sistematizar esta avalanche de propostas e garantir o caráter revolucionário de seu conteúdo. É uma plataforma para que os trabalhadores se incorporem em melhores condições ao processo. Assim como precisamos garantir o protagonismo do Estado, temos de garantir o papel dos trabalhadores no Estado, a participação da classe na construção da sua própria redenção

Houve o investimento na organização, no fortalecimento da consciência da classe. Isso tem se refletido no aumento das taxas de sindicalização?

Reagrupamos o que existia e hoje temos seis centrais sindicais. A nossa é a maior e reúne 17 federações e oito sindicatos nacionais e mais de 500 sindicatos regionais e locais. Temos concentrado a sindicalização nos setores mais estratégicos, onde a taxa tem crescido, com avanços importantes em ramos como a hotelaria e a vigilância privada. Vale lembrar que o sindicalismo anterior, da CTV, agia como correia de transmissão do patronato. Por isso atuavam com uma concepção tripartite, que chamávamos “trimaldita”, pois sempre abria mão dos interesses de classe. Hoje a lei proíbe o tripartismo, não há negociação sobre direitos. O legislado sempre vale mais do que o negociado.

Em muitos dos nossos países, até por questões táticas, o sindicalismo defende o tripartismo.

Mas aqui estamos em um processo revolucionário, mais avançado, onde o trabalho tem papel preponderante sobre o capital. Na Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, nos olharam como se tivéssemos lepra. Na Venezuela não há conciliação entre o explorado e o explorador, como está claro na nova lei do trabalho, pois há um enfrentamento com a burguesia.

Como isso se dá na prática?

Antes o trabalhador era despedido e, para defender seu retorno ao emprego, ele precisava demonstrar que havia sido cometida uma injustiça. Agora se presume a inocência do trabalhador e o patrão é quem tem de justificar as razões e pagar o devido. Agora estamos debatendo os níveis de sanções que vão desde multas até a recontratação. Para isso, o Estado mobiliza o Ministério do Trabalho e até a polícia, impondo o cumprimento da ordem e evitando as demissões massivas. É uma coisa maravilhosa que conseguiu deter os abusos do patronato.

E como ficam as aposentadorias?

Enquanto nos Estados Unidos e na Europa os governos retrocedem direitos sociais e trabalhistas, aqui avançamos. Reduzimos a idade mínima para aposentadoria a 60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres. Todos agora têm seguro social, com direito ao salário integral. Antes, o Estado não recolhia e, portanto, depois não pagava. Agora todos recebem, por uma questão de reparar esta injustiça, independentemente de terem ou não contribuído. Comprovada a idade da aposentadoria, todos têm direito, pois é uma necessidade humana e uma responsabilidade do Estado. A terceira idade está protegida.

E a política de valorização dos benefícios?

Aqui, quando se reajusta o valor do salário mínimo, sempre acima da inflação, com ganho real, todos os meses de maio e setembro, os mesmos percentuais são repassados às aposentadorias. Antes era 80% do salário mínimo, hoje é igual, uma questão de justiça com a terceira idade. É bom lembrar que antes da revolução havia quatro tipos de salário mínimo: o urbano, o rural, o de aprendiz e o de eventual. A revolução unificou e ratificou na lei.

O sindicalismo brasileiro está na luta contra a terceirização, por entender que ela precariza as relações de trabalho.

Esta é uma luta importante. Aqui já acabamos com a flexibilização e a precarização. A partir de 1° de Maio deste ano, as empresas têm seis meses para os eventuais ou subcontratados aparecerem como trabalhadores plenos de direitos.

E o governo deu o exemplo.

O exemplo foi dado pelo governo quando nacionalizou as petroleiras da Faixa do Orinoco, a Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA) absorvendo 60 mil trabalhadores que passaram a ter os mesmos benefícios contratuais. Nossa organização, a Federação dos Trabalhadores do Petróleo, Gás, Similares e Derivados da Venezuela (FUTPV) passou de 40 mil para 103 mil filiados. E fecharemos o ano com 140 mil. Nossa concepção é salário igual para trabalho igual. Da mesma forma, foram registrados os nove mil trabalhadores da metalúrgica Sidor e os quatro mil da empresa elétrica. O trabalho deixa de ser um castigo e passa a ser um direito humano.

Com todos os benefícios, garantias e estabilidade…

Perfeitamente: todos os benefícios, garantias e estabilidade. Além dos direitos sociais e trabalhistas, a revolução avança para garantir educação, saúde, moradia, recreação e energia, que não podem ser mercadoria, mas um serviço comum para todos e todas. O modelo de país que estamos construindo tem este compromisso.

A luta das mulheres também tem se refletido em conquistas…

A equidade de gênero na Venezuela não é só formal. A nova lei do trabalho também reconhece novos direitos: a licença maternidade agora é de seis semanas no pré-natal e de 40 semanas, seis meses, após o parto. Para contribuir neste momento tão importante, o pai tem 15 dias para acompanhar a companheira após o parto, com o casal gozando de estabilidade no emprego por dois anos, pois é uma etapa crucial para a criança.

E o trabalhador jovem?

