Iniciativa do Estado
Confirma-se a presença e a iniciativa do Estado no campo da economia nacional, jogando longe aquele atraso da era do Estado mínimo, que vendia patrimônio público a preço vil com financiamento do BNDES, deixando ao alvitre do mercado as iniciativas de investimentos em setores estratégicos. Agora o Estado brasileiro pôs-se decididamente no comando do setor de transporte e logística tão decisivo para a propulsão do crescimento da nossa economia, produzindo grande mal-estar entre os neoliberais que pretenderam distorcer os fatos, como se estivéssemos voltando ao passado, contando com uma ingenuidade popular que não mais existe.
Criando a Empresa Estatal de Planejamento Logístico (EPL), análoga à do setor elétrico (EPE) que tão bons resultados vem apresentando na racionalização e no desenvolvimento na produção dessa energia, o Governo assumiu a iniciativa e convocou a parceria do setor privado para lançar um vasto programa de investimentos em estradas de ferro e de rodagem, da ordem de centenas de bilhões de reais, cobrindo todo o território nacional e atendendo a uma das principais condições para o bom desenvolvimento da nossa economia nas próximas décadas. Ao mesmo tempo, anunciou para breve um programa semelhante para os portos, que constituem outro ponto de estrangulamento das nossas atividades econômicas.
Trata-se de uma iniciativa própria do modelo de economia mista que trouxe os melhores resultados ao longo de nossa história, e que havia sido abandonado desde o início dos anos noventa, com péssimas consequências para o desenvolvimento nacional. A retomada do caráter estatal da Petrobrás, dando menos atenção ao seu lucro financeiro e mais ao desenvolvimento tecnológico nacional e ao crescimento das indústrias fornecedoras, como a da construção naval entre muitas outras, é outro exemplo marcante dessa estratégica virada política desenvolvimentista do nosso novo milênio. Para reforçar a caracterização do novo modelo é importante mencionar ainda a iniciativa da criação da Amazul, a nova estatal voltada para a produção dos submarinos de propulsão nuclear. Uma visita à Nuclep, nossa estatal dos grandes equipamentos, dá ainda mais uma evidência da nova política: o Estado se antecipa ao mercado nos investimentos estratégicos para o desenvolvimento.
A presença maior do Estado, absolutamente necessária, requer obviamente uma preparação mais cuidadosa do servidor deste Estado mais atuante, algo que o Brasil só agora começa a institucionalizar com a criação da carreira e dos cursos de gestores públicos. Excetuada a EBAP da FGV, nossos cursos de administração no ensino superior são quase todos voltados para a administração empresarial privada, de
mercado, com pouca ênfase na gestão pública, com desenvolvimento muito fraco das matérias ligadas à história, ao direito, à política e à filosofia. A pós-graduação se faz nos modelos MBA correntes pelo mundo a fora, sem que se desenvolvam cursos de mestrado para a formação de MPAs e, mais à frente, de doutorado na área de administração pública, os DPAs.
É certo que a tradição de nomeações meramente políticas na grande maioria dos cargos de direção do Estado prejudica o desempenho ótimo da máquina pública no Brasil, mas é claro que a correção dessa distorção não se pode dar pela privatização das responsabilidades públicas, esse estreitamento de objetivos que substitui a busca dos fins sociais, definidos pela política, pela melhoria dos resultados financeiros da contabilidade pública. Algo deve ser feito nos próximos anos para que a correção dessa distorção se dê pelo lado certo, próprio de uma nação que reconhece a importância primordial da presença e da iniciativa do Estado no seu processo de desenvolvimento.
A correção maior do rumo foi deflagrada a partir da eleição de Lula e confirmada no governo Dilma; o que se espera agora é o aprofundamento e o detalhamento da nova orientação política, com o tratamento adequado a todos os elos da cadeia, especialmente este ligado à formação dos servidores diretos e indiretos deste novo Estado desenvolvimentista e democrático.
Roberto Saturnino Braga
Roberto Saturnino Braga, ex-senador (PT/RJ), preside o Instituto Solidariedade e integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É autor de O Curso das Ideias: A história do pensamento político no Brasil e no Mundo, publicado pela EFPA
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