Existiam mecanismos de exploração muito depravados como os tais três meses de experiência, onde muitos empresários se aproveitavam para sugar ao máximo as energias do candidato, logo substituído por outro nas mesmas condições. Aproveitavam-se, portanto, da alta rotatividade para “reciclar” em defesa do capital, não pagando direitos durante o período. Isso acabou.

A redução da jornada é outro avanço substancial, não só porque abre mais espaço para o lazer, a recreação, a família, como também garante a abertura de novos postos de trabalho…

Claro. Além da redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais no setor privado e a efetivação das 36 horas no setor público, sem diminuição de salário, garantimos em lei a obrigatoriedade de dois dias de descanso a cada semana.

O presidente Chávez fala muito da necessidade de “semear petróleo”, colocando-o a serviço da industrialização e do desenvolvimento do país. Qual a sua avaliação sobre isso?

Esta é uma questão essencial para o próximo período. Temos em andamento o Plano Guayana Produtivo e Socialista que começa a impulsionar com força as indústrias básicas, pesadas, trabalhando o alumínio, o aço, a bauxita. De produtores de matérias-primas e semi-elaborados, vamos passar para outro patamar, também aumentando a produtividade. Existem vários contratos com o Irã e a China para começarmos a produzir carros em nossas próprias fábricas, incorporando novas tecnologias, por exemplo.

A dependência externa da Venezuela no setor agrícola sempre foi absurda. No passado, diziam que até ovos e alfaces vinham de Miami. Como o governo vem enfrentando esta situação?

A luta pela soberania alimentar é um dos pontos centrais. Antes chegamos a importar até 86% de tudo que se consumia no país. Hoje começamos a reverter esta situação. Com a colaboração de países como Argentina, Nicarágua e Uruguai, temos trazido gado para a reprodução, aumentando substancialmente o consumo de carne e leite produzido no próprio país. Recuperamos empresas como a Lacteos Andes, que produzia muito pouco enquanto era privada, tendo agora ampliado em muito a sua capacidade. Também começamos a fomentar um modelo de substituição de consumo. O venezuelano come muito pão, mas não temos trigo no país. Então estamos já há tempos substituindo pelo milho, com o que fazemos comidas típicas como a cachapa e a arepa. Temos também muita mandioca no oriente do país.

O investimento na agricultura e nos agricultores passa a ter um papel estratégico.

Sim. Antes tínhamos apenas 3% da população trabalhando a terra, hoje, devido à recuperação de parte das terras ociosas do latifúndio, já são 30%. Em apenas um dos empreendimentos são 19 mil hectares que foram expropriados de uma empresa britânica que tinha a terra para especulação. Agora esse local está cheio de cooperativas camponesas. Há uma volta ao campo, o que também nos ajuda a enfrentar os cinturões de miséria que cresciam nas periferias das nossas cidades. A interiorização do desenvolvimento é feita com mais investimentos, que abrem novas opções de trabalho. Uma classe antes invisibilizada começa a ser produtiva, o que permitiu que o nível de consumo tenha crescido exponencialmente.

Vimos o presidente Chávez falando sobre o aumento no consumo de proteínas, de como isso está repercutindo favoravelmente também na melhoria da saúde do venezuelano.

Precisamos sempre comparar, até para valorizar o que temos ganhado com o processo revolucionário. Houve tempos no nosso país, particularmente no período neoliberal dos anos 1990, onde o governo se curvou ao FMI, que as pessoas chegaram a comer alimento para cachorro (perros, em espanhol), porque eram mais baratos. Assim se comprava “perrarina” e esquentava na  água para os filhos comerem “carne” com espaguete.

Passamos dez dias na Venezuela e pudemos compartilhar uma rica experiência, infelizmente desconhecida da maior parte dos brasileiros.

Precisamos romper com o cerco midiático que tenta manter a desinformação sobre o que está ocorrendo na Venezuela, impedindo maiores adesões à revolução bolivariana. Durante o processo eleitoral tentaram isolar o nosso país a partir de uma oposição dirigida desde Washington. A Foxnews dava Capriles como ganhador da eleição. O ABC da Espanha segue dizendo que houve fraude, apesar da própria oposição já ter reconhecido a derrota. Felizmente a solidariedade com a revolução e com o nosso comandante falaram mais alto. Agradecemos muitíssimo o apoio solidário de Lula e de Dilma, que se colocaram à frente das manipulações da mídia. A declaração de Lula foi no seu melhor estilo, sublinhando que o Brasil e a Venezuela avançam pelo mesmo caminho. Reunindo vários meios alternativos, a Rede ComunicaSul também cumpriu um grande papel. Graças a pessoas como vocês, conseguimos resistir e vencer. Não dá para quantificar esta contribuição, foi uma enxurrada de carinho. Felizmente há a compreensão comum de que caminhos no continente para a conformação de uma só grande nação que é América, fortalecida com o exemplo da revolução bolivariana. Há, evidentemente uma relação dialética entre os nossos avanços e o dos demais países. Se o conjunto não acelera o passo, também se compromete o desenvolvimento interno do processo, pois estamos nos confrontando ao império estadunidense, na máxima expressão da luta de classes